João J. Brandão Ferreira
«Se Deus fala português não sei. Estes canhões
falam».
D. Francisco de Almeida 1.º Vice-Rei da Índia
De há cerca de uma dezena de anos a esta parte –
é verdade já passou este tempo todo – que se voltou a defender, primeiro por um
conjunto de entidades, organismos e, sobretudo, pela Armada seguido, mais
tarde, pelo próprio PR e Governo, de que Portugal tinha que voltar ao mar.
Nem mais nem menos. «Brado», aliás, com o qual
não podíamos estar mais de acordo.
Fizeram-se, entretanto, um conjunto apreciável
de estudos sobre a estratégia a seguir, os sectores onde apostar, os
investimentos necessários, a viabilidade económica, etc. Enfim, tudo.
Até que, na talvez única acção estratégica bem
conduzida, nas últimas quatro décadas, o país se candidatou, na ONU, à extensão
da Plataforma Continental o que, a ser conseguido, representará o ganho
geopolítico mais considerável desde 1530.[1]
Multiplicaram-se os «Fora», os simpósios, as
conferências e os colóquios sobre tudo isto.
O actual PR – um dos principais responsáveis,
enquanto PM, das maiores atrocidades relativamente a este âmbito crucial, da
vida nacional – anda entusiasmadíssimo com a ideia sem, todavia, ter assumido
que alguma vez se enganara. Enfim, pormenores.
Este entusiasmo só é equivalente, porém, à
displicência com que os órgãos de soberania nacionais assumiram o Tratado de
Lisboa – caramba «de Lisboa!» – que, na prática nos rouba a Zona Económica
Exclusiva (entre outras coisas), que é apenas a maior dos países da UE, esbulho
selado por um «porreiro, pá» de um actual comentador, para o qual o «princípio
de Peter» aplicado à vergonha, nunca é atingido.
E assim estamos. O «brado», afinal, não passou
de uma declaração de (boas) intenções…
O que não se tem ouvido discutir é o porquê de
não se passar das intenções.
Aflora-se – crise a quanto obrigas – que não há dinheiro
nem investidores.
Será, mas a razão principal não é, quanto a nós,
essa. A questão centra-se na ideologia e, em sequência, numa opção geopolítica
muito mal ponderada, para não dizer errada, seguramente muito mal gerida.
Nestes dois âmbitos foi feita uma verdadeira «lavagem
ao cérebro» a toda a população.
Enquanto estes aspectos não forem resolvidos não
voltaremos ao mar, mesmo que chovam notas de 500 euros…
Vamos tentar objectivar o que queremos dizer.
As forças políticas que passaram a influenciar o
desenrolar dos acontecimentos em Portugal, e que tomaram de assalto os órgãos
de comunicação social, o ensino, as artes, (até) a justiça e mais um número
considerável de sectores da sociedade, decretaram «urbi et orbi» que, politicamente
os últimos 50 anos tinham sido «uma longa noite fascista», pelo que estava tudo
errado donde decorria, naturalmente, que se teria que fazer tudo ao contrário.
Ora como o regime anterior se acirrou na defesa
dos territórios ultramarinos, por extensão, passou a considerar-se que tudo o
que estivesse relacionado com o Ultramar era repelente o que, bem vistas as
coisas nos faria recuar a Ceuta, em 1415, quiçá às Canárias e a 1340…
Acontece que só nos fixámos no Ultramar – o que
está para além do mar – justamente porque fomos descobrir e desbravar o mar!
Ora juntando o «fascista» com o Ultramar,
decorria que também tínhamos sido uns perigosos e horripilantes «colonialistas»,
«imperialistas» e outros «istas», de muitíssimo má catadura e lembrança!
Lembro-me, ainda, de ver o Infante D. Henrique
vilipendiado como um putativo pederasta em tempos, note-se, em que a
denominação de «gay» não tinha ainda feito o seu glorioso percurso…
Espero que já dê para se fazer a ligação.
Seguidamente devemos a considerar a Constituição
de 1976 (CR).
Esta constituição, de raiz marxista, estava e
está razoavelmente «armadilhada».
Dois aspectos merecem realce, na medida em que
afectam negativamente a nossa relação com o Mar.
O primeiro tem a ver com a preponderância que
deu aos sindicatos e à permissividade em que permite que os mesmos possam ser
correias de transmissão de partidos políticos – o que deveria ser proibido.
Resultou daqui que as reivindicações, muitas
delas selvagens, ajudaram a destruir as empresas ligadas ao mar e a não tornar
atractivo qualquer investimento nesta área.
Por outro lado, existe um «liberalíssimo»
capítulo na CR, relativamente a «Direitos, Liberdades e Garantias» que, além de
demagógico e inexequível, não tem qualquer contrapeso no que respeita a «Deveres,
Responsabilidades e Obrigações», de que a CR é, praticamente omissa.
Ou seja, o português tem direito a tudo e dever
a nada (excepto a pagar impostos)!
Ora trabalhar no mar não é propriamente uma «pêra
doce», é duro e é preciso saber.
Pois até o saber se tem ido, pois estas coisas
não se dão bem com soluções de continuidade…
Resumindo e concluindo, quem tem direito a tudo
acaba a não querer fazer nada!
Finalmente, numa confrangedora atitude suicida e
de erro geopolítico crasso, abandonámo-nos nos «braços» da CEE, onde cometemos
asneiras sucessivas, uma dos quais foi o de nos agacharmos junto do eixo
franco-alemão (agora quase só alemão), o mais continentalista possível!
Ou seja nem sequer nos aliámos a países da orla
marítima como nós, essencialmente, somos.
Eu juro que não sei por – que – raio de livros é
que os nossos políticos estudaram (se é que algum), ou que mestres tiveram, mas
o facto de serem recorrentes nas asneiras já passou a ser uma evidência. E
insistem.
Com tudo o que acabo de descrever (e fiquei pela
rama) verifica-se que o País fez 180º de volta na sua estratégia seis vezes
centenária, ficando de costas para o mar.
Tal até se verificou no desporto e no turismo:
sendo o turismo a nossa maior indústria, só há poucos anos se construíram marinas
e os navios de cruzeiro passaram a frequentar os nossos portos; e os desportos
náuticos, «congelados» em duas décadas, passaram a sair do «gueto» quando a
juventude descobriu e aderiu ao surf…
Por tudo isto, caros leitores, poderei estar
enganado, mas enquanto não ultrapassarmos as questões ideológicas apontadas e
não fizermos uma saponária doutrinária a tudo o resto, a Nação dos Portugueses
não volta ao Mar.
Mesmo que venha a haver muitos milhões para
investir.
E quando e se, um dia o fizermos – e Portugal
está preso por pontas – vamos voltar a ter vontade de defender o que nos
pertence.
Desde que fomos às Canárias que nos contestam e
tentam roubar o Mar. O que está em causa, agora, é a nossa ZEE e a extensão da
Plataforma Continental (Açores e Madeira estão no meio).
São os próximos «ventos da História»…
O nosso D. Francisco de Almeida nunca deixou de
estar actual.
[1] Proposta submetida à ONU
em 11 de Maio de 2009.
Sem comentários:
Enviar um comentário