terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A leveza da irresponsabilidade
e os perigos das ilusões

João j. Brandão Ferreira
 
«Foi-lhes dada a escolha entre a guerra e a desonra. Escolham a desonra e terão a guerra».

Wiston Churchill
 
Ter a «Troika» a passear na baixa lisboeta, junto ao Martinho da Arcada – onde Fernando Pessoa terá escrito trechos dessa maravilha poética e patriótica intitulada «Mensagem»[1] obra com muito mais significado do que ter afirmado que a sua «Pátria era a língua portuguesa»[2] – é muito mais grave do que ter a duquesa de Mântua no antigo palácio real, protegida pela guarda alemã (ele há coincidências…), aquartelada no castelo de S. Jorge.[3]
 
Apesar de esta afirmação não ser evidente para o vulgo, não me resta espaço para explicar porquê. O ponto não é esse.
 
O ponto é que a situação descrita revela que a nossa soberania está muito limitada – sem que alguém se preocupe em aferir até que ponto – ou seja a Nação Portuguesa tem altíssimas restrições para poder decidir do seu destino.
 
E cada um de nós como português, individualmente, está sujeito a essas restrições. Ou seja a liberdade de cada um está intimamente ligada à liberdade da Nação, mas a liberdade desta é mais importante que a liberdade individual, coisa que deixou de ser perceptível – logo sentida – pois deixou de fazer parte do discurso oficial, da moral política e das modernaças correntes intelectuais.
 
Por isso a prioridade, que devia ser de todos nós, desde os governantes ao povo miúdo, devia ser, logicamente, a de reganhar a soberania.
 
Mas não, além da irresponsável leveza com que a maioria dos órgãos de comunicação social, agentes económicos e sociais e público em geral trata o problema – como se de um contratempo momentâneo se tratasse – já não espanta que a prioridade dos políticos, desde o Presidente da República à maioria dos deputados e passando pela «caixa-de-ressonância, em que se transformou o governo, seja a de ‘regressar aos mercados’»!
 
Os mesmos mercados que estão na origem da crise…
 
Esta matilha política e financeira enredou-se de tal ordem, num novelo de dependências e negócios, que querem acabar com as nações – por isso o Estado já não as representa – para amalgamar os povos que as constituem, e pôr os «cidadãos» não se sabe bem de quê, a pagar os custos do nó górdio que criaram.
 
E que ninguém consegue desatar.
 
Sabem porque não se quer que o governo peça melhores condições para «gerirmos» a crise? (a dívida, como está, é impagável nos próximos 100 anos, garanto, e não sou financeiro).
 
Posso estar enganado, mas a razão é só uma: ainda não nos sugaram o suficiente! (independentemente do perigo de voltarmos à indisciplina e ao disparate).
 
O processo que levará à canga com que ficaremos escravos, sem bens, sem terra, sem eira nem beira, ainda não está suficientemente consumado. Tudo o que resta de património ainda não foi alienado ou vendido ao desbarato; os instrumentos de sobrevivência postos exangues.
 
Tudo vai por mau caminho e a desorientação é geral. O «nevoeiro» é muito e urge ver para além e através dele.
 
A Instituição Militar último reduto que resta ao país para além da Igreja (ambas muito esfaceladas) - já que a universidade tem vindo a anarquizar e a atomizar o saber e o conhecimento – e do PCP, único partido digno desse nome, capaz de tomar conta do Poder caso a oportunidade surja (obviamente com as consequências que apenas «cheirámos» em 1974/1975), tem que começar a pensar em sair da sua posição puramente institucional de fingir que nada do que se passa lhes diz respeito. É avisado prepararem planos de contingência pois quando a coisa correr mal vai sobrar para eles.
 
Valores mais altos se levantam.
 
E convém ter o dia seguinte minimamente pensado para não se dar o descalabro do dia 26 de Abril…
 
Isto claro se não se deixar abater como um apêndice dispensável e inútil.
 
O Junot, em 1807, dissolveu o Exército com um decreto. Não sei se estão recordados do que aconteceu a seguir.
 
Os tipos da «Troika» não devem ser lançados pela janela fora, como se fez ao Miguel de Vasconcelos, não só porque não foram eles que nos traíram, como até fomos nós (enfim, alguns de nós), que os convidámos para a nossa casa, onde até já fazem conferências de imprensa.[4]
 
Mas devem, de facto, ser postos na rua. Delicadamente, mas na rua.
 
Só que para isso ser viável é preciso ter um plano estratégico para sobreviver, que não se vislumbra em gente responsável. E qualquer plano implica muitos sacrifícios que ninguém quer fazer a não ser que acredite na «causa».[5]
 
Mas a vida é luta e ir à guerra se, preciso for. E nós deixámos de querer lutar
 
Quanto mais tarde nos decidirmos, maior será o sacrifício e os danos.
 
Podemos tentar enganarmo-nos a nós mesmos, mas não há volta a dar.
 
Como dizia o Churchill, ficaremos com a guerra e a desonra – como, aliás, aconteceu com a «descolonização»…
 
Corro o risco de estar vivo para ver. E não me apetece nada.
 
 
[1] Única obra de Pessoa publicada em vida do poeta, em português (1934). Premiada com o prémio «Antero do Quental».
 
[2] Lamentavelmente abusada por alguns para significar, propositada ou ingenuamente, conceitos errados e perigosos…
 
[3] A principal força que obedecia aos Filipes, em Lisboa, eram tropas alemãs dos domínios dos Habsburgos (mercenários católicos, conhecidos como «Tudescos»).
 
[4] Os Árabes/Berberes também desembarcaram no «Al Andaluz» convidados por uma das partes dos Visigodos desavindos. Foi preciso 800 anos para os expulsar…
 
[5] Atente-se: Antes de 1640, ninguém queria pagar impostos para subsidiar as «guerras» de Filipe IV, houve revoltas e tumultos. Mas a seguir à aclamação de D. João IV, todo o reino (que estava paupérrimo) pagou sem murmúrio o imposto extraordinário para fazer face à guerra que aí vinha.
 
Todos os estudantes portugueses que estavam na universidade de Salamanca regressaram ao país e alistaram-se para o bom combate. Parte da nobreza portuguesa que estava na corte, em Madrid (agora pode ler-se Bruxelas), juntou os seus haveres e regressou à Pátria. Só os mais beneficiados ficaram em Madrid e renegaram as origens. Naquele tempo, Portugal estendia-se do Brasil à China e apenas uma praça – Ceuta – cujo governador era castelhano, não levantou arraial por El-Rei de Portugal!
 

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