João José Brandão Ferreira
Uma das primeiras intervenções do novel Ministro
da Defesa (MDN), efectuada numa visita à Força Aérea (FA), foi a de
perspectivar o regresso daquele Ramo militar ao combate aos incêndios
florestais (IF).
A ideia é boa, apesar de
requentada, e mereceu desde logo – e bem – um alerta do respectivo Chefe de
Estado Maior, lembrando que tal desiderato não seria viável de um dia para o
outro.
Como as pessoas em Portugal
têm a memória curta por esquecimento ou conveniência, vamos tentar dilucidar,
sucintamente, todo este imbróglio. Porque de um imbróglio se trata, apesar da
aparente candura das palavras ministeriais.
O Governo tinha adquirido,
em 1982, equipamentos com o acrónimo «MAFFS», que foram adaptados aos aviões
C-130, e que permitiam largar sobre os incêndios uma quantidade apreciável de
uma calda retardante. Custaram, na altura, cerca de 200.000 contos.
Para além disto, na «época
dos fogos» distribuíam-se pelo país meia dúzia de helicópteros AL III, que
ficavam em alerta aos incêndios. Estes helicópteros tinham uma capacidade muito
reduzida de actuação, pois apenas podiam transportar equipas até cinco
elementos e largar um pequeno balde de água sobre o fogo.
Com o agravamento anual do número de fogos e
área ardida, cada vez foi necessário alugar mais hélis e aviões a empresas
privadas, o que gerou um negócio de muitos milhões.
Em 1997, durante o governo
do Eng. Guterres, o Secretário de Estado da Administração Interna, Armando
Vara, decidiu (presume-se que com o assentimento do MDN), retirar a FA do combate
e prevenção aos IF. Tal decisão abriu o caminho para se vir a adquirir, mais
tarde, meios aéreos para esta missão, que foram colocados na dependência do
MAI.
A fundamentação para tudo
baseou-se – como se encontra descrito em vários documentos – na pouca
capacidade que a FA possuía para atacar os IF, já que as poucas aeronaves C-130
existentes (cinco, mais tarde seis), o reduzido número de tripulações e o
número substancial de outras missões cometidas à esquadra, nunca ter permitido
o uso simultâneo dos dois equipamentos MAFFS existentes, a que acrescia as
limitações do AL III (para o fim a FA já tinha muitas dificuldades em comprar a
calda, pois esta já estava adjudicada a terceiros).
Para além disto,
referia-se, o Estado gastava muitos milhões de contos a alugar, sazonalmente,
aviões e hélis, não era dono de nenhum e estava sujeito ao mercado.
Salvo melhor opinião, as
principais razões que levaram à alteração da política governamental não têm
nada a ver com a argumentação aduzida, ou tem pouco a ver. As razões, creio,
radicam-se na «luta de capelinhas»; na proeminência que o MAI passou a ter
sobre a Defesa; na paranóia em querer afastar os militares de tudo o que não
tivesse exclusivamente a ver com a vida nos quartéis, substituindo-os por «boys
e girls» – uma pecha insaciável dos partidos – e, também porque nos negócios a
efectuar, a FA a Armada e o Exército não terem por hábito pagar comissões ou
horas extraordinárias. Senão não teriam feito o disparate que fizeram que é
sempre pago pelo contribuinte.
Tudo, aliás, tem resultado
num desastre: os fogos não param, a legislação não é adequada, não há
prevenção, há muitos acidentes com os bombeiros (os poucos que se apresentam
dos cerca de 30.000 inscritos…), etc. Não se sabendo o que fazer com o que restava
dos Guardas Florestais, nem como os enquadrar, resolveu-se incorporá-los na GNR
que, por ser um corpo militar, é pau para toda a obra; e até se inventou um
grupo especial de intervenção contra os fogos, dentro daquela corporação, cuja
missão nada tem a ver com isto.
Em contrapartida nada se
fez para reforçar os sapadores bombeiros que são os únicos profissionais em
apagar fogos, em todo este âmbito…
Ora se tivesse havido boa
mente na apreciação da situação, o que deveria ter sido feito era ter aumentado
os meios da FA (já que eram insuficientes…) e, ou, dotá-la de meios apropriados
que pudessem ser aproveitados noutro tipo de missões, de modo a rentabilizá-los
todo o ano. Manter-se-ia, deste modo, os meios aéreos sob comando e controle
centralizado (sem embargo da descentralização da execução), a serem operados
por quem sabe e tem experiência e capacidade de os operar e manter.
Mas não, decidiu-se pegar no dinheiro – que
pelos vistos nunca faltou no MAI – e ir-se inventar a pólvora, pois no nosso
desgraçado país os últimos 30 anos têm sido um farró! E o «negócio dos
Incêndios» lá continuou de vento em popa.
Constituiu-se mais um dos
inúmeros grupos de trabalho (GT), que pulularam no país, como cogumelos, para
se equacionar a coisa. As conclusões deste GT foram entregues, em 6 de Setembro
de 2005 e daqui surgiu a EMA, Empresa de Meios Aéreos (de capitais públicos),
na dependência do MAI.
Do plano inicial fazia
parte a compra de hélis ligeiros (quatro) e pesados (seis) e aviões pesados
(quatro). Mas continuava a advogar-se o aluguer de 20 (!) hélis e 14 (!) aviões
ligeiros e médios. Afinal…
Só para se ter uma ideia da
insanidade em que se caiu, em 2010 chegaram a operar, em simultâneo, 56 meios
aéreos, o que representa 40% da totalidade das aeronaves do inventário da FA!
Acabou-se por só se
adquirir os helicópteros, um negócio atribulado com a Rússia (os Kamov) e,
ainda os AS350B3, da Eurocopter (tudo cerca de 54-56 Milhões de euros), e já
não se adquiriram os aviões por não haver dinheiro. Os hélis chegaram entre
Junho de 2007 e Março de 2008.
O intermediário foi a empresa Heli Portugal, a
quem foi adjudicado, também, por cinco anos, a manutenção das aeronaves, o que
vale 16 M euros/ano.
A chefia da FA ainda fez
uma proposta, em finais de 2004, avançando com a ideia de uma esquadra de
aviões tipo Canadair (oito a 10), de multiuso. Este avião tem a vantagem de já
ter dado boas provas e ser operado por Marrocos, Espanha, França, Itália e
Grécia, podendo-se equacionar uma futura «poole» destes meios. Ficou, ainda, em
aberto a hipótese de reconfiguração dos 10 SA 330 Puma existentes e em
desactivação, mas aproveitáveis, apesar de não serem os ideais. Hoje estão à
venda e não se lhes encontra comprador.
Não deixa de ser curioso
notar, contudo, que a chefia da FA, entre 1997 e 2000, não se ter mostrado nada
interessada na questão dos IF, nem nos «Canadair».
A FA, com realismo militar,
mas com falta de «perspicácia» política, sempre foi dizendo que necessitava de
cinco anos para tudo estar operacional, o que logo foi aproveitado pelos
políticos, como óbice pela falta de celeridade. Menos, certamente, por
preocupação com os fogos, mas por estarem sempre de olho nas próximas eleições
e no papelinho do voto…
É claro que a proposta
ficou na gaveta da política e só não temos a certeza do grau de assertividade
com que esta dama foi defendida. E devia tê-lo sido, não só pela FA mas pelo
Conselho de Chefes.
E, assim, se avançou para a
organização de uma empresa para operar helicópteros num organismo que sabia
rigorosamente nada sobre tal «negócio». O Estado Português tem destas coisas e
é, como se sabe, rico.
Faltava agora decidir sobre
o dispositivo, isto é, onde estacionar os meios. A Autoridade Nacional de
Protecção Civil pretendia meios colocados em Loulé e S. Comba Dão (e outros
locais) mas, para além disto, era necessária uma base central.
O MAI António Costa, ainda tentou colocá-los na
antiga base de Tancos (que tem todas as infra-estruturas, espaço e está despido
de meios aéreos, e para isso reuniu com os Chefes do Exército e da FA. A
reunião correu mal (para variar), e nenhum acordo foi atingido.
Resultado, foi-se gastar
uma nota gorda (cerca de 15M euros), a fazer uma «base» no aeródromo municipal
de Ponte de Sor (a 50 km de Tancos…), que foi completamente remodelado.
Como houve dificuldades, no
inicio, em recrutar pilotos para os «Kamov», a EMA foi generosa e passou a
oferecer 6000 euros/mês a um comandante, fora as alcavalas. Afinal só não há
dinheiro é para os hélis dos Ramos, nem para aumentar o risco de voo dos
pilotos militares… Para já não falar nos diferentes pesos e medidas, que o
mesmo patrão (o Estado), usa para com os seus servidores.
Como ninguém,
aparentemente, explicou com algum detalhe aos senhores do MAI, que operar meios
aéreos não é propriamente o mesmo que colocar uma asa num carro de bombeiros,
os custos da empresa não mais pararam de derrapar e o passivo já ultrapassa os
40 milhões, se é que se podem acreditar nas contas que por aí correm.
Tentou-se, «in extremis» impor quotas
de horas de voo à GNR, PSP, ANPC, SEF, IMTT, etc., o que tem gerado uma
apreciável confusão.
E agora ninguém sabe o que fazer. Daí o anzol
lançado pelo MDN.
A desintonia e os
desencontros, entre MDN, MAI, bem como entre as principais entidades que têm
andado ligadas a esta problemática, têm sido a regra.
Os incêndios, esses,
continuam a surgir por geração espontânea e fazem o seu percurso placidamente.
Deve ser das alterações climáticas.
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