Maria José Nogueira Pinto
Entre os muitos sentimentos que me assaltaram estes últimos tempos, para além da vergonha, está a redescoberta amarga de um outro Portugal, confuso, asténico, dividido, feito de um composto de gerações, todas à rasca, sem rumo ou sentido. A última sondagem é disso exemplo, pois indica que para um número considerável de portugueses eleitores ser governado por José Sócrates é algo justo, racional e salutar. Um Tartufo que em seis anos levou o País à bancarrota e a níveis insustentáveis de dependência, que comprometeu as novas gerações e alienou o nosso futuro comum é visto não como uma possibilidade mas como uma probabilidade desejável. Porquê? Não sei.
Estes 78 mil milhões de euros que negociámos by the book e segundo a troika são a factura da vaidade de um único homem, Sócrates, e basta lembrar a burlesca contradança a que ele se dedicou nas últimas semanas para se perceber o ponto a que chegou a usura sobre este pobre e cansado País. A apresentação de um ridículo e inútil programa de Governo, atropelando as negociações, para ficar com a primeira palavra, sabendo nós que qualquer programa de Governo terá como matriz o pacote de FMI e que o verdadeiro programa de Governo de Sócrates foi o PEC IV de triste memória; a pressa com que saltou, qual boneco de uma caixa de cartão, para nos vir dizer o que o pacote não tinha (?); uma esponja passada à pressa sobre o que dissera acerca do FMI, esse monstro disposto a comer criancinhas ao pequeno-almoço, sendo ele, Sócrates, a nossa única defesa contra quem nos vinha roubar salários, subsídios de férias, desmantelar a função pública, deitar no caixotebdo lixo as leis laborais; a indisfarçável alegria com que veio logo apresentar o pacote como se fosse ele, e mais ninguém, o seu negociador, ele que irresponsavelmente o protelou, acarretando com isso mais e mais prejuízos para todos nós.
Vejo como muito difícil que estas eleições, só por si, possam criar um quadro renovado e clarificador onde assente, com proveito, o esforço de vencer a crise. Duvido mesmo que a maioria dos portugueses, metralhados por um constante caudal de notícias, se tenha apercebido do que se joga, para todos nós, daqui para a frente, mas sei que a permanência de Sócrates, central neste cenário, é o suficiente para inviabilizar qualquer tentativa. E também sei que as sondagens reflectem estes mesmos receios, a ideia que é preciso juntar forças políticas suficientes para criar a base de sustentação necessária, só que isso não é possível juntando tudo e todos, polícias e ladrões.
Tão mais verdade quanto nos confrontamos com todos os sinais de pré-ruptura de regime, tudo muito além do económico e do financeiro. A necessidade de travar o grande desgaste desta Terceira República que em pouco mais de três décadas assistiu, a par de três visitas do FMI e do descontrolo das contas públicas, à degradação das instituições democráticas, à degradação da política e dos seus agentes numa democracia incapaz de se vigiar a ela própria, ao enfraquecimento do poder de representação e de convocatória das forças políticas, ao alheamento e reduzida participação de uma sociedade desmobilizada. A crise visível vai certamente ser ultrapassada, pois o FMI não impôs apenas as condições do empréstimo como vai ficar por cá a monitorizar a sua execução, passando-nos um outro e mais pesado atestado de menoridade cívica e política como compete a um país que se habituou a viver em estado de incumprimento. Eles nos obrigarão a fazer o que não fizemos a tempo e horas - já agora, como é possível apresentar uma Justiça neste estado a uma entidade estrangeira e não ter muita vergonha? Mas as crises invisíveis ficarão por nossa conta: crise de valores, crise cultural e de identidade, crise de coesão nacional, crise de vontade e de autodeterminação. E temos de as resolver a todas. Só uma não basta.
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