quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Malagatana e Portugal

João José Brandão Ferreira

Malangatana, artista plástico e poeta moçambicano de envergadura internacional, faleceu em Portugal, a 5 de Janeiro. Paz à sua alma.

Malangatana (M), nasceu português, em 6 de Junho de 1936, na vila moçambicana de Matalana, uma povoação do distrito de Marracuene. Aprendeu a ler e escrever numa missão suíça protestante e acabou a instrução primária na escola da missão católica, em 1948.

Com 12 anos mudou-se para Lourenço Marques onde ganhou a vida em diferentes trabalhos humildes. Acabou sendo criado no Clube de elite da capital provincial, o que lhe permitiu estudar à noite, nascendo aqui o seu gosto pelas artes e tendo como mestre Garizo do Carmo. Um dos membros do Clube de Ténis, Augusto Cabral ofereceu-lhe o material de pintura.

Em 1958 “M” ingressa no “Núcleo de Arte”, uma organização artística local, onde teve o apoio do pintor Zé Júlio. No ano seguinte faz a sua primeira exposição e passa a artista profissional, o que só foi possível devido ao apoio e incentivo do arquitecto Miranda Guedes, que disponibiliza a sua garagem para atelier e lhe compra dois quadros por mês. Como era cruel a colonização portuguesa…

A carreira de “M” prossegue e tem outro marco importante na sua primeira exposição individual, no Banco Nacional Ultramarino, em 1961. Tinha 25 anos. Em 1963 publicou os primeiros poemas no jornal “Orfeu Negro”, sendo incluído na Antologia da Poesia Moderna Africana.

Por esta época surgem rumores da ligação de “M” à Frelimo, movimento que combatia a integração de Moçambique na Pátria portuguesa. “M” acaba por ser preso pela PIDE mas, não se provando o seu envolvimento foi absolvido, em 23 de Março de 1966.

Os seus quadros, de forte cariz social, continham simbologia de conteúdo político, embora não explícita. Por via disso “M” é novamente detido, em 4 de Janeiro de 1971, para ser interrogado. Mas tal não veio a impedir a sua vinda para Lisboa, onde tinha obtido uma bolsa de estudo na Gulbenkian.

Como era cruel a colonização portuguesa…

Durante os tempos que passou na Metrópole trabalhou, estudou e expôs em vários locais, empresas e instituições e, em 1973, vai para a Suiça a convite de amigos, começando, assim, a sua internacionalização.

Com a independência de Moçambique, em 25 de Setembro de 1975, “M” volta à sua terra natal e envolve-se na actividade política e social, chegando a ser eleito deputado pela Frelimo, em 1990, e para a Assembleia Municipal de Maputo, em 1998 e 2003. A sua actividade cultural no novo país também foi relevante. Algumas das suas actividades exteriores estiveram, porém, muito ligadas a regimes marxistas, como foi o caso da URSS, Cuba, Zimbabué e RAS. Esteve também ligado à UNICEF. Está representado em vários museus do mundo e colecções particulares e a sua obra foi objecto de diversos filmes e documentários. Possui vários prémios e distinções, incluindo o Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e o de Doutor “Honoris Causa”, pela Universidade de Évora.

Não deixa de ser curioso que “M” tenha vindo acabar os seus dias a Portugal, onde dava aulas no Porto, e onde se tratou na sua doença. Como foi cruel a colonização portuguesa…

O governo da “Nação Fidelíssima”, decidiu prestar-lhe uma homenagem póstuma, logo a seguir ao seu passamento. E deu-lhe honras de Jerónimos, “catedral” que simboliza a missão consubstanciada pela esfera armilar e que, justamente, acolheu o nascituro “M”, em Matalana.

Compreendia-se que os altos representantes da capital ex-imperial sufragassem “M” como nascido português (viveu até mais de metade da sua vida nessa condição), e como fruto da portugalidade, expoente futuro da Lusofonia.

Homenageá-lo apenas como Moçambicano parece menos acertado.

Menos se compreende quando por parte das autoridades daquele país, não existe reciprocidade. Pelo contrário existem até, alguns actos hostis, como foram os da postura relativamente à barragem de Cabora Bassa e falta de “agradecimento” pelas “cedências” em toda a linha das autoridades portuguesas; pelo fraco empenhamento na CPLP; por manterem as estátuas de uma história comum, apeadas; por levaram décadas a quererem colaborar no arranjo e manutenção das campas dos militares portugueses espalhados pelo território moçambicano; por pagarem tarde e a más horas às empresas portuguesas que lá labutam e pela inqualificável atitude do ex-presidente Chissano que, após ter sido distinguido com o título “honoris causa” pela Universidade do Minho, a única coisa que entendeu dizer, quando entrevistado após a cerimónia – em que estava ladeado pelo presidente português e pelo seu antecessor – foi a de que os portugueses deviam pedir desculpa, pela escravatura. Ninguém lhe respondeu à letra! Isto só para citar alguns exemplos.

Finalmente não ficaria mal ao executivo desta nação portuguesa, cantada por Camões, dedicar alguma atenção a faustos lusos. Seria sensato e equilibrado. Neste âmbito bem fariam em defender e acarinhar os moçambicanos de todas as cores, que lutaram nas Forças Armadas portuguesas, em vez de agraciarem traidores e desertores.

Seria da mais elementar decência.

Esqueceram-se, ainda como exemplo, do Herculano e da passagem dos 200 anos do seu nascimento e Couto Viana que foi excelente poeta, mas gozando do infeliz título de “patriota”, a AR recusou-se a um simples voto de pesar. Não temos que nos admirar, pois que dizer dos representantes do Estado, que se recusam a comemorar, sequer a lembrar, a Restauração da Independência, a 1 de Dezembro?

Os políticos poderão alegar ter a legitimidade de votações maioritárias, mas perdem-na constantemente pelos seus actos, profundamente ilegítimos, por antinacionais.
 

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