José
António Saraiva
Passos
Coelho e Vítor Gaspar pediram mais tempo para baixar o défice, para pagar os
juros da dívida e para cortar a despesa do Estado.
E
deixaram cair a palavra maldita – «austeridade» – e passaram a usar a palavra
milagrosa – «crescimento».
Eu
percebo-os: estavam sozinhos.
Tinham
contra eles todos os partidos da oposição, os sindicatos, os «senadores» (de
Mário Soares a Freitas do Amaral), os autarcas, alguns bispos, o CDS (que
funciona com frequência como oposição dentro do Governo), os manifestantes que
os perseguem por todo o lado chamando-lhes «gatunos», a maioria da comunicação
social e os comentadores (inclusive muitos afectos ao PSD).
Este
fenómeno dos comentadores é curioso.
Em
Portugal, instalou-se a moda dos «políticos-comentadores televisivos», isto é,
dos políticos que, depois de deixarem a política ou estando momentaneamente
fora dela, se dedicam ao comentário.
Os
exemplos não têm fim: Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa, Augusto Santos
Silva, Jorge Coelho, Pedro Santana Lopes, Manuel Maria Carrilho, António Costa,
Bagão Félix, António Capucho, Manuela Ferreira Leite, Francisco Louçã, Nuno
Melo, Paulo Rangel, Sérgio Sousa Pinto, Ana Drago, eu sei lá!
E estes
«políticos-comentadores» têm uma limitação: nunca deixam de ser políticos.
De
pensar como políticos.
E,
nessa medida, também gostam de ser populares.
Assim,
mesmo os comentadores sociais-democratas começaram, a partir de certa altura, a
dizer que bastava de «austeridade» e se impunha começar a falar de «crescimento».
Eles
sentiam que, se continuassem a dizer «Não podemos abandonar já a austeridade,
temos de levar até ao fim a consolidação orçamental, é cedo para falar de
crescimento», começavam a perder audiência e popularidade (tal como os
políticos perdem votos).
Mas
terão razão?
Julgo
que não: é cedo demais para o Governo mudar de discurso.
E,
além disso, é enganador e é perigoso.
É enganador,
porque o crescimento não depende do Governo; não basta estalar os dedos para a
economia começar a crescer.
É
perigoso, porque as pessoas podem pensar que os tempos de austeridade já lá vão
e que podemos voltar alegremente ao passado.
Ora,
não podemos voltar ao passado.
O
discurso do «crescimento» foi o que Sócrates andou a fazer durante seis anos,
com os resultados que se conhecem.
Além
disso, vamos crescer com que dinheiro?
Só
pode haver crescimento com investimento.
Ora, o
que conseguiu atrair algum investimento estrangeiro nos últimos anos (como o
prova o sucesso das privatizações, que renderam mais do que o previsto) foi
precisamente o cumprimento do programa de austeridade.
Porque
os investidores pensaram: «Eles estão a ganhar juízo! Vão finalmente pôr as
finanças em ordem».
Foi
isso que deu credibilidade ao país lá fora e atraiu capitais.
Um
discurso oco, assente em sonhos de crescimento que não temos dinheiro para
sustentar, não teria atraído ninguém.
Mas há
outra razão para não ir por esse caminho.
É que
Portugal e a Europa não mais voltarão a ser o que eram.
Porquê?
Porque
a crise não é conjuntural, é estrutural; não é passageira, é permanente.
Houve
muitas fábricas que emigraram da Europa (e dos EUA) para outras paragens, houve
muitos serviços que emigraram para outras paragens, houve investimentos que
emigraram para outras paragens – para o Oriente, para a América do Sul, para
África – e, como consequência disto, o Ocidente passou a produzir menos, os
rendimentos das famílias caíram e o número de postos de trabalho diminuiu
drasticamente.
O
progresso tecnológico também contribuiu para isso.
Na
portagem de Estremoz, por exemplo, trabalhavam até há poucos anos três ou
quatro pessoas. Hoje, as cobranças estão automatizadas e já não há portageiros.
Essas pessoas foram para onde? E isto não se passou só em Estremoz: passou-se
no país todo, em muitas centenas de portagens. E não se passou só na Brisa:
passou-se em centenas de empresas. Na Autoeuropa, a maior parte do trabalho de
montagem e pintura é hoje realizada por robôs.
Portanto,
a Europa e Portugal jamais voltarão a ser o que eram.
E é
esse discurso que os políticos e os comentadores responsáveis deveriam fazer.
Mas
não fazem, porque perderiam votos e audiências.
Têm de
fazer um discurso cor-de-rosa.
E isto
conduz-nos a outra ideia, muito mais inquietante: será a democracia compatível
com uma austeridade prolongada?
Será a
democracia compatível com o definhamento das nações e a queda dos rendimentos
das pessoas?
Se
calhar não é.
O
alargamento da democracia na Europa coincidiu com um período de crescimento
económico sustentado, de desenvolvimento, de abastança, de implantação da
sociedade de consumo.
Mas,
se a economia começar regularmente a definhar, tudo poderá ser diferente.
Basta
olhar para Itália: o político mais responsável, o menos demagogo, o mais
credível, o que mais falou verdade durante a campanha eleitoral – Mario Monti –
foi cilindrado nas urnas.
Simultaneamente,
dois comediantes foram os grandes triunfadores: um de direita, Berlusconi, o
outro de esquerda, Grillo.
Isto
diz tudo sobre a «responsabilidade» dos eleitorados em tempo de crise.
As
eleições – que são a pedra de toque das democracias – foram transformadas numa
triste palhaçada.
E
assim a Europa irá escorregando para o abismo.
Por
culpa das circunstâncias madrastas, mas também por culpa dos políticos, dos
comentadores e dos jornalistas – que não têm coragem para explicar que o mundo
mudou, que o passado de abastança não vai voltar, que temos de nos habituar a
viver com menos dinheiro.
Com
medo de perderem votos, audiências ou leitores, políticos e comentadores
semeiam ilusões.
Fazem
promessas que não podem cumprir ou tecem comentários com propostas
inexequíveis.
E de
dia para dia a revolta crescerá, como uma onda irracional decidida a engolir as
instituições e a democracia.
E os
tolos aplaudem.
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