terça-feira, 6 de outubro de 2009

Como vamos sair deste grande sarilho



A conferência anual da revista "Exame" é sempre um espaço privilegiado de reflexão sobre a situação económica e social do país - e algumas pistas do que lá foi dito merecem ser compartilhadas.

Primeiro aspecto: o país está a perder capacidade de atrair e reter talentos. Todos contribuímos para isso. Nós, na comunicação social, com as notícias negativas sobre o país, não dando relevo aos factos positivos, que também os há. O discurso político que insiste nas nossas chagas sociais. Os dados estatísticos que empolam a nossa má posição internacional. E as famílias que começam a dizer aos filhos para irem viver e trabalhar no exterior. Esta é uma tendência dramática.

Segundo aspecto: o endividamento externo líquido do país pulou de 10% do PIB em 1995 para 50% em 2000 e 100% em 2005. Não é um crescimento exponencial, é uma tragédia nacional. Para simplificar, é como se um cidadão se fosse endividando até chegar a um ponto em que fica completamente incapaz de pagar os seus compromissos. Nessa altura, é obrigado a negociar com os credores, a cativar todos os meses parte significativa dos seus rendimentos para pagar as dívidas e passa a viver muito pior. É desse ponto que, enquanto país, nos estamos a aproximar.

Terceiro aspecto: como é que se resolve esta situação? Uma via é, como pretende o PSD, a de suspender todos os investimentos públicos, mesmo que, como lembrou Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva, os compromissos do Estado português a partir de 2012 ascendam já a mais €55 mil milhões, em consequência dos projectos das SCUT, novas concessões rodoviárias, mais dez hospitais públicos, expansões das redes do metro de Lisboa e Porto, novos campus da justiça e de novas prisões. A outra é aquela em que aposta o PS: manter os investimentos públicos, pois serão eles o motor de arranque da economia.

O problema é que, entretanto, a carga fiscal aumentou durante a governação de José Sócrates. E aumentou pelo alargamento da base fiscal, mas também porque o Governo reduziu de forma sistemática as deduções fiscais dos contribuintes individuais (e hoje em dia a classe média paga muito mais impostos, com o IRS e o IMI à cabeça). Mas nas empresas, apesar dos muitos avanços, o regabofe continua. Em 2007, só 36% das 379.772 empresas que existem no país pagaram IRC. 64% não pagaram nada. Um escândalo! Mais escandaloso ainda é que apenas um em cada quatro hotéis e restaurantes pagou alguma coisa ao fisco. 74% não contribuíram com um cêntimo para os cofres do Estado. E também há 56% das famílias que não pagam IRS devido aos seus baixos rendimentos.

Ora é impensável continuar a sangrar os trabalhadores de maiores rendimentos, que já têm de trabalhar em média cinco meses por ano para o Estado para pagar o IRS, o IMI, a taxa de esgoto e mais não sei quantas alcavalas públicas - sem que a fuga de talentos e quadros para o exterior se acentue. Por isso, ou se fazem investimentos públicos muito criteriosos ou o nosso futuro será muito negro - até porque, como lembrou Catroga, o nosso acesso à poupança externa dos outros será cada vez mais cara, difícil e escassa.

Parte da solução pode estar no programa que o economista Álvaro Santos Pereira, professor em Vancouver, Canadá, apresentou. 1º) lançamento de um grande pacote anticorrupção; 2º) fortíssima aposta no empreendedorismo nacional, com o fim de todas as peias burocráticas que o tolhem; 3º) desenvolver uma política económica radical, dando total prioridade ao aumento da produtividade da economia; 4º) renegociar em Bruxelas regimes de isenções fiscais e de apoio do Estado à economia, descendo as taxas de imposto no interior do país e dando incentivos às empresas inovadoras. E, claro, diversificar a nossa estrutura produtiva e apostar radicalmente nas exportações.

Não é fácil? Não. Exige repensar o tamanho do Estado? Exige. Mas a alternativa é caminharmos tristemente para um enorme desastre colectivo.

Nicolau Santos, Expresso Economia, 25-9-2009

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