quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A ideologia é descartável?

Há algum tempo, grandes mestres do pensamento ocidental anunciaram repetidamente que as ideologias estavam a morrer ou até já tinham morrido e nós não sabíamos desse fenómeno notável. Nesta carreira estiveram grandes pensadores que acharam que as ideologias eram um aborrecimento para a sua própria inteligência. E de facto eram excepções, que tinham superado essa fase de pensamento e se tinham inclinado para o pensamento científico, porque a ideologia, compreendiam, não salva ninguém e só serve um senhor - o seu amável dono.
Homens como o grande intelectual judeu conservador Raymond Aron gastou livros a provar a convergência inevitável entre comunismo e capitalismo em diversos ensaios sobre as tendências da sociedade industrial. Keneth Galbraith, para lá de se notabilizar como embaixador na Índia, ainda proclamou o fim das ideologias. Lá fica, para lá da sua análise geral da grande crise, o seu livro O Estado Industrial a exigir em todo o lado uma igual elite de tecnocratas eficientes como o profeta sociólogo Conte escreveu no seu Catecismo Positivista, séculos antes. Tudo iria para o mesmo sítio. Só se atreveu a contrariar esta corrente um grande amigo meu, Dom Gonzalo Fernandez de la Mora, em que falava do «crepúsculo das ideologias crepusculares».
Parece que não foi. Apesar das mudanças inesperadas promovidas pela tecnologia, importa saber se a ideologia ainda é importante ou se não interessa. Este é um problema central da ciência política e mesmo da prática política, hoje reduzida a um pobre marketing de promessas, que valem o que valem. Mas as promessas parecem estar assumidas por partidos que defendem uma ideologia que ninguém sabe qual é. Podemos hoje honestamente perguntar o seguinte: o que e em que consiste o socialismo português? É esta salganhada que temos visto misturada com enriquecimentos ou é outra coisa que não nos foi dita. O que é isso de social-democracia, termo que equivale a comunismo radical e que usavam os comunistas germânicos a tempos da velhota Rosa Luxemburgo, que desenvolveu o conceito. Terão noção os PSD que isto é assim? Ou pretendem rever a história e que repentinamente acordaram para uma nova realidade em que a velhota não está, nem escreveu sobre o assunto? Eles não percebem que devem ter lições sobre o pensamento dos seus pais fundadores, o seu mestre Bernstein, um judeu útil, para perceber a revolução adiada e o compromisso a prazo para a instalação da sociedade justa, que é pura ideologia? A ideologia morreu ou foi esquecida e utilizada de outro modo, em outras versões como avisou Vilfredo Pareto?
Observando com isenção os partidos, só se observa na arena política permitida (diz-se oligarquia de partido ou monopólio da política) o PCP com uma ideologia linear cujas raízes assentam no mais saudável estalinismo. Dispensam as dúvidas do próprio Lenin, porque a escrita é vasta e abarca vários volumes indigeríveis por humanos inteligentes e não inteligentes de modo que as coisas têm que se passar ao nível do slogan da propaganda bastarda. Aqui também ninguém tem capacidade para ler os seus fundadores. Têm manuais. Mas eles não explicam as controvérsias que fizeram evoluir a doutrina. Tenho saudades das vendas de livros na Amadora da Editorial Mir, de Moscovo. Barato e seguro. Lia-se o que era o pensamento autêntico dos velhos fósseis, mas conhecia-se o que pensavam. Pacheco Pereira poderia dar lições sobre estas matérias, em companhia de Guterres e de outros distintos senhores desta terra de dores e agonia. No tempo do chamado «Renegado Vilar» há histórias sobre as hesitações de toda esta gente de esquerda face a um partido marxista-leninista e que valeria a pena escrever, para vergonha dos senhores alçados com a ideologia e que depois virão dizer que ela significa pouco. Interessará sim a técnica e a produtividade no futuro utópico. Vindos donde vêm?
Dizia-se que quem não muda de ideias é como quem não muda de vestuário. Chega a um momento que cheira mal. Eles souberam manter o bom odor Pierre Cardin ou Kelvin Klein.
Se a finalidade não fosse abolir a política e excluir dela os chamados «não profissionais», compreenderia perfeitamente o problema. Mas a questão dos profissionais é que não têm consciência e foram descritos pelos especialistas como carreiristas impiedosos, do pior nível moral, medíocres de origem, pessoas que se dedicaram à política porque no fundo não sabiam fazer mais nada. As suas conquistas financeiras são o melhor enlevo. Vêm do «pé rapado» e isto é que melhor os define: então desfrutar dos bens do Estado como se fossem donos ou rendeiros poderosos é uma tentação incontornável. E andam eles, tontos e embriagados desse nevoeiro que só desvia os imbecis, e os puros ambiciosos sem ideologia.
Como desafiou Medina Carreira oportunamente: quem terá uma solução para o problema de Portugal? Ninguém a adiantou. Creio que o problema continua a ser ideológico e mesmo assim ainda não económico, porque este se submeterá à ideologia.
Antes de mais torna-se necessário entender que o problema do País é de ter ou não uma visão sobre si próprio. É o de não ter uma Weltanshauung, uma Világnézet, uma Medevastonum ou uma Mrovozzrenye como na Rússia. É o que leva um autor inteligente do Desenvolvimento Económico a entender que as coisas até vão bem no ambiente catastrófico que se vive, ainda que muito realista na escola que lhe cabe por herança. Todavia ninguém percebe que Portugal não passa de uma ideia histórica de que poucos participam activa e entusiasticamente. Não há Mundovisão e os partidos carecem de ideologia. Fica tudo dito.
Talvez o assunto esteja em reformulação e o revivalismo das ideologias ainda fecundem uma terra dura e um povo subjugado e como, pelos vistos, com um grande futuro no futuro da economia. Para que fique, o Professor Inving Kristol, dizendo que os seus amigos lamentavam a ideologização da política nos USA, escreveu entretanto este trecho: «Nesta época, os partidos conservadores devem desenvolver uma clara identidade ideológica», apesar de perceber que a sociedade de direita era adversa das ideologias. Torna-se claro que hoje se defronta o mesmo problema de há 40 anos quando Kristol escreveu o texto no Wall Street Journal.
Mas dirão todos: Quem era esse imbecil do Kristol? Era bom fazer uma busca sobre este grande ideólogo dos conservadores americanos.

António Marques Bessa

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