sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Sobre os recentes cortes nas Forças Armadas
e declarações avulsas


João J. Brandão Ferreira

Eis (parte) do que ficou por dizer.

À laia de introdução:

A Instituição Militar está ainda longe de ter recuperado completamente das sequelas do 25/4 e do «PREC» (só isto dá um programa televisivo de várias horas);

As Forças Armadas deixaram de ter qualquer responsabilidade directa na condução dos destinos do País após o fim do Conselho da Revolução e da entrada em vigor da Lei 29/92[1];

O País ainda não está devidamente reconciliado com o seu passado mais próximo;

O conjunto das forças políticas entendeu que Portugal ia ser amigo de todos e todos iam ser nossos amigos e portanto não haveria ameaças. Se, por remota hipótese, houver algum conflito lá estaria a NATO para «resolver» a questão…

A incultura cívica (quando não a subversão ou simplesmente a estupidez natural) faz com que não se entenda a necessidade de Forças Armadas, a especificidade da condição militar e os rituais, tradições e cerimonial daqueles abencerragens, algo arqueológicos, que teimam em gastar do mesmo barbeiro e do mesmo alfaiate; (mais umas horas de programa…)

Os partidos políticos, os órgãos de comunicação social, comentadores, entidades e instituições várias têm mostrado a sua irresponsabilidade ao tratarem as questões militares e bastantes deles não se coíbem de lançar verdete e, até, ódio sobre uma instituição séria, estruturante da Nação (embora não isenta de erros) e cuja história se confunde com a de Portugal.

Ou seja, e em síntese, existe uma convicção alargada – e idiota – de que as Forças Armadas são um gasto supérfluo para o país e uma maçada!

Com isto dito podemos passar ao corpo da coisa.

Assim:

As Forças Armadas, ao contrário do resto do país, rapidamente se disciplinaram e reorganizaram, reconvertendo-se para os novos cenários de actuação, armamentos, tácticas, técnicas, etc. e, ao longo dos últimos 30 anos conseguiram um grau de desempenho que iguala as mais avançadas forças militares do mundo e ultrapassa a maioria das restantes;

E, neste espaço de tempo não deixaram por cumprir qualquer missão de que tenham sido incumbidas e que passaram por projectar forças para cerca de 30 teatros de operações diferentes (mais de 30.000 homens, aviões, navios, viaturas e diverso equipamento), que já efecturam quase todas as missões possíveis, incluindo o combate.

Não houve, no mesmo período de tempo, qualquer entidade do Estado – e arrisco-me mesmo a dizer no sector privado (salvo alguma devida proporção) – que se tenha reformado e racionalizado no verdadeiro sentido do termo (e reduzido), mais e melhor do que a Instituição Militar;

Mesmo assim, e sobretudo a partir do consulado do ministro Fernando Nogueira, nunca nenhum governo se satisfez com nada, passando a aplicar o «slogan» dos 3 «Rs» que, na prática, apenas quis dizer reduzir, reduzir e reduzir! Trataram as Forças Armadas como se estas fossem um bocado de plasticina (que se moldava a esmo) e desrespeitaram constantemente todas as regras de ética e de metodologia adequadas às mesmas;

Os responsáveis políticos quase nunca assumiram claramente as responsabilidades fosse do que fosse, não definiram prioridades, mantiveram todas as missões (e até acrescentaram outras) sem sequer as priorizar, ao mesmo tempo que iam obrigando a cortar capacidades, não raras vezes lançando os ramos uns contra os outros;

Nunca foram claros a alocar recursos nem nunca actuaram lealmente relativamente ao cumprimento das Leis de Programação Militar (nenhuma foi cumprida);

O próprio Ministério da Defesa Nacional foi sempre uma mentira pois nunca existiu – na medida em que nunca nenhum ministro, ou governo, olhou para a defesa nacional como tal – limitando-se a ser um ministério para as Forças Armadas, o mesmo se passando com o ministro cuja única característica que se vislumbrou até hoje – além de ir às reuniões internacionais do que deveria ser o seu âmbito – foi o de, eufemisticamente, pôr a tropa na ordem e esmifrá-la…

Por tudo isto não espanta que a sua quase exclusiva actividade até agora, tenha sido a de asfixiar financeiramente e em termos administrativos e de pessoal o que foi restando da Instituição Militar.

Haver preocupação em comparar a percentagem do PIB dos países europeus ou outros, gasta na defesa, com o que se passa connosco é um exercício deletério de pertinência duvidosa. De facto cada país tem uma geopolítica própria e diferente dos demais e aquilo que cada um gasta na defesa deve ter a ver com as suas opções, necessidades e capacidades, não em copiar exemplos alheios.

Por outro lado comparar percentagens é enganador já que 1% do PIB holandês, por ex., pode permitir comprar 1000 aviões de um certo tipo, e 1% do nosso PIB só dar para 50…

Finalmente é necessário estar atento para ver se as contas não estão viciadas pois, e também como ex., o Governo português é useiro e vezeiro em incluir os gastos da GNR nas contas da defesa…

Quanto à questão da «austeridade ser para todos» há que dizer claramente que, em primeiro lugar, as Forças Armadas não têm qualquer responsabilidade na crise, não andaram a desbaratar dinheiro, não usufruíram de prebendas, não andaram metidos em corrupções medonhas, nem se endividaram para além do que podiam pagar (vão pedir contas a quem tem culpas no cartório, primeiro…);

E quanto a apertar o cinto já o andam a fazer vai para 20 anos enquanto o resto do País folgava como cigarra, com os responsáveis políticos em destaque! Por isso não venham dizer que a austeridade tem que ser para todos (insinuando nas entrelinhas), pois as Forças Armadas estão fartinhas de dar para este peditório (e nunca se eximiram a fazê-lo, nem nunca pediram excepções à lei) – quando mais alguém as igualar que atire a primeira pedra!


*****

Segundo capítulo do «Corpo».

Por outro lado os ataques à condição militar e ao «Ethos» da Instituição Militar têm-se sucedido no tempo e são devastadores. Trata-se de uma agressão constante, que vai acumulando uma revolta surda e que transformará, brevemente, a tropa num fardo inútil. A desconsideração é vasta.

O silêncio sobre as barbaridades feitas tem sido ensurdecedor.

Ilustremos:

A Instituição Militar perdeu qualquer capacidade de interferir na escolha das chefias militares;

O vencimento deixou de estar sintonizado com as outras profissões de referência do Estado, havendo uma desproporção negativa muito acentuada;

As chefias militares têm vindo a perder a autoridade de poderem decidir sobre quase tudo;

Os militares têm sido enxotados (é o termo) de todas as funções fora da estrutura das Forças Armadas, como se tivessem lepra;

A Instituição Militar não possui qualquer representação política;

As chefias militares raramente são chamadas ao Parlamento ou à Presidência da República;

A justiça Militar (com foro próprio) foi destruída;

O Serviço Militar deixou de ser universal e obrigatório (um erro de lesa Pátria…);

Institui-se o «duplo voluntariado» no pessoal contratado – uma aberração;

Permitiu-se as mulheres na tropa – uma demagogia dispensável e escusada; permitiu-se, de seguida, o acesso a especialidades relacionadas directamente com o combate – uma demagogia perigosa e anti natural;

A Disciplina Militar está despedaçada e ferida, depois da aprovação do novo Regulamento de Disciplina Militar;

O Ministério da Defesa Nacional está invadido de «boys e girls» dos partidos;

Assistiu-se à «invasão» do ensino militar pelo ensino civil;

Tenta-se, constantemente, transformar os militares em funcionários públicos de manga-de-alpaca; e insiste-se na submissão em vez da subordinação;

O estatuto da reserva tem sido destruído paulatinamente;

A reforma da saúde militar é um «molho de brócolos»;

Insistem em misturar os estabelecimentos de ensino militar – como se pudessem fazer omeletes com ovos cozidos;

As Forças Armadas foram diminuídas e algo achincalhadas em termos de protocolo de Estado;

As Forças Armadas estiveram cerca de 30 anos afastadas de poder participar no Dia de Portugal, a 10 de Junho;

Não há defesa política e institucional das Forças Armadas a não ser em palavras de circunstância;

O poder político faz leis para as Forças Armadas e os militares, que depois não cumpre: uma altura houve, em que havia cerca de 40 diplomas em incumprimento!

Por último «emparedaram» a carreira militar retirando aos militares a única coisa que lhes restava, com a redução constante dos quadros; mudança aleatória, no tempo e no modo, das regras existentes e congelamento inaudito das promoções.

O Decreto-Lei 373/73 – que deu origem ao 25 de Abril – em comparação com este último parágrafo, é apenas um conto de fadas…

Em súmula, o desrespeito e desconsideração institucional tem sido enorme: generais e almirantes achincalhados na praça pública; ministros pornograficamente ignorantes e impreparados para a função (houve um que só aguentou duas semanas); outro que nunca chegava a horas a lado nenhum (e até chegou a escolher um secretário de Estado da Defesa num clube de oficiais!); outro, ainda, que resolve ir a uma cerimónia militar que já se efectuara e depois mandou repetir; a lista podia continuar.

Talvez o único ministério que durante anos e anos tinha as contas em dia era o da Defesa, as FAs sempre pagaram a horas, pois não descansaram enquanto não acabaram com isto. Quiseram rebaixar-nos ao nível deles!

O Ministério da Defesa Nacional devia, sem dúvida, mudar de nome, devia chamar-se aquilo em que na verdade se tornou: a comissão liquidatária das Forças Armadas.

*****

Em Conclusão:

Gentinha arrivista e ignorante que tem passado pelos paços do poder tem-se comportado como sociopatas e militaricidas. São perigosos.

Transformaram os militares em cidadãos de terceira categoria e as Forças Armadas num apêndice do Estado, mal tolerado.

Por isso já se compreende muito mal, que quem é chamado (ou tem oportunidade) a pronunciar-se sobre o estado das coisas castrenses, se refugie no maldito do politicamente correcto e não fale, naturalmente, na realidade das coisas; saiba ao menos explicar quais são as missões e razão de ser das Forças Armadas e não se encolha – quase em retirada estratégica – a dizer que ainda há coisas que podem ser racionalizadas. Além de não ser verdade, dão tiros nos pés e passam um atestado de incompetência aos chefes anteriores…

E também já chega de haver quem ande a agitar espantalhos de indisciplina ou insubordinação e depois concluir que agora como é tudo democrático, toda a gente vai portar-se bem…

A democracia não é para aqui chamada (e até me parece ser mais fácil que ocorram problemas em democracia do que em ditadura…) e não tem nada a ver com o que se passa.

O que se passar tem a ver com decência…

O que tiver que ocorrer ocorre em função de três coisas: haver um conjunto suficientemente alargado de disparates; ambiente, maturado, em que se possa reagir aos mesmos e um «ignidor». É uma espécie de triângulo do fogo…

As coisas são como são e acontecem quando têm de acontecer.

Foi sempre assim e sempre assim será.

Por isso juízo.

O conjunto da Instituição Militar tem suportado estoicamente todo este rol de agressões inomináveis tendo como único escape o abandono do serviço activo.

Os militares têm carregado a cruz da servidão militar, agarrados ao espirito de serviço e do dever, no mais da vez de boa mente, quiçá com alguma esperança. Com sentido de estado e a encaixar danos, faz décadas (eu, confesso, que há muito – mesmo muito - que me desiludi e lhes perdi o respeito).

A paga que têm tido é a que está à vista e confluíram nestas miseráveis medidas que andam no ar.

Convém, ao menos, que os militares morram como as árvores, de pé. E ser disciplinado não tem o mesmo significado de ser castrado.

Resolver os problemas do País não passa pela destruição da Instituição Militar[2]. Nem o governo está mandatado para o fazer. Muito menos a «Troika», ou quem ela representa.

Seria crime de traição à Pátria.


[1] Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas.
[2] Mas acabar com a Instituição Militar é acabar com o país…


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