quinta-feira, 10 de março de 2011

Os Estados Unidos, as fugas de informação
e Miguel Sousa Tavares

“Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?
                                          Adágio popular

João José Brandão Ferreira

Noticiou (e comentou) o Expresso de 26 de Fevereiro alguns telegramas do embaixador dos EUA, entre 2007 e 2009, enviados de Lisboa para o Departamento de Estado em Washington.

Estas informações foram obtidas e difundidas pela Wikileaks após uma inaudita violação da segurança informática daquele órgão do governo americano. Esta violação levou ao maior roubo de documentação classificada da História, deixando os grandes golpes de espionagem da Guerra-fria, parecerem uma brincadeira de crianças. E deste facto o governo dos EUA só se pode queixar de si próprio.

Queremos começar por dizer que o embaixador americano escreveu o que escreveu no âmbito das suas funções e tinha toda a legitimidade para o fazer. Tinha até o dever de informar os seus superiores daquilo que honestamente pensava.

Se pensava bem ou mal é outra questão.

O embaixador Thomas F. Stephenson, assim se chama o senhor, não era um embaixador de carreira. Nasceu em 1942, em Wienington, no Estado do Delaware, tendo-se formado em economia na Universidade de Harvard e tem um mestrado nessa disciplina pela Harvard Business School. Tem, ainda, uma formação em Direito.

Fez toda a sua vida em empresas de tecnologia de segurança, de saúde e financeiras. Antes da sua nomeação para Lisboa, esteve 19 anos na firma “Sequóia Capital”, sita no Silicon Valley (Califórnia). É amigo do Presidente Bush (filho) e foi por esta via que veio passar uma temporada a Lisboa.

Convém ter a noção que este tipo de nomeações é normal na administração americana e que os embaixadores de carreira constituem uma minoria. Estas funções são assim uma espécie de sinecura com que se agraciam amigos e pessoas que se tenham distinguido por algum motivo ou, simplesmente, por terem sido influentes durante a campanha eleitoral que levou um determinado candidato à Casa Branca.

O que disse ou fez, então, o embaixador para causar sururú na imprensa ao mesmo tempo que era desvalorizada pelas autoridades portuguesas que, objectivamente, as ignoraram publicamente?

Pois teceu uma série de considerações sobre as Forças Armadas Portuguesas (FAs), o Ministério da Defesa, a compra de armamento e de algumas personalidades.

Aparentemente acertou no que disse sobre os então Ministro da Defesa, nem tanto sobre Secretário de Estado; a manutenção dos helicópteros EH-101 e no que afirmou sobre o MAI e a GNR.

Está baralhado no que disse relativamente ao EMGFA/orçamentos/relações com os Ramos (convinha ter lido as leis e regulamentos existentes); tem alguma razão no que diz sobre a cultura do “status quo” e do carreirismo – embora denote que está longe de perceber o porquê das coisas – e está completamente enganado quanto aos adiamentos das decisões: não há incapacidade, existe é um desacordo militante a nível de chefias e um relacionamento político-militar desadequado (onde impera a ignorância, a desconfiança e até a deslealdade…). O exemplo que aponta da resposta do 2º comandante da Academia sobre um pedido da banda de música por parte da embaixada é risível e demonstra bem o grau de pesporrência atrevida do arvorado diplomata.

Relativamente à cooperação com os PALOP é um facto que existe alguma desconfiança no MDN e no MNE relativamente à participação americana. Não duvido que seria útil alguma cooperação, não só porque os EUA dispõem de meios que nos faltam como poderiam servir de contraponto a outras potências, nomeadamente europeias, que nos fazem concorrência. Mas a desconfiança é legítima no sentido em que, onde os EUA entram querem mandar, ao passo que são de uma ignorância crassa sobre África e de uma inabilidade homérica em lidar com outros povos e culturas.

Quanto ao resto o senhor embaixador acertou pouco, facto que até os jornalistas identificaram.

Não acertou nas fragatas, nos patrulhas, nos F-16, nos submarinos, nos carros de combate Leopard A6, nos C-130, nem no que referiu sobre os generais vs soldados.

As fragatas americanas foram muito bem preteridas relativamente às holandesas. O Estado-Maior da Armada fez o seu trabalho bem feito e a recomendação foi acertada; existem seis C-130 e não um, com 30 anos de bons serviços e sem nunca ter ficado uma missão por fazer; os 39 F-16 não são demasiados, preenchem duas esquadras e juntamente com os P-3P são a força da Força Aérea.

A sua prontidão é baixa porque estão a ser efectuadas modernizações que custam caro e levam tempo. Não se entende porque é que o Sr. Embaixador os acha dispensáveis. Acaso acha os F-16 da USAF dispensáveis? Ou acaso entende que os EUA têm o direito de vigiar e defender o seu espaço aéreo e Portugal não?

Quanto aos submarinos não vou perder tempo a explicar evidências, mas talvez se o Sr. Stephenson procurasse saber porque é que o Canadá tem cerca de uma dezena, talvez começasse a entender alguma coisa. Os submarinos e os F-16 são as (quase) únicas armas ofensivas e verdadeiramente dissuasoras que temos.

Os “Leopard” (37 e não 36), são dos mais modernos que há e vão ser os únicos carros de combate que vamos ter. É o que resta à Cavalaria (e ao Exército) para manter um número de capacidades e saberes nesta área. De facto não há dinheiro para os operar mas isso é porque o Estado Português em vez dos 2% do PIB, gasta apenas 1,3%, como refere o diplomata. Eu também preferia que gastasse os 2%, mas essa é uma opção do governo português, não do americano.

Aliás os EUA pedem constantemente o reforço da NATO. Os “Leopard” estão incluídos numa unidade destinada a operar sob o comando NATO. Em que é que ficamos?

Quanto aos Patrulhas estão a ser construídos e já há muito estavam previstos. Tem havido problemas que são conhecidos. As condições do estado do mar da ZEE portuguesa obrigam a navios que aguentem esse mar e a vigilância não se esgota nos patrulhas. Pequenos pormenores que facilmente escapam aos formados em economia…

Finalmente quanto aos generais que diz termos a mais (e até se deu ao trabalho de fazer rácios com soldados!), diremos apenas que não há generais a mais, mas sim soldados a menos e não vou perder tempo a explicar porquê! E partindo do princípio que o Sr. Embaixador conhece o estatuto da reserva e não o confunde com as “forças de reserva” que existem no seu país, direi apenas que, estando os generais na reforma ganhariam mais, e se a maioria não faz nada é porque felizmente não temos tido conflitos que obriguem a ir buscá-los e os sucessivos governos os têm ostracizado, pois têm ocupado todos os lugares onde estes homens poderiam usar a sua rica experiência, pelas clientelas dos partidos que os sustentam.

Em súmula, o Sr. Embaixador actuou como a maioria dos seus compatriotas faz: acha-se o centro do mundo e tende a olhar para os outros povos com sobranceria e com uma matriz estado – unidense, sem a menor sensibilidade para entender outras realidades.

Sim, é natural que Portugal pertencendo à UE, negoceie preferencialmente com os restantes países da União; sim, nós temos consciência das nossas limitações – daí até ao complexo de inferioridade vai um tanto – e, por isso, tentamos obter material moderno para as FAs; sim compreendemos que o Sr. Embaixador gostasse mais que comprássemos ao seu país (mesmo os F-16!) e que possa ter ficado agastado quando o sucessor do ministro Portas, já não se dava tão bem com o Secretário Rumsfeld, mas que diabo permita lá que nós também escolhamos qualquer coisinha. Sabe, o restaurante Tavares – que o Sr. Embaixador seguramente gostava de frequentar – é contemporâneo da Revolução Americana…

E faça o favor de não nos tornar por lerdos. Às vezes temos gente menos preparada ou cobardolas em altos cargos, é verdade, mas não somos lerdos. Nós sabemos da apetência que os EUA têm sobre os Açores desde, pelo menos, a guerra com a Espanha, em 1898, e que até já prepararam uma invasão, em 1943; que a nossa ZEE e plataforma continental são as únicas que deste lado do Atlântico se podem medir com as vossas.

Sabemos que temos que ter o máximo cuidado nas “vírgulas” quando intentamos contratos convosco para não sermos ludibriados e não esquecemos que depois de vos termos apoiado lealmente na NATO, na Guerra Fria, e termos até entrado para a ONU a vosso pedido, miseravelmente nos traíram, apoiando o início do terrorismo em Angola e abandonaram-nos quando o execrável Nerhu nos invadiu Goa, Damão e Diu. Isto para não falar da inacreditável tirada de Kissinger, durante o PREC, afirmando que o problema de Portugal se resolvia com 5000 marines…

Já agora e para finalizar, do que conheço não me parece que os nossos oficiais sejam muito diferentes dos vossos quanto a postura/promoção na carreira. E, se olhar para o que aconteceu entre o general McCristal (seguramente uma excepção), demitido pelo liberalíssimo Obama, perceberá porquê.

E, senhor embaixador, agora residente numa mansão de luxo em Atherton, Califórnia; quando se quer atirar pedras ao telhado do vizinho, temos que olhar primeiro para o nosso, o senhor como embaixador, não precisava de pedir para recolher o seu avião, numa instalação militar para não ter que pagar taxa de aeroporto!

Por tudo o que atrás se disse, parece ser de concluir que o Sr. Embaixador foi mal escolhido, estava mal assessorado e mal informado. E isto só quer dizer uma coisa: o governo dos EUA só pode ter Portugal em muito má conta, quando para cá envia um embaixador deste quilate.

À atenção de quem de direito e… vejam se não ficam sentados!

*****



Estavam as notícias do Expresso ainda frescas e já um jornalista da SIC pedia, no telejornal do dia 28/2, ao comentador habitual da estação, o conhecido Miguel Sousa Tavares (MST) para comentar as ditas.

O homem não se fez rogado e aproveitou o ensejo de forma gulosa.

De facto, já há muito se sabe que cada vez que se fala em FAs ou militares, S. Ex.ª perturba-se e fica como boi frente a vermelho: investe sem discernimento.

O “pedregulho” que tem no sapato contra a Instituição Militar, embora certamente não se esgote nisso, ter-lhe-á vindo por via genética através do seu falecido pai, que travou um pleito contra os juízes do Tribunal Militar por causa da atribuição de pensões a antigos agentes da DGS, onde aliás não lhe assistia qualquer razão.

MST ficou sempre “esquerdo” com a tropa. Desta vez não foi excepção.

Começou por tecer encómios ao embaixador americano e à diplomacia americana. Aquilo era a sério e estavam muito bem informados! (também foi assim no Iraque, não foi MST?).

E lá veio com a sacrossanta e contumaz pergunta, velha de 30 anos: que FAs temos e para quê? Devem haver, no país, uns largos milhares de treinadores de bancada e tocadores de rabecão, que têm tantas respostas para isto como cabeças donde saem sentenças.

MST também demonstra saber umas coisas de lagares de azeite, mas como isso não lhe chega, põe-se em bicos de pés para abordar geopolítica e geoestratégia. A gerência da SIC deve pagar-lhe para ele falar de tudo…

Sobre as diatribes relativamente a submarinos, F-16, Pandures (meu Deus o que ele sabe sobre Pandures!) e outros “brinquedos caros” – não consta que a guerra alguma vez tenha sido barata – já se respondeu o suficiente a montante. Acrescentamos apenas que os militares estão, há muito, afastados daquilo que apelidou de “negociatas com armamento”.

Mas vale a pena salientar a contradição em que entrou ao defender, preto no branco, uma intervenção militar – presume-se que do “Ocidente” – contra Kadhafi. Pondo de lado a ligeireza com que se fazem este tipo de afirmações, gostaríamos que MST explicitasse como se faz uma intervenção na Líbia sem o recurso aos tais “brinquedos caros” que condenou. Pensa que se vai lá com “lanchas costeiras de fiscalização”? Ou pensa que isso das intervenções militares é só para os outros e nós estamos dispensados de participar, mesmo pertencendo a várias organizações de defesa colectiva? Ou pensa ainda que mudar de armamentos e equipamentos e aprender a utilizá-los se faz de um dia para o outro? O senhor enxerga-se?

Por último brindou-nos com este mimo: “os políticos em Portugal têm medo dos militares”; “submetem-se à vontade dos militares” e só se explica “por dívida de gratidão por causa do 25/4”. MST não atina mesmo! Então ainda não percebeu que a realidade do que se tem passado é justamente a oposta? O senhor não percebeu que a classe política (todos eles) por uma razão ou outra, detesta as FAs, não entende e despreza a IM e que quem não tem sabido fazer frente às investidas dos políticos são os militares? Que não existe dívida de gratidão nenhuma, antes pelo contrário? E que os militares acabaram por ficar de mal com todas as franjas da população e com eles próprios, por causa das asneiras então feitas e ainda andam a tentar recuperar (sem grande convicção, diga-se), disso tudo?

O senhor cuide-se. E não cuide só da substância do que diz. Burile o temperamental que lhe embota a mente e lhe produz tiques e esgares; modere a truculência que lhe afirma a sobranceria e lhe faz roçar a má criação. E se só sabe tocar ferrinhos não tente o rabecão.

De facto já devia ter havido um general que se levantasse, mas era para lhe dar uma “bengalada”!

 

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Tenente-Coronel,
Li por volta do ano de 1996 (num jornal) sobre o que escreve relativamente do apoio dos EUA ao terrorismo no início da guerra em Angola. Pergunto: tem evidência (prova documental) sobre esta matéria? Caso se digne enviar as referências, peço que o faça para: rui-machado@hotmail.com.
Este é um assunto que tenho bastante interesse.
Creio que gostará de aceder ao site:
http://www.engdahl.oilgeopolitics.net/; recomendo que leia: Egypt's Revolution: Creative Destruction for a "Greater Middle East"?, William Engdahl.
E ainda, http://www.businessinsider.com/stratfors-george-friedman-on-libya-and-the-war-2011-3; recomendo:
"Libya, the West and the Narrative of Democracy", George Friedman
STRATFOR, March 21, 2011.

Rui
PAX