sábado, 28 de junho de 2014


O que sobrará de Portugal?


M. Fátima Bonifácio,  Público 2014-06-23

Um simples relance pelas últimas votações do Tribunal Constitucional mostra, como já tem sido sublinhado, que as divisões de opinião entre os magistrados que se sentam nesse augusto órgão de soberania não obedecem a puras divisões partidárias. Isto sugere uma saudável independência dos eleitos em relação aos partidos que lhes concederam os sufrágios necessários para que lá chegassem, em particular no que se refere aos magistrados indicados pela direita. Verifica-se, com efeito, uma indisfarçável consonância entre os pronunciamentos do tribunal e a opinião geral da esquerda, respaldada, neste particular, pela opinião do homem comum, compreensivelmente empenhado em defender o seu rendimento, venha o dinheiro lá de onde vier.

Esta indiferença pela existência ou não existência de dinheiro, questão que se reputa subalterna perante a preeminência indiscutível dos «direitos adquiridos» – ou simplesmente «direitos» –, indiferença que deixa perplexo o cidadão minimamente permeável à realidade, ocupa um lugar cada vez mais saliente no discurso da esquerda, incluindo a do arco da governação, e conduziria, levada às suas últimas consequências lógicas, à recusa de pagar a dívida, que tantos lunáticos e até alguma boa gente reclamam. Existe, pois, em Portugal um amplo e fundo consenso quanto à prevalência dos nossos direitos sobre os nossos deveres e os nossos meios, um pequeno problema que no entender de alguns se resolverá facilmente fazendo voz grossa na Europa. Nem a deplorável experiência do sr. Hollande levou os socialistas portugueses a compreender que as relações entre Estados se regem pela força dos interesses e não por solidariedades afectivas ou sequer ideológicas. A parte mais substancial do «programa» de António Costa para reerguer o país depende inteiramente da benevolência europeia, o que só pode inspirar a mais funda preocupação. O Tribunal Constitucional, ao chumbar reiteradamente (ainda que com uma ou outra incoerência) medidas aprovadas pelo Governo e julgadas contrárias à lei fundamental, beneficia pois de um larga audiência no país, na exacta medida em que o Governo incorre na fúria da esquerda e até em boa parte da opinião partidariamente desalinhada. Não será demasiado grosseiro dizer-se que os portugueses, de um modo geral, se revêem no Tribunal Constitucional. Mas não maioritariamente por escrúpulo jurídico, antes pelo prosaico e palpável motivo de que o tribunal constitui uma peça integrante do regime, que até por mera intuição toda a gente percebe que protege as dimensões mais conservadoras da nossa Constituição. O tribunal, ao zelar – e bem pelo cumprimento da lei fundamental, zela, do mesmo passo, pela conservação de toda a «tralha» socialista que nela se contém e que, como escreveu Henrique Raposo, impede a direita de governar, como tem demonstrado a experiência em curso.

Não obstante, mau grado todos os inconvenientes resultantes dos sucessivos chumbos do TC, a verdade é que o tribunal não se pode eximir a desempenhar as funções para que foi criado, e ao Governo não resta outra solução que não seja, mesmo com muita azia, cumprir pronta e rigorosamente os acórdãos que quase sempre mais não fazem do que condenar medidas que em muitos casos se sabia antecipadamente serem inconstitucionais. A lei é para respeitar, por dura ou incómoda que seja. Senão, quem amanhã vai punir o assaltante da minha casa? De nada servindo protestar contra o Constitucional, parece que apenas resta a solução de reformular as suas competências – no âmbito de uma revisão constitucional que produza um texto em que a generalidade dos portugueses se possa finalmente rever e com que todas as forças políticas possam governar. Seria óptimo, mas não é possível. O PS está e estará proibido, pelas suas várias facções esquerdistas, de se entender com o centro-direita para beliscar uma Constituição que santifica o socialismo como o destino superior de Portugal. O PS quer a todo o custo preservar o chamado «modelo social europeu» introduzido a partir de 1976, quando, passados mais de 30 anos, o mundo está irreconhecível, esse mesmo modelo sofre em diversos países reformas que o vão desfigurando, e as populações da maior parte do planeta estão já engalfinhadas numa competição global sem tréguas, incompatível com as disposições que regulavam um mundo relativamente pacato e previsível. Enquanto o PS se mantiver amarrado ao seu pólo radical, bloqueará toda a reforma constitucional que possa abrir caminho a uma governação mais consentânea com as exigências – e oportunidades – do mundo contemporâneo. A situação portuguesa está completamente bloqueada. Que fazer? Nada. Continuar a empobrecer, enquanto esperamos resignadamente que a Europa se condoa... ou que os partidos se desagreguem e o regime chegue ao fim. Veremos o que então sobra de Portugal.





quinta-feira, 26 de junho de 2014


A lei da «procriação medicamente assistida»
discutida no PSD


MOÇÃO DA ASSEMBLEIA DISTRITAL DE LISBOA DO PPD-PSD

A Lei que regula a Procriação Medicamente Assistida (PMA) foi aprovada, em 2006, na Assembleia da República com indicação de voto contra do PSD. Foi posteriormente promulgada pelo Presidente da República que, em Mensagem enviada ao parlamento, manifestou inúmeras e fundadas reservas a este diploma.

Recentemente foram apresentados 2 Projectos Lei (um do BE e outro do PS) a que se juntou um terceiro da iniciativa de alguns deputados do PSD. Chumbado o projecto do BE, baixaram os restantes à especialidade, sem votação, estando neste momento o processo de reenvio a plenário, praticamente concluído.

Ainda que com condicionantes que variam de documento para documento, em todos estes Projectos de Lei se encontra a admissibilidade dos negócios jurídicos de maternidade de substituição/barrigas de aluguer, (considerados nulos na Lei 32/2006) e a ampliação do uso de embriões humanos para investigação científica.

A barriga de aluguer é uma opção de Bioética profundamente fracturante. Isto porque:

a) Permite, ainda que gratuitamente na aparência, a mercantilização do corpo da mulher o que há muito é vedado pelas ordens jurídicas nacional e internacional.

b) Reduz a mãe portadora à condição de coisa. Uma escravidão.

c) Permite que crianças venham a ter três mães (genética, gestação e social).

d) Nega a relação de afectos, estabelecida durante a gravidez, entre mãe e filho, e cuja importância para o desenvolvimento da criança está cientificamente comprovada, conforme o vem alertando os especialistas da pediatria e da psicologia.

e) Nega direitos futuros do filho quanto à plena informação genética.

f) Permite negócios jurídicos onde todos podem sair prejudicados sem que a lei possa acautelar os interesses das pessoas em questão.

As questões acima, porque socialmente fracturantes, requerem um amplo debate na sociedade o que não aconteceu com a apresentação dos presentes projectos de Lei. Saliente-se que o PSD não apresentou ao eleitorado, em sede de programa eleitoral, qualquer proposta nesta área e nem o Congresso nem o Conselho Nacional, em qualquer das suas reuniões após as últimas eleições legislativas, discutiu este assunto.

A iniciativa do BE e do PS tem rastro político, visa dividir o PSD e criar fracturas ao nível da coligação. Alinhar com os partidos da oposição (salvo o PCP que também se opõe a este projecto) significa andar a reboque de uma minoria expressivamente derrotada nas últimas eleições e a servir uma agenda política que não é a do PSD.

Nestas circunstâncias, os militantes reunidos na Assembleia Distrital de Lisboa manifestam:

1) o seu total desacordo com qualquer projecto de lei que viabilize as barrigas de aluguer;

2) o seu desejo de que se realize um amplo debate no PSD sobre esta matéria antes de que se tome qualquer decisão sobre a mesma.


18 de Junho de 2014

Primeiro subscritor: António Pinheiro Torres

(Membro do Conselho de Jurisdição Distrital de Lisboa)





terça-feira, 24 de junho de 2014


Educação dos filhos

Procura-se especialista


Inês Teotónio Pereira

O caso é sério porque revela que os pais se consideram incompetentes para responder a estas questões e não confiam em quem os educou – nos avós

Existem duas entidades em quem os pais já não confiam: neles próprios e nos avós. Ao fim de séculos a confiar nestas duas instituições milenares chegou a altura de atirar a toalha ao chão e de procurar novas experiências que ajudem a educar e a criar os filhos. Nada do que valia, agora vale, é esta a infeliz certeza das novas gerações de pais. Está tudo em aberto no que diz respeito à educação ou à criação dos filhos e tudo pode ser dito e escrito porque haverá sempre interessados, likes, polémica e comentários. Está tudo em aberto: do mais importante ao mais ridículo.

Os pais acham que não sabem coisa alguma sobre a arte de educar e criar filhos. Confiam mais em qualquer livro, em qualquer especialista – seja ele pediatra, sociólogo, neuropsicólogo, ou apenas estudioso – ou em blogues, que ditam sentenças e teorias, do que neles próprios. A intuição foi de férias para parte incerta e os avós, bom, os avós são mais velhos e não estão inteirados dos tempos modernos: os tempos são outros, por isso as crianças também devem ser diferentes. Sim, é um mistério que apesar da falta de doutrina publicada e da escassez de especialistas encartados durante todos estes milénios, a humanidade tenha conseguido sobreviver.

E quais são os temas centrais que preocupam os pais e que servem de substrato para a sobrevivência de tantos especialistas? Tudo e mais um par de botas. Há umas semanas estoirou uma polémica dentro da temática pais e filhos que, tendo em conta o entusiasmo que suscitou, põe em causa a importância de assuntos como os massacres no Iraque ou o próprio joelho de Ronaldo. Um pediatra espanhol, um verdadeiro especialista em vender livros na Ibéria, deu uma entrevista ao Observador onde declara peremptoriamente que as crianças não devem ser castigadas, devem dormir na cama dos pais até à idade que entenderem, que os legumes não fazem falta nenhuma à dieta ibérica dos nossos infantes e, pasme com a grande novidade, os pais devem amar os filhos. O mundo paternal estremeceu e o debate centrado nos legumes, na cama dos pais e nos castigos tomou conta da temática pais e filhos. Ficámos, então, todos a saber que há um mundo de filosofia por detrás destes temas.

Esta semana o Observador descobriu mais um especialista espanhol, que também é campeão literário de vendas, que revela o segredo na arte de adormecer uma criança: «A ideia é deixar as crianças na sua própria cama, com a luz do quarto apagada e a porta aberta. É provável que chorem, pelo que os pais devem visitar os filhos, em intervalos de tempo progressivamente maiores, no sentido de os acalmar. A calma e a serenidade são factores importantes.» O mesmo método deve ser aplicado na arte de enfiar legumes pela boca abaixo dos nossos filhos: calma e serenidade; assim como no que toca à disciplina: constância em vez de rigidez. O mundo dos pais dividiu-se entre os dois espanhóis. Está uma verdadeira revolução em curso.

O caso é sério. O facto de haver mercado para estes especialistas é um caso sério porque é a constatação de que os pais acham que não conseguem sozinhos descobrir fórmulas para adormecerem os filhos, que não sabem como fazer com que seres que têm um terço do seu tamanho comam um prato de sopa e não consideram claro como água que as crianças precisam de regras coerentes, constantes e de sanções caso haja necessidade de as forçar a respeitarem as ditas regras. Quanto à evidência de «terem de ser amadas», nem sei que diga.

O caso é sério porque revela que os pais se consideram incompetentes para responderem a estas questões e não confiam em quem os educou – nos avós – para esclarecerem as dúvidas. É sério porque parece que, afinal, a experiência e a intuição não servem para nada. Não há por aí mais um especialista que queira escrever sobre isto?





Artista vai a tribunal

por ultraje a símbolos nacionais


(Dos jornais)

Élsio Menau começa hoje a ser julgado no tribunal de Faro pela instalação artística em que a bandeira portuguesa aparecia «enforcada».

O trabalho de final de curso de Élsio Menau valeu-lhe uma nota de 17 valores, mas também um processo judicial pelo crime de ultraje à bandeira nacional. O estudante universitário desenvolveu uma instalação artística há cerca de dois anos e que esteve exposta num terreno privado. No trabalho «Portugal na Forca», realizado para a licenciatura em Artes Visuais, Élsio colocou uma bandeira de Portugal pendurada numa forca de madeira.


O estudante garante que não teve intenção de ofender a bandeira, nem cometer qualquer crime com a sua instalação artística e, em declarações à TSF, explica que o trabalho «procurava mostrar a indignação pelo estado em está o país».

A obra foi retirada pela GNR do terreno em que estava instalada apenas dois dias depois de ter sido colocada. Mais tarde, esteve exposta durante cerca de dois meses na Galeria de Arte do Convento de Santo António, em Loulé, no âmbito de uma exposição colectiva promovida pela universidade do Algarve.

O trabalho foi ainda incluído no videoclip do grupo de hip hop «Tira Nódoas», que usou o nome da obra – «Portugal na Forca» para o título da música. O vídeo conta com mais de 80 visualizações no YouTube.

Recorde-se que depois do episódio da bandeira hasteada ao contrário na Câmara de Lisboa, cinco pessoas apresentaram queixa invocando crime de ultraje a símbolos nacionais, tendo uma dessas queixas invocado ainda crime de traição à Pátria. O caso foi investigado e o Ministério Público determinou o arquivamento. «Depois de realizadas as diligências pertinentes o Ministério Público concluiu pela inexistência da prática de crime, uma vez que não se indiciou qualquer intenção final de ultrajar ou faltar ao respeito devido à bandeira nacional», podia ler-se numa nota publicada no site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.

O site Tugaleaks foi uma das entidades que assumiu ter apresentado queixa contra o Presidente da República e o Presidente da Câmara de Lisboa, recordando a polémica em torno de um programa da SIC Radical que usou a imagem da bandeira ao contrário no genérico. Nessa altura, o PS mostrou intenções de processar o canal de televisão.

O site da Presidência da República refere que o artigo 332.° do Código Penal pune com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias «quem publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito (...) ultrajar a República, a bandeira ou o hino nacional».





domingo, 22 de junho de 2014


João Lobo Antunes sobre a chamada
«opressão intelectual» no Estado Novo


SOL, 19 de Junho de 2014

O conselheiro de Estado e neurocirurgião João Lobo Antunes [não confundir com o irmão António] declarou esta quinta-feira à Antena 1 que «é injusto» afirmar que havia «opressão intelectual» antes do 25 de Abril. «Dizer que havia uma opressão intelectual é injusto. Não é verdade». «Não é verdade», considerou o antigo director do serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria e dirigente da Juventude Universitária Católica.


Lobo Antunes recorda a publicação do jornal Encontro, da JUC, com artigos de bispos críticos do antigo regime, como exemplo de liberdade intelectual.