quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Voltar ao mar ?


João J. Brandão Ferreira

«Se Deus fala português não sei. Estes canhões falam».
D. Francisco de Almeida 1.º Vice-Rei da Índia

De há cerca de uma dezena de anos a esta parte – é verdade já passou este tempo todo – que se voltou a defender, primeiro por um conjunto de entidades, organismos e, sobretudo, pela Armada seguido, mais tarde, pelo próprio PR e Governo, de que Portugal tinha que voltar ao mar.

Nem mais nem menos. «Brado», aliás, com o qual não podíamos estar mais de acordo.

Fizeram-se, entretanto, um conjunto apreciável de estudos sobre a estratégia a seguir, os sectores onde apostar, os investimentos necessários, a viabilidade económica, etc. Enfim, tudo.

Até que, na talvez única acção estratégica bem conduzida, nas últimas quatro décadas, o país se candidatou, na ONU, à extensão da Plataforma Continental o que, a ser conseguido, representará o ganho geopolítico mais considerável desde 1530.[1]

Multiplicaram-se os «Fora», os simpósios, as conferências e os colóquios sobre tudo isto.

O actual PR – um dos principais responsáveis, enquanto PM, das maiores atrocidades relativamente a este âmbito crucial, da vida nacional – anda entusiasmadíssimo com a ideia sem, todavia, ter assumido que alguma vez se enganara. Enfim, pormenores.

Este entusiasmo só é equivalente, porém, à displicência com que os órgãos de soberania nacionais assumiram o Tratado de Lisboa – caramba «de Lisboa!» – que, na prática nos rouba a Zona Económica Exclusiva (entre outras coisas), que é apenas a maior dos países da UE, esbulho selado por um «porreiro, pá» de um actual comentador, para o qual o «princípio de Peter» aplicado à vergonha, nunca é atingido.

E assim estamos. O «brado», afinal, não passou de uma declaração de (boas) intenções…

O que não se tem ouvido discutir é o porquê de não se passar das intenções.

Aflora-se – crise a quanto obrigas – que não há dinheiro nem investidores.

Será, mas a razão principal não é, quanto a nós, essa. A questão centra-se na ideologia e, em sequência, numa opção geopolítica muito mal ponderada, para não dizer errada, seguramente muito mal gerida.

Nestes dois âmbitos foi feita uma verdadeira «lavagem ao cérebro» a toda a população.

Enquanto estes aspectos não forem resolvidos não voltaremos ao mar, mesmo que chovam notas de 500 euros…

Vamos tentar objectivar o que queremos dizer.

As forças políticas que passaram a influenciar o desenrolar dos acontecimentos em Portugal, e que tomaram de assalto os órgãos de comunicação social, o ensino, as artes, (até) a justiça e mais um número considerável de sectores da sociedade, decretaram «urbi et orbi» que, politicamente os últimos 50 anos tinham sido «uma longa noite fascista», pelo que estava tudo errado donde decorria, naturalmente, que se teria que fazer tudo ao contrário.

Ora como o regime anterior se acirrou na defesa dos territórios ultramarinos, por extensão, passou a considerar-se que tudo o que estivesse relacionado com o Ultramar era repelente o que, bem vistas as coisas nos faria recuar a Ceuta, em 1415, quiçá às Canárias e a 1340…

Acontece que só nos fixámos no Ultramar – o que está para além do mar – justamente porque fomos descobrir e desbravar o mar!

Ora juntando o «fascista» com o Ultramar, decorria que também tínhamos sido uns perigosos e horripilantes «colonialistas», «imperialistas» e outros «istas», de muitíssimo má catadura e lembrança!

Lembro-me, ainda, de ver o Infante D. Henrique vilipendiado como um putativo pederasta em tempos, note-se, em que a denominação de «gay» não tinha ainda feito o seu glorioso percurso…

Espero que já dê para se fazer a ligação.

Seguidamente devemos a considerar a Constituição de 1976 (CR).

Esta constituição, de raiz marxista, estava e está razoavelmente «armadilhada».

Dois aspectos merecem realce, na medida em que afectam negativamente a nossa relação com o Mar.

O primeiro tem a ver com a preponderância que deu aos sindicatos e à permissividade em que permite que os mesmos possam ser correias de transmissão de partidos políticos – o que deveria ser proibido.

Resultou daqui que as reivindicações, muitas delas selvagens, ajudaram a destruir as empresas ligadas ao mar e a não tornar atractivo qualquer investimento nesta área.

Por outro lado, existe um «liberalíssimo» capítulo na CR, relativamente a «Direitos, Liberdades e Garantias» que, além de demagógico e inexequível, não tem qualquer contrapeso no que respeita a «Deveres, Responsabilidades e Obrigações», de que a CR é, praticamente omissa.

Ou seja, o português tem direito a tudo e dever a nada (excepto a pagar impostos)!

Ora trabalhar no mar não é propriamente uma «pêra doce», é duro e é preciso saber.

Pois até o saber se tem ido, pois estas coisas não se dão bem com soluções de continuidade…

Resumindo e concluindo, quem tem direito a tudo acaba a não querer fazer nada!

Finalmente, numa confrangedora atitude suicida e de erro geopolítico crasso, abandonámo-nos nos «braços» da CEE, onde cometemos asneiras sucessivas, uma dos quais foi o de nos agacharmos junto do eixo franco-alemão (agora quase só alemão), o mais continentalista possível!

Ou seja nem sequer nos aliámos a países da orla marítima como nós, essencialmente, somos.

Eu juro que não sei por – que – raio de livros é que os nossos políticos estudaram (se é que algum), ou que mestres tiveram, mas o facto de serem recorrentes nas asneiras já passou a ser uma evidência. E insistem.

Com tudo o que acabo de descrever (e fiquei pela rama) verifica-se que o País fez 180º de volta na sua estratégia seis vezes centenária, ficando de costas para o mar.

Tal até se verificou no desporto e no turismo: sendo o turismo a nossa maior indústria, só há poucos anos se construíram marinas e os navios de cruzeiro passaram a frequentar os nossos portos; e os desportos náuticos, «congelados» em duas décadas, passaram a sair do «gueto» quando a juventude descobriu e aderiu ao surf…

Por tudo isto, caros leitores, poderei estar enganado, mas enquanto não ultrapassarmos as questões ideológicas apontadas e não fizermos uma saponária doutrinária a tudo o resto, a Nação dos Portugueses não volta ao Mar.

Mesmo que venha a haver muitos milhões para investir.

E quando e se, um dia o fizermos – e Portugal está preso por pontas – vamos voltar a ter vontade de defender o que nos pertence.

Desde que fomos às Canárias que nos contestam e tentam roubar o Mar. O que está em causa, agora, é a nossa ZEE e a extensão da Plataforma Continental (Açores e Madeira estão no meio).

São os próximos «ventos da História»…

O nosso D. Francisco de Almeida nunca deixou de estar actual.


[1] Proposta submetida à ONU em 11 de Maio de 2009.





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