Ricardo Monteiro
Sou um dos muitos portugueses que dependem da TAP para o seu trabalho. Nesse aspecto, pouca é a diferença que me separa dos mais de cinco milhões de concidadãos nossos que vivem pelo mundo fora, de Caracas a Timor, passando por Luanda, Rio de Janeiro, Luxemburgo, Maputo, etc., etc..
Num país como Portugal, que ainda hoje beneficia dos restos quinhentistas, a existência de uma linha aérea que nos una à nossa diáspora é uma função estruturante da nação, algo que, no seu limite deve ser considerado como uma actividade soberana, da mesma forma que o direito de defesa nacional, de administração da justiça, de salvaguarda dos interesses nacionais onde que eles se encontrem. Efectivamente, a primeira obrigação do soberano - neste caso o Estado Português - é assegurar a união, coesão e defesa da comunidade que o constitui e lhe dá legitimidade, onde quer que ela esteja. Nenhum país exerce essa função de soberania com mais alarde que os Estados Unidos da América. Onde estiver um cidadão americano em perigo, é expectável o desembarque dos «marines» ou, mais sub-repticiamente, o envio de uns operacionais da CIA para trazerem o homem de volta. Ora, paradoxalmente, no país onde tudo é de privados (até fazer a guerra, como se viu no Iraque), existe um impedimento legal para a compra por empresas estrangeiras de participações maioritárias em qualquer das suas linhas aéreas..... O Brasil faz a mesma coisa!
Existe, no entanto, em Portugal, uma inveja rasteira relativamente aos trabalhadores da TAP. É frequente a conversa de café que invoca os salários «milionários» dos pilotos, os hotéis de luxo em que se hospedam, as poucas horas que trabalham, etc., etc.. Confesso que até eu exaspero às vezes pelo tratamento arrogante a que muitas vezes sou submetido e também já vociferei em voz baixa que o que eles precisam mesmo é de «ser privatizados»... Mas esse é meramente um problema de gestão. Como é o de resolver os continuados prejuízos da holding TAP (não do transporte aéreo, que dá lucro). Mas, e de que monta são esses prejuízos? A verdade é que a simples intervenção no BPN, de má memória, cobriria mais de 40 anos de perdas na TAP.
As «rendas» anuais da EDP cobrem pelo menos, cada ano, cinco anos de tinta vermelha da nossa linha aérea. Como Nação, «velha e imortal», privatizar a TAP é o equivalente histórico a D. Manuel ter dado a exploração das caravelas quinhentistas a navegadores espanhóis. A TAP é o pouco que ainda nos une ao passado e dá esperança a milhões de portugueses num futuro mundial. Nas palavras muito abusadas de António Vieira, "para nascer Portugal, para morrer o mundo".
Como português, quero embarcar em Lisboa, não em Madrid, para chegar ao Recife, quero estar em Luanda e regressar aqui já em solo nacional. É um direito pelo que estou disposto a pagar. É um exercício de soberania a que o Estado não pode subtrair-se.
Um obrigado a Miguel Sousa Tavares por ser a única voz de peso que se insurge publicamente contra a privatização da TAP.
Ricardo Monteiro, CEO ibero-americano da Euro RSCG
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