João José Brandão Ferreira
“Com muitos padres nossos e pelouros, a eles nos fomos, e matámo-los a todos, num credo”
Fernão Mendes Pinto
“Peregrinação”,
descrevendo um ataque a piratas chineses
Assistimos, recentemente, no Instituto de Defesa Nacional a uma conferência sobre a moderna pirataria no mar, assunto que se tornou candente de há cerca de dois anos a esta parte, sobretudo depois dos actos de pirataria terem disparado nas àguas ao largo da Somália (cerca de 409 actos de pirataria em 2009). Outros pontos do globo sensíveis ao recrudescimento desta prática ancestral,são o Golfo da Guiné e a Costa da Nigéria, o Estreito de Malaca , as ilhas indonésias e algumas àreas da América Central e Sul,banhadas pelo Pacifico.
O painel de oradores, mostrou-se competente em elucidar a assistencia na explicitação,enquadramento e forma de actuação,do fenómeno e seus intervenientes.
De tudo o que ouvimos,guardámos umas sinteses de “conhecimento”e são essas sinteses e alguns comentários, que pretendemos partilhar com os leitores.
A primeira constatação que fazemos é a da dificuldade em arranjar uma definição de “pirataria”,que satifaça todos. Para o caso vertente não nos vamos preocupar com isso, dado que qualquer leitor intui, sobre o que tratamos…
Sobre as razões que levam a este aumento de pirataria no século XXI, depois de ter sido quase extirpada no princípio do século XIX – quero aqui lembrar que o início da pirataria moderna tanto aérea como naval, nasceu, quanto a nós, com o desvio do paquete Santa Maria e do Super Constelation da TAP, em 1961 – também não há conclusões seguras: falou-se na existência de estados falhados; na falta de meios de muitos estados para exercerem o controle adequado das suas costas e mares adjacentes; na existência de alguma interferência islâmica no âmbito dos eventos ocorridos pós 11 de Setembro, em Nova Iorque; no vazio ocasionado pela retirada de grandes quantidades de meios navais, dos oceanos, derivado do fim da Guerra Fria; na incapacidade de certas populações ribeirinhas se dedicarem à pesca artesanal (por via da poluição, pesca ilegal alheia, etc.).
O surto de pirataria seria, ainda, favorecido pelo aumento do comércio mundial, pela dificuldade em exercer vigilância; pela falta de medidas coercivas eficazes e pelos lucros obtidos nos actos ilícitos cometidos. Ora o lucro tem compensado largamente o risco. E a fraqueza dos poderes políticos que têm negociado com os piratas, só tem ajudado a estes se mostrarem cada vez mais audazes – acrescentamos nós.
Ora isto, além de pôr em risco vidas e bens, tem passado a afectar a navegação de uma parte cada vez maior dos 53000 navios mercantes existentes no mundo – dos quais apenas uma ridícula parte (13!) ostenta o pavilhão português -, com pesados custos derivados do aumento do preço dos seguros, desvio de rotas (o que aumenta muito o consumo de combustível), diminuição do número de fretes por navio e pagamento de suplemento de risco às guarnições. Mais cedo do que tarde, estes custos irão reflectir-se no preço que os consumidores irão desembolsar, pelos produtos que adquirirem.
Ora face a tudo isto o que é que a comunidade internacional – coisa que ninguém sabe definir muito bem o que é – e, sobretudo, os países, têm feito? Pois têm, discutido alguma coisa e enviado navios e aeronaves, para as zonas mais problemáticas, a mais mediática das quais, tem sido o Corno de África. A vigilância faz-se aqui numa zona que tem 1 milhão e 750 mil milhas quadradas, onde a NATO e a UE dispõe de cerca de 40 navios. O que, apropriadamente, se pode chamar “uma gota de água no oceano”.
De tudo o que foi dado ouvir pelos especialistas presentes sumariza-se o seguinte: existência de uma indefinição política, crónica, sobre o que fazer e como actuar, o que resulta numa falha de objectivos claros a serem atingidos; subsequente falta de clarificação estratégica, até porque muitos dos meios navais presentes, nada têm a ver com o combate à pirataria mas com cenários geopolíticos em desenvolvimento (destinam-se a pré posicionamento, ocupação de vácuos estratégicos, vigilância de eventuais inimigos, etc.).
Chega-se depois à conclusão que a legislação internacional e nacional dos estados, é insuficiente, omissa e muito permissiva (a última lei internacional que versa o tema é a Convenção Internacional do Mar, de Montego Bay, de 1982) para lidar com o fenómeno. Não há esperanças de mudanças rápidas e substanciais, apesar das denúncias e pedidos já efectuados nesse sentido, sobretudo pelos agentes directamente afectados ou empenhados neste âmbito.
Em termos de actuação táctica o desastre consubstancia-se: ninguém quer usar a violência e não há jurisprudência para julgar os infractores. Pelos vistos também não há muita vontade em dar outros passos, dados os custos, maçadas e riscos envolvidos (já imaginaram o que seria julgar os amigos do alheio a bordo, ou trazê-los para Lisboa?).
Deste modo as forças navais cujas regras de empenhamento deixam muito a desejar e constituem um risco acrescido para os intervenientes – quando prendem presumíveis (tem de dizer-se assim!...) piratas, têm de os libertar – obviamente bem tratados e, calhando, com uma palmadinha nas costas – por via da legislação que não há, ao passo que lhes “requisitam” amigavelmente as armas (instrumentos de trabalho!), baseando-se, ao que parece, nas mesmas leis inexistentes. Ou seja, ninguém sabe como agir, numa situação de risco e ameaça efectiva, parecendo que a única coisa que se tenta fazer é utilizar os meios navais para exercer alguma dissuasão e manter a ameaça em termos de baixa intensidade.
A questão é que, a manter-se este faz de conta”, o problema pode-se agravar, além do que custa os olhos da cara ao contribuinte manter navios e aeronaves no outro lado do mundo, com medíocres resultados, arriscando-se a vida das guarnições para não se sabe muito bem o quê. Quando morrer alguém, veremos como vão justificar o caso…
Vejam como a descrição do grande escritor/aventureiro F. Mendes Pinto, que encima o texto, representa um objectivo ao mesmo tempo político/estratégico e táctico, claro, preciso e conciso!
Justamente o que, à cabeça e adornado da coragem, falta nos dias de hoje.
“Com muitos padres nossos e pelouros, a eles nos fomos, e matámo-los a todos, num credo”
Fernão Mendes Pinto
“Peregrinação”,
descrevendo um ataque a piratas chineses
Assistimos, recentemente, no Instituto de Defesa Nacional a uma conferência sobre a moderna pirataria no mar, assunto que se tornou candente de há cerca de dois anos a esta parte, sobretudo depois dos actos de pirataria terem disparado nas àguas ao largo da Somália (cerca de 409 actos de pirataria em 2009). Outros pontos do globo sensíveis ao recrudescimento desta prática ancestral,são o Golfo da Guiné e a Costa da Nigéria, o Estreito de Malaca , as ilhas indonésias e algumas àreas da América Central e Sul,banhadas pelo Pacifico.
O painel de oradores, mostrou-se competente em elucidar a assistencia na explicitação,enquadramento e forma de actuação,do fenómeno e seus intervenientes.
De tudo o que ouvimos,guardámos umas sinteses de “conhecimento”e são essas sinteses e alguns comentários, que pretendemos partilhar com os leitores.
A primeira constatação que fazemos é a da dificuldade em arranjar uma definição de “pirataria”,que satifaça todos. Para o caso vertente não nos vamos preocupar com isso, dado que qualquer leitor intui, sobre o que tratamos…
Sobre as razões que levam a este aumento de pirataria no século XXI, depois de ter sido quase extirpada no princípio do século XIX – quero aqui lembrar que o início da pirataria moderna tanto aérea como naval, nasceu, quanto a nós, com o desvio do paquete Santa Maria e do Super Constelation da TAP, em 1961 – também não há conclusões seguras: falou-se na existência de estados falhados; na falta de meios de muitos estados para exercerem o controle adequado das suas costas e mares adjacentes; na existência de alguma interferência islâmica no âmbito dos eventos ocorridos pós 11 de Setembro, em Nova Iorque; no vazio ocasionado pela retirada de grandes quantidades de meios navais, dos oceanos, derivado do fim da Guerra Fria; na incapacidade de certas populações ribeirinhas se dedicarem à pesca artesanal (por via da poluição, pesca ilegal alheia, etc.).
O surto de pirataria seria, ainda, favorecido pelo aumento do comércio mundial, pela dificuldade em exercer vigilância; pela falta de medidas coercivas eficazes e pelos lucros obtidos nos actos ilícitos cometidos. Ora o lucro tem compensado largamente o risco. E a fraqueza dos poderes políticos que têm negociado com os piratas, só tem ajudado a estes se mostrarem cada vez mais audazes – acrescentamos nós.
Ora isto, além de pôr em risco vidas e bens, tem passado a afectar a navegação de uma parte cada vez maior dos 53000 navios mercantes existentes no mundo – dos quais apenas uma ridícula parte (13!) ostenta o pavilhão português -, com pesados custos derivados do aumento do preço dos seguros, desvio de rotas (o que aumenta muito o consumo de combustível), diminuição do número de fretes por navio e pagamento de suplemento de risco às guarnições. Mais cedo do que tarde, estes custos irão reflectir-se no preço que os consumidores irão desembolsar, pelos produtos que adquirirem.
Ora face a tudo isto o que é que a comunidade internacional – coisa que ninguém sabe definir muito bem o que é – e, sobretudo, os países, têm feito? Pois têm, discutido alguma coisa e enviado navios e aeronaves, para as zonas mais problemáticas, a mais mediática das quais, tem sido o Corno de África. A vigilância faz-se aqui numa zona que tem 1 milhão e 750 mil milhas quadradas, onde a NATO e a UE dispõe de cerca de 40 navios. O que, apropriadamente, se pode chamar “uma gota de água no oceano”.
De tudo o que foi dado ouvir pelos especialistas presentes sumariza-se o seguinte: existência de uma indefinição política, crónica, sobre o que fazer e como actuar, o que resulta numa falha de objectivos claros a serem atingidos; subsequente falta de clarificação estratégica, até porque muitos dos meios navais presentes, nada têm a ver com o combate à pirataria mas com cenários geopolíticos em desenvolvimento (destinam-se a pré posicionamento, ocupação de vácuos estratégicos, vigilância de eventuais inimigos, etc.).
Chega-se depois à conclusão que a legislação internacional e nacional dos estados, é insuficiente, omissa e muito permissiva (a última lei internacional que versa o tema é a Convenção Internacional do Mar, de Montego Bay, de 1982) para lidar com o fenómeno. Não há esperanças de mudanças rápidas e substanciais, apesar das denúncias e pedidos já efectuados nesse sentido, sobretudo pelos agentes directamente afectados ou empenhados neste âmbito.
Em termos de actuação táctica o desastre consubstancia-se: ninguém quer usar a violência e não há jurisprudência para julgar os infractores. Pelos vistos também não há muita vontade em dar outros passos, dados os custos, maçadas e riscos envolvidos (já imaginaram o que seria julgar os amigos do alheio a bordo, ou trazê-los para Lisboa?).
Deste modo as forças navais cujas regras de empenhamento deixam muito a desejar e constituem um risco acrescido para os intervenientes – quando prendem presumíveis (tem de dizer-se assim!...) piratas, têm de os libertar – obviamente bem tratados e, calhando, com uma palmadinha nas costas – por via da legislação que não há, ao passo que lhes “requisitam” amigavelmente as armas (instrumentos de trabalho!), baseando-se, ao que parece, nas mesmas leis inexistentes. Ou seja, ninguém sabe como agir, numa situação de risco e ameaça efectiva, parecendo que a única coisa que se tenta fazer é utilizar os meios navais para exercer alguma dissuasão e manter a ameaça em termos de baixa intensidade.
A questão é que, a manter-se este faz de conta”, o problema pode-se agravar, além do que custa os olhos da cara ao contribuinte manter navios e aeronaves no outro lado do mundo, com medíocres resultados, arriscando-se a vida das guarnições para não se sabe muito bem o quê. Quando morrer alguém, veremos como vão justificar o caso…
Vejam como a descrição do grande escritor/aventureiro F. Mendes Pinto, que encima o texto, representa um objectivo ao mesmo tempo político/estratégico e táctico, claro, preciso e conciso!
Justamente o que, à cabeça e adornado da coragem, falta nos dias de hoje.
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