Vasco Graça Moura, DN
A livre circulação de pessoas no espaço da União Europeia e, muito em especial, no espaço Schengen, tem sem dúvida trazido inegáveis vantagens no que respeita à grande maioria dos cidadãos; mas tem também graves inconvenientes, no que toca à circulação do crime, uma vez que as autoridades policiais dos países envolvidos não conseguem prevenir com eficácia todas as situações que justificariam essa prevenção. E, se acaso conseguem, surgem logo activistas de uma esquerda-qualquer-coisa a falar em direitos humanos para cima e direitos humanos para baixo e a empastelar ou mesmo a inviabilizar actuações perfeitamente legítimas.
Há também gente que esquece o regime especial de condicionalismos e restrições adoptado para a entrada da Roménia e da Bulgária na União Europeia e que finge não perceber que o território desta não pode ser um espaço de importação de miséria e conflitualidade social, por via de entradas clandestinas ou ilegais. Viu-se o que tem acontecido com os africanos nessa situação. Agora, pelos vistos, os ciganos romenos (ou povo roma para usar o mesmo politicamente correcto que faz com que os esquimós tenham passado a chamar-se inuits) em Portugal até seriam indesejados pela própria etnia a que pertencem, como se pode deduzir das declarações de Carlos Miguel Soares, presidente da Câmara de Torres Vedras e cigano, ao Expresso de 18 de Setembro: "os ciganos portugueses vêem com apreensão a chegada dos 'novos ciganos'. Sentem que os seus comportamentos desviantes ou bizarros podem pôr em causa a integração, fragilizar as conquistas já alcançadas".
A propósito do caso francês, imagino que no Parlamento Europeu tenha havido um daqueles alvoroços dos dias grandes, em que a esquerda se esganiça nos mais desvairados decibéis enquanto a direita se encolhe toda, a dizer tremulamente que não, que não é bem assim, e a tentar negociar soluções de compromisso...
Mas também alguma direita mete a sua colherada: mesmo na Comissão Europeia, a senhora Reding, que não tem ofuscado os areópagos internacionais, nem pela argúcia política nem por qualquer outro atributo, no exercício dos cargos de comissária europeia que vem desempenhando ao longo da última década, teve de engolir lestamente o seu comentário precipitado quanto ao que se passa em França e de pedir desculpa por ele.
Houve gente da Igreja que disse identicamente umas parvoíces lamentáveis e falou no Holocausto, esquecendo-se de que o Holocausto conferia um passaporte para as câmaras de gás, enquanto a repatriação dá a cada repatriado umas centenas de euros para voltar ao seu país, nem sequer havendo garantias de que muitas das pessoas nessa situação não regressem a território francês na primeira oportunidade. (Isto também quer dizer que se está numa Europa tão pouco convencida de si mesma que a própria ilegalidade dá lugar a um rendimento oficialmente atribuído).
Talvez as autoridades francesas devam marcar melhor que a questão não tem nada a ver com questões étnicas mas com imigração ilegal. Mas percebe-se que seja premente a necessidade de devolução à procedência dos imigrantes ilegais que vão entrando no seu território. Trata-se de assegurar melhor algumas das obrigações próprias do Estado democrático: zelar pelo cumprimento das leis, pela segurança de pessoas e bens e pela manutenção da ordem pública. Se isto for conseguido - e oxalá o seja! - é provável que a tranquilidade volte às banlieues onde tem sido tão perturbada. Alguém duvida de que a maioria dos franceses vai aplaudir essas medidas?
Desde que se trate dos Estados Unidos ou dos países ocidentais que suspeitem de pró-americanos, a esquerda está aí para as curvas. Agora, o anunciado envio para o olho da rua de 500 mil funcionários públicos cubanos não suscitou nenhuma reacção dos mesmos sectores que soíam embevecer-se com as excelências do castrismo. Nas últimas décadas tem sido sempre assim: quando lhes convém, há criaturas que são acometidas de uma súbita mudez. O que, evidentemente, não as impede de gritar aqui-d'el-rei, num clamor indignado, pelo facto de as autoridades francesas estarem a recambiar imigrantes ilegais para os seus países.
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