João José Brandão Ferreira
É a frase que domina a maioria das conversas, mesmo as de circunstância, com excepção do pessoal mais novo, que ainda gosta de falar de outras coisas. A frase com a sua crítica implicita ultrapassou, há muito, as normais banalidades sobre as condições meteorológicas.
A situação não é nova, estamos em crer,até, que é de sempre. Tem a ver com a natureza humana. Já ouvíamos coisas do género no tempo de Salazar, idem para Marcello Caetano, depois no PREC – onde entrámos no surreal – e desde então até hoje e sempre a piorar. Nem as pessoas que estão junto à área do Poder – as principais responsáveis – escapam à mania: elas também acham que “isto” está cada vez pior! Obviamente temperam a coisa com o aconchego da sua conta bancária e vingam-se do stress, com uma escapadela a uma estância de neve, ou a um paraíso tropical.
Parte-se do princípio – é como um segredo de família! – que quando se referem a “isto”, querem dizer Portugal. Por acaso o seu, nosso, País.
Veio agora S. Exª o PR, na sua mensagem de Ano Novo afirmar, com veemência, que “isto” está à beira de uma explosão social.
Não parece que assim seja (por enquanto…). E não é pelo facto de estarmos na União Europeia (UE) como muitos analistas referem, com o Dr. Mário, diz hoje uma coisa e amanhã outra, Soares, à cabeça. Uma explosão social, um golpe de estado ou qualquer outra manifestação político/social quando tiver que acontecer, acontece quando a situação estiver madura para tal. O Filipe IV, ou o Junot, que o digam.
A mim parece-me que existem quatro razões principais para que ainda não entrássemos em violência: o novo regime não se tem mostrado tão jacobino como é de facto, e não tem hostilizado a Igreja. Começou a quebrar esta regra, pelas minhas contas, há uns três anos a esta parte. A segunda razão prende-se com o facto do país não ter mergulhado numa crise grave internacional, como aconteceu após a proclamação da República, com a I Grande Guerra. Depois as Forças Armadas ainda não recuperaram do 25 de Abril, de onde saíram muito debilitadas e têm sofrido, desde então, um continuado desgaste e perda de influencia. Finalmente, e mais importante, a CEE, meteu no país desde 1986, cerca de dois milhões de contos/dia, o que tem dado para todos os desatinos. Além disto a gravidade da situação vivida no PREC ainda está viva na mente da maioria da população. O dilúvio de informação, desinformação e condicionalismo psicológico provocado pela explosão mediática, tem feito o resto.
O país tem vivido à “grande e à francesa” com o pequeno pormenor de que gasta o que não é seu e, ou, não produz. Esta irresponsabilidade colectiva vai ser paga com língua de palmo. Mas ainda não chegámos lá.
O que acontece é que quem se habituou a ir de férias a Cancun, pagando a pronto ou a cartão de crédito – outro artefacto que vai prolongando alegremente o desvario – não vai explodir socialmente. Nem se importa – pelos vistos - com quem à sua volta roube, mas faça! Por outro lado, não há ruptura de abastecimentos, pelo contrário, entra-se num supermercado e há 300.000 linhas de artigos à escolha. Para os casos mais desesperados, não têm faltado subsídios.
Ora a questão é esta, por mais que isso custe a admitir às santas almas com as quais nos cruzamos diariamente: a esmagadora maioria das pessoas não quer saber de princípios, interessa-se por conveniências. E a meia dúzia, mesmo que seja alargada, que pugna pelas virtudes, é apenas a excepção que confirma a regra.
Por isso Sr. Dr. Cavaco Silva não haverá ainda explosão social, a não ser casos pontuais devidamente industriados por partido(s) e sindicato(s), para fins políticos. Todos nós sabemos o que isto quer dizer e a quem nos referimos.
De qualquer modo o que é que os cidadãos podem fazer? Escrever artigos? É para o lado para onde os responsáveis dormem melhor! Ir para a rua manifestar-se (quem consegue e quer…)? Os professores, dizem, puseram 200.000 pessoas na rua e isso não resultou em coisa nenhuma! Denunciar escândalos? Saem às dezenas nos “media”, por semana. No passa nada! A justiça está metida numa camisa de forças … As pessoas ainda estão numa de sobreviver e ver se é a do lado que faz alguma coisa.
A situação verdadeiramente preocupante é a do desemprego. Mas tem muitas almofadas: os imigrantes estão a abandonar o país; os portugueses passaram a emigrar em números preocupantes, novamente; existe o subsídio de desemprego; muitos trabalham de ambos os lados da fronteira, etc.
A questão agora é esta: irá a situação ser corrigida ou irá agravar-se? Nisto o PR, foi omisso.
Na minha perspectiva a situação vai piorar. Sobretudo porque o sistema político em que vivemos vai tornar o país ingovernável. O sistema está cheio de erros, mas é incapaz de se reformar. Como se fez uma lavagem ao cerebro das pessoas, afirmando que ele é o melhor e é democrático, não há maneira de o deitar abaixo. Vai ter que implodir. Como, aliás, implodiu o de 1820, o de 1834, o de 1851 e o de 1910. Não se aprende mesmo nada.
Principal causa: a ditadura dos partidos e o péssimo comportamento da maioria dos políticos. Não se conseguindo reformar isto não se conseguirá nada mais. E é mesmo duvidoso que mesmo havendo fortes pressões exteriores para pôr ordem na casa, o sistema permita que algo de útil possa ser feito: vai continuar-se a recorrer a empréstimos externos e a castigar o contribuinte com impostos (caminho ,aliàs, que os vencedores do 28 de Maio também queriam seguir,até que...). Existem, por cálculo grosseiro, umas 200 000 famílias que gravitam na área do poder e se têm locopletado com a esmagadora maioria da riqueza existente no país. Não parece crível que queiram abdicar dos seus proventos. A bem.
Por isso Sr. Presidente, pode esperar que lá mais para a frente possa haver, não uma, mas várias explosões sociais. Mas só quando uma fatia alargada de portugueses começarem a viver realmente mal e outros tantos estiverem com a corda na garganta. Pequenos grupos começarão,então, a conspirar a sério, deixando de haver apenas os almoços e tertúlias de bota abaixo (que os há por todo o lado) e as conversas de circunstância onde se diz por norma “isto está cada vez pior”. Isto são coisas de treinadores de bancada e não levam a nada.
Depois surgirão “capacidades”, alguns das quais escaparão ao controle das polícias e informadores. Ficará tudo pendente de um rastilho, que surgirá quando menos se espera.
E lá passaremos então, por mais um mau bocado, de consequências imprevisíveis.
Aprende-se mesmo pouco em Portugal.
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