domingo, 4 de março de 2012

Vaia con Dios, Pedro


Pedro Santos Guerreiro, Jornal de Negócios








Pedro Passos Coelho já fala como a sua nova eminência parda, António Borges. No Parlamento, criticou «a economia protegida, que protegeu alguns grupos económicos e que não democratizou o acesso à economia». Lindo. E agora, o que fará? Enfrentar uma vaia em Gouveia é nada ao pé desses silenciosos lóbis. É mais fácil não ter medo do povo que do polvo.

As declarações de Passos Coelho são acertadas: «más leis laborais», «mau financiamento público» e «economia protegida» alongaram-nos num estertor de uma década. Mesmo com abundância de liquidez e de crédito, a economia não cresceu - cresceram as margens de lucro de alguns grupos, muitos deles protegidos. Agora que o Governo já tratou das leis laborais e os mercados trataram do mau (e do bom) financiamento público, falta abrir os aloquetes dos cintos de castidade aos protegidos.

Quando se fala em sectores protegidos e «rendas monopolistas» toda a gente pensa na EDP (como antes se pensava na PT). Toda a gente e a «troika», que trouxe o assunto na algibeira na actual visita. Mas o Governo, que antes bramia vigorosamente contra a empresa, besuntou-se na sua privatização e já fez uma nova proposta para amortizar o défice tarifário que protege os subsídios às eólicas e os contratos de longo prazo da EDP, e agrava em até 15% os subsídios às indústrias na cogeração. Traduzindo: o lóbi da EDP vence o da Galp (e o dos cimentos, pasta e papel e têxteis). O que pensa Pedro Passos Coelho disso?

Mas há mais, muito mais do que a energia nesse imenso sector de empresas que são ou foram beneficiados por contratos protegidos das volatilidades dos mercados e da concorrência. Há construtoras como a Mota-Engil, as concessionárias de auto-estradas como a Brisa, muitas criminosas parcerias público-privadas, SCUT e outras minas e armadilhas. Há falta de concorrência entre produtores e as grandes distribuidoras, como a Sonae e a Jerónimo Martins. Mesmo na banca, depois das desgraças agora visíveis nos créditos concedidos sobretudo no BCP e na Caixa, é preciso garantir que o novo crédito, se o houver, não tenha como destino solver as tesourarias dos mais influentes, mas sim salvar uma economia que está a ficar seca como um bacalhau ao sol.

Falta falar dos interesses protegidos no Estado. Incluindo as empresas públicas, precisamente aquelas que estão a drenar o crédito. No sábado, o «Público» mostrava: mais derrapagens em 2011 e incapacidade de cortar custos em 15%, como exigido. É escandaloso que nove meses depois de se lhes ter encostado a faca à garganta, haja empresas de transportes a correr atrás da cauda, fazendo muito pó sem sair do sítio. O que prova que elas só apresentarão planos de saneamento financeiro no último suspiro; e que têm cobertura política dos seus ministérios sectoriais (como a Economia) em desafio às Finanças. A derrapagem no sector dos transportes é maior que os salários que a função pública perde. É preciso dizer mais?

A criação do Conselho de Finanças Públicas e a aprovação da lei dos compromissos orçamentais promete acabar com esta forma de desprezo que se colectiviza, mas serão tentativas ridículas se não houver força política. É por isso que o primeiro-ministro tem de ler as suas próprias palavras, e as de António Borges, e ser conclusivo, afrontar, concretizar, chutar à baliza. Facilitar o despedimento não muda a economia, é preciso também tirar os empresários protegidos das "zonas de conforto" que solenemente patrocinámos. Portugal está cheio de boas empresas, grandes e pequenas, que querem competir em igualdade de circunstâncias. São essas, aliás, que andam a exportar deixando valor em Portugal. E que, querendo prosperar, poderão salvar o País da maior ameaça: a espiral negativa. E isso será muito pior que qualquer vaia.

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