segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A triste debilidade das associações

António Marques Bessa

Há uma realidade que não se pode escamotear neste mundo do Ocidente e trata-se de uma debilidade da cultura tecnocrática e individualista que se veio a implantar associada ao uso de tecnologias que facilitam os divertimentos em casa.

Essa antiga realidade consistia na existência de associações fortes e respeitadas formadas por homens e mulheres interessados nas coisas públicas e no seu próprio mundo. Embora o sociólogo americano C. Wright Mills tenha escrito que uma coisa que o alarmava era a crise das associações de homens livres na América e a proliferação de estruturas escondidas de poder, o facto é que ainda subsistem algumas associações fortes que têm o poder de fazer recuar os partidos, os grandes bancos e as grandes cadeias alimentares. Nada comparável à DECO, nem às diversas associações de famílias em Portugal.



A DEFESA JURÍDICA

A mesma ideia implantou-se firmemente num esquecido autor italiano, líder do pensamento político significativo. O convencional Professor Gaetano Mosca escreveu que a classe política só conhece um limite na sua acção predatória sobre os bens públicos e o Estado. Esse limite é a capacidade de pressão por parte das associações de cidadãos livres. É isso que é a verdadeira defesa jurídica.

Só nos devemos perguntar que associações seriam essas. Por um lado as clássicas quando tinham poder de pressão: o Exército pelos poderes concentrados nos seus chefes; a Igreja como estrutura dos crentes; os sindicatos, quando unidos e inteligentemente chefiados; a Universidade, como estrutura orgânica dos saberes; mesmo uma organização de criminosos a quem se possa recorrer para acertar coisas que a justiça morosa, lenta, invertida e desviada, não faz.

O que sucedeu foi a lenta erosão destas associações fulcrais e a transformação do espaço político num monopólio de uma coisa a que chamam «partidos». Ora os partidos não asseguram em parte alguma a defesa jurídica porque são eles os principais interessados na pilhagem sempre em nome de grandes ideais, com raras excepções, que é compreensível admitir, sobretudo nos países com pouca corrupção.

Mosca também lamentou que a classe política se estivesse a apropriar de todo um espaço de acção de homens livres e que as tradicionais instituições estivessem a perder força para os Sindicatos. Mas hoje o dramático é que os Sindicatos perderam força para os Partidos, tal como as Forças Armadas, a Igreja deixou de ter importância, e as Organizações de puros bandidos continuam e aumentaram a sua acção. Não apareceram entretanto novas formas de associação a não ser as ordens técnicas de profissionais, interessadas apenas nos seus assuntos particulares como horários de trabalho e salários e mordomias. A defesa jurídica em sentido político quase desapareceu ou não tem significado. Onde os sindicatos intervêm não vêm mais que luta de classes e é certo o fracasso. Onde estiverem a empresa encerra. Em Portugal é muito pior. A luta sindical é um rotundo fracasso porque os dirigentes são do nível dos dinossauros. Não percebem o que está acontecer para lá da linha do horizonte da clássica exploração. Não vão longe para lá de prolongarem a longa fila de desesperados despedidos.




QUE FAZER?

Esta é a eterna pergunta de Lenin. E respondeu-lhe bem no seu tempo em termos de toma do poder total, para instalar um sistema totalitário e depois concentracionário (de campo de concentração). Mas a pergunta coloca-se também para todas questões que exigem uma resposta para a acção. Nos Estados Unidos, persistem associações poderosas baseadas na religião o que levou o ensaísta Kevin Phillips a escrever um livro intitulado American Theocracy (Penguin Books), em que se insurge contra o poder excessivo que exercem essas associações. Na verdade, estendo-se por todo o Estado federal pressionam bancos que apoiam o ateísmo, cadeias de televisão que promovem o ateísmo e deterioração dos valores morais, punem pelo abandono de serviço cadeias de supermercados apoiam causas polémicas e não aprovadas por essas associações. A base religiosa sempre foi muito importante na América do Norte e tem garantido mesmo as liberdades fundamentais. Martin Luther King como todo o movimento dos islamistas americanas assenta e assentou na base religiosa. As associações científicas costumam ser fortes e críticas, mas quando não há entendimento entre as três forças sociais ( poder económico, poder militar e poder político) de forma a constituir uma Power Elite ( uma elite do poder) como pretendia Mills e Domhoff (Who Rules America Now), também elas podem travar o poder político. Uma elite do poder é intratável e pouco controlável.

O que fazer na Europa e entre nós? Não passa o caminho pelos lobby, mas sim pela intervenção cidadã através de associações nacionais e europeias. Mas se os cidadãos não estão para dar tempo e cuidado gratuitos a uma Associação, preferindo divertimentos fornecidos ao domicílio, deixando as nomenclaturas agir à vontade, como o dono numa quinta, sem lhes tentar entravar algumas vias, não se podem depois queixar desse domínio asfixiante. Porém, com pouco esforço, cada um sozinho pode agir e ter influência nos resultados finais. Basta ver que instituições económicas apoiam programas televisivos com publicidade, que bancos patrocinam o quê, que jornais e revistam publicitam o quê, que sociedades apoiam o quê e depois boicotar. Podemos mudar de banco, de cartão de crédito, de livrarias, de marcas, de supermercado, de farmácia, de médico, de universidade, de Igreja. Esta acção daria que pensar aos donos do poder económico, o que se reflectiria nos apoios a partidos e a causas. Há remédios e respostas ao que fazer para todas as pessoas responsáveis: Estudar as suas opções e punir quem quiser, no ponto de vista económico. Onde dói directamente. Então está a assegurar a existência de defesa jurídica numa sociedade que carece dela.

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