H.Oliveira Sá, 20 de Janeiro de 2011
Com a construção de uma barragem perto da foz do rio Tua, o primeiros 18 km da linha actual do caminho-de-ferro irão ficar debaixo de água. Pessoalmente, muito embora concorde com a construção da barragem, penso que há uma alternativa para este traçado ferroviário não obstante, segundo parece, a EDP não estar interessada em considerá-la.
Com efeito, o Chefe de Produção desta empresa sublinhou “ser impossível vencer os 100 m de diferença de altitude entre a estação de Foz-Tua e o paredão da barragem (cerca de dois quilómetros) ”. Afirmações essas que não correspondem à realidade e das quais discordo frontalmente pelas razões que passo a expor:
a) acota de exploração, isto é, o plano de água provocado pela barragem é de 170 m e deverá prolongar-se, segundo diz, até ao Brunhedo; por outro lado, a cota inicial da linha, na plataforma da estação, ronda os 100 m, o que pode ser confirmado numa carta topográfica. E, sendo assim, esse responsável enganou-se e, deste modo, enganou-nos.
Esclarecemos que, para um desenvolvimento de 2 km, os 70 m de diferença de nível poderiam ser alcançados mediante um gradiente médio de 35mm/m, perfeitamente admissível para uma linha ferroviária normal, electrificada e sem ser necessário recorrer à “cremalheira” conforme eu pensava anteriormente (ver parte final do meu texto de 11 de Março de 2009). Esta, regra geral, só se justifica para rampas a partir dos 100 mm/m.
b) numa primeira abordagem poderei, mesmo, admitir que a diferença de cotas seja um pouco maior, o que obrigaria a rampas de 40 mm/m; contudo, a observação do terreno e da carta (à esc. 1/10.000) permite-me afirmar que o percurso até à barragem poderá ser facilmente alongado até aos 2,1 - 2,4 km o que, desde logo, fará baixar o gradiente.
A parte mais delicada da questão consiste em conservar a actual directriz, subindo gradualmente até à primeira curva (para a direita), seguida de uma contra – curva com a qual se procura alcançar a curva de nível 175. Ou, então,de início, tomar como referência o caminho de acesso à Quinta do Smith e, no seu termo, atingir a cota 140.
Em qualquer destas hipóteses procurando salvaguardar, o mais possível, o património desta propriedade.
c) resumindo, direi que poderá construir-se um linha de caminho de ferro de bitola estreita e via única, com um gradiente variando entre os 35 – 40 mm/m, a adoptar logo a partir do início do traçado, num trajecto de pouco mais de 2 km até ao local de implantação da barragem; seguidamente, até ao Brunhedo, a linha deverá manter-se nas cotas 175 – 180.
Os restantes km a reconstruir, especialmente após o Cachão (km 49,1), são de traçado fácil e deverão aproveitar integralmente o trajecto inicial, sempre ao longo das margens do Tua, até se atingir Mirandela (km 54,1).
Portanto, a linha do Tua e a barragem podem ser compatíveis e, certamente, o turismo da região poderia lucrar muito com isso; com a vantagem acrescida de preços mais baixos para muitos dos produtos a transportar no caminho-de-ferro, a partir da estação Foz – Tua.
d) recordo que o comboio começou a circular entre Tua e Mirandela em Setembro de 1887 e só no ano de 1906 a linha alcançou Bragança (km 153,8), sendo que este último troço foi encerrado em 1992. De salientar que o percurso inicial até Mirandela (km 54,1) foi construído em apenas três anos, usando os meios rudimentares da época.
Segundo os jornais, na altura, os operários contratados para a construção desta linha - muitos deles provenientes da Galiza a braços com uma crise prolongada – trabalhavam sobre tábuas suspensas por cordas nos locais mais íngremes, o que lhes permitia abrirem furos nas rochas, à força braçal, para depois serem cheios com explosivos que as rebentavam. Nada que se compare com os meios hoje disponíveis; e, deste modo, conseguiram concretizar um dos traçados mais espectaculares conhecidos, sendo verdadeiramente impressionantes os primeiros 11km.
Sensivelmente na mesma época, a engenharia portuguesa realizava uma outra proeza de vulto, em Angola, com a construção do caminho de ferro de Mossâmedes – e refiro-me mais particularmente à travessia da Serra da Chela – através de desfiladeiros, vales e precipícios alucinantes.
Concebido, inicialmente, como uma linha “decauville” foi, posteriormente, já nos finais da década de 50 do século passado, modernizado e requalificado para a bitola normal de África (1,067 m) permitindo assim o transporte de cargas mais pesadas.
e) Saliente-se que a ripagem do novo traçado entre a barragem e a povoação do Brunhedo para as cotas 175 - 180 irá facilitar a sua inserção no terreno, dada a existência de um maior espaçamento das curvas de nível e, por outro lado, o facto de se transporem as linha de água a montante das actuais travessias.
f) É por demais evidente a ficção resultante da avaliação dos custos do novo traçado entre o Tua e Brunheda estimado em 130 -140 milhões de euros, o que significa algo como 7,8 milhões de euros por km, isto é, tanto como uma linha dupla de AV (Alta Velocidade), segundo as estimativas da RAVE/ REFER. Procurando-se, assim, destruir à nascença um projecto que incomoda alguns (poucos) poderosos, as influentes, em detrimento da economia das populações prejudicadas.
Por isso mesmo, logo declaram não ser viável a construção da alternativa ferroviária ao troço da linha do Tua que ficará submersa…. E apresentam como solução alternativa o estudo de um teleférico entre a estação do Tua e a barragem a qual, como seria de prever, logo se conclui não poder transportar cargas. A isto chama-se deitar poeira para os olhos.
Reparem o esquecimento imperdoável – o que seria mais lógico na óptica de um projectista – do estudo de um caminho-de-ferro de cremalheira, como sucede em muitos locais da Europa, nomeadamente na Suíça e nos Alpes.
A solução apresentada e aceite consiste (como alternativa para o troço submerso) num serviço rodoviário regular o qual também não garante capazmente a mobilidade das populações, é caro e não permite o transporte de cargas mais pesadas.
Em suma: estudaram várias hipóteses, algumas falhadas logo à nascença, mas ignoraram o estudo de uma solução “normal” que, conforme deduzi, é praticável. Deste modo, se teimarem em não reconstruir os 18 km da linha do c.f. do Tua que irão ficar submersos terão de arcar com essa responsabilidade perante as populações ou, então, inventar argumentos plausíveis.
g) o custo dos 18 km de linha férrea, na realidade, será muito inferior ao que se anuncia, na medida em que poderão ser reaproveitados os carris (assim como os respectivos elementos de ligação e fixação), travessas e presumivelmente uma boa parte da brita após a indispensável escolha e lavagem. Não adianto números por desconhecimento exacto da situação, mas não ignoro que esta linha estava em funcionamento há pouco mais de dois anos, o que deixa supor um grau elevado de aproveitamento.
Operação esta, de recuperação, a todos os títulos recomendável e, alias, muito mais justificada do que permitir a “oferta” do remanescente (resultante do desmantelamento da linha actual) a favor de um qualquer feliz sucateiro. Há exemplos disso.
Uma outra medida a não descurar e que se recomenda consiste no pedido de verbas à União Europeia, destinadas a salvaguardar um caminho-de-ferro histórico que, pela sua beleza, pode ser considerado património mundial.
Infelizmente, entre nós não se fazem balanços sociais dos custos/benefícios provocados pelo encerramento das linhas de caminho de ferro. E, assim, não é por acaso que o nosso país se apresenta com uma densidade excessivamente baixa de linhas ferroviárias relativamente ao número dos seus habitantes ou, ainda no que se refere ao número de km de linhas por km² de território.
Política esta que se traduz numa forte contradição, entre o que se apregoa e o que se faz, em termos de gastos de energia e a poluição que provoca. Mais especialmente se compararmos os km de linhas de c.f. com os das A-E existentes que, sabe-se, não garantem a mobilidade das populações e, ainda menos, a coesão nacional, face aos custos muito elevados da sua utilização pelas populações do interior.
Mas, atenção: ao reconstruir-se uma linha de c.f. de características modestas como é o caso, não estamos a escolher entre as alternativas possíveis, a vários graus como, por exemplo, um caminho vicinal, uma estrada municipal, uma estrada nacional… ou a tal Auto-Estrada.
Estamos a investir naquilo que é necessário e indispensável, de modo idêntico ao que sucede com os abastecimentos de água potável, os esgotos, a electricidade e outros equipamentos sociais que a civilização impôs e a coesão nacional, já atrás referida, nos aconselha.
De outro modo, não se estranhe que as populações desprezadas recorram, cada vez mais, às infra-estruturas, aos serviços sociais e aos géneros de toda a espécie que encontram no pais vizinho. Na razão directa com a proximidade da fronteira.
O facto é que estas populações sentem-se negativamente discriminadas. Senão vejamos: em Janeiro de 1990 cessaram os comboios entre Vila Real e Chaves; em Março de 2009 suspenderam o tráfego ferroviário nas linhas do Corgo e do Tâmega. Mais recentemente, após o corte da via entre Mirandela e Bragança, “prometem” acabar com a linha do Tua afogando os cerca de 20 km de linha, aliás os mais belos do traçado.
O que dirão as gentes de Vila Real, Chaves ou Bragança? Já para não falar nas de Carrazeda de Ansiães, Mirandela ou Macedo de Cavaleiros, Valpaços ou Murça?
h) Há muitos anos atrás, na década de 1960, pensou dinamizar-se a região instalando no Cachão (a 3 km de Frechas) um grande complexo agro-pecuário, dotado da respectiva componente industrial.
A ideia, em si, era boa mas revelou-se logo um “elefante branco” na medida em que se situa longe dos principais centros de consumo e os seus produtos não tinham escoamento fácil dada a ineficiência e o primarismo dos transportes. Embora falido, o seu património (muito degradado) acabou numa sociedade representante de todos os accionistas.
Mesmo assim, a povoação resultante desse complexo tem hoje cerca de 500 habitantes e cerca de duas dezenas de empresas assegurando à volta de 200 postos de trabalho. Até quando?
Após a necessária requalificação e a modernização dos equipamentos, não seria possível dinamizar este Complexo? Com transportes assegurados até á linha do Douro (via Tua) e, também, do IP4 – E82, entre outras?
Nos últimos 10 anos desapareceram 112mil explorações agrícolas e a respectiva superfície recuou mais de 450mil hectares; entretanto, estamos cada vez mais dependentes dos produtos alimentares que consumimos. Algo está errado na política que tem vindo a ser seguida e os resultados assim o confirmam.
A falta de atenção aos problemas reais, de fundo – e a ocupação do solo nacional é um deles – leva, por vezes a inverter a prioridade nas escolhas; estas não raro pouco exigentes e resultantes de compromissos nascidos da ignorância e (ou) de uma vaidade impermeável a toda e qualquer outra solução.
i) lembroque as vantagens na exploração turística desta linha não resultam, exclusivamente, das viagens que proporciona, aliás lindíssimas , mas também da possibilidade de se integrarem num pacote turístico envolvendo várias actividades na região do Douro.
E, ainda, nos benefícios resultantes do transporte de passageiros locais e de alguns produtos (actualmente exageradamente caros, segundo dizem), através da via rodoviária.
Sugiro, também, que parte do percurso entre Mirandela e Bragança (desactivado) possa ser aproveitado para passeios turísticos em “velorail” ou, então, em “cyclodraisines”. Até ser possível concretizar o velho sonho de ligar Bragança a Puebla de Sanabria ( muito perto da nossa fronteira), situada na importante linha ferroviária Madrid/Zamora/Ourense/A Coruña (ou Vigo).
j) Uma vez lido o parecer da Comissão de Avaliação do Aproveitamento Hidroeléctrico FOZ – TUA/RESCAPE digo, convictamente, que apreciei as suas recomendações relativamente ao projecto, mais especialmente no que se refere às Medidas Compensatórias e às de Minimização de salvaguarda do meio ambiente, da fauna e da flora, com o fim de preservar o existente.
Houve uma real preocupação na defesa de tudo isto, desde o mais pequeno insecto ao ratinho, passando pelas tenras ervinhas até à prevenção da contaminação das linhas de água.
Infelizmente, não direi o mesmo relativamente ao “bicho-homem” cuja população decresce significativamente “ dada a escassez de actividades económicas existentes, geradoras de baixos rendimentos que estão na origem destes movimentos demográficos negativos. A baixa qualificação dos recursos humanos…”. Estas palavras sinceras (e sensatas) não tiveram, porém seguimento na medida em que, com ligeireza ou por ignorância, se escreve textualmente: “Não se revelando viável a construção da alternativa ferroviária ao troço da linha do Tua que ficará submersa”.
Salvo melhor opinião, cabe aos partidos políticos, aos autarcas e aos movimentos cívicos da Região reivindicarem junto do Poder Central que interceda, junto da EDP, no sentido de concretizar o que se propõe, dado que assim o exige uma sã política de ordenamento nacional e a defesa dos interesses legítimos das populações.
Não se trata de mais uma ideia acerca da possibilidade (ou não) de realizar o que se pretende. Face a uma proposta concreta apresentada, exige-se uma resposta clara e concisa e não meros palpites de um qualquer funcionário destacado para o efeito.
Nota: com se depreende do exposto, a nova linha poderá – deverá – ser iniciada em qualquer altura, muito embora seja mais fácil e barata a sua construção aproveitando a actual plataforma da via, antes do enchimento da barragem. Admitindo que seja considerada a proposta que expus, recomendo que as terraplanagens das infra-estruturas sejam postas a concurso e que o assentamento da linha e as respectivas catenárias fiquem a cargo da REFER, por administração directa; esta poderá ser a solução mais em conta e com a vantagem acrescida de valorizar o “know-how” desta empresa e evitar mais despedimentos.
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