quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O poder de Sócrates


José António Saraiva

Não sou nem nunca fui adepto de teorias da conspiração. Em 99% dos casos não passam de fantasias delirantes. Por isso, o leitor não inclua por favor a história que vou contar nessa categoria.

Quando o Governo nacionalizou o BPN, os accionistas da sociedade, por intermédio de Miguel Cadilhe (que não é propriamente uma pessoa sem credibilidade), tinham acabado de apresentar uma proposta de viabilização do banco.

O Governo recusou-a e partiu para a nacionalização, com o argumento de estar a defender as poupanças dos pequenos depositantes.

Sabe-se no que aquilo deu.

Assim, não é correcto atirar todas as culpas para os accionistas.

Estes propuseram-se salvar o banco, o Governo é que não os deixou.

Claro que podiam não o ter conseguido.

Mas, aí, a responsabilidade seria deles – e o Estado não se teria metido naquela alhada.

Recorde-se que, na altura em que o BPN foi nacionalizado, o Governo controlava a CGD (que é pública) e já dominava o BCP, através de Santos Ferreira e Armando Vara, ambos socialistas e próximos de Sócrates, que tinham vindo da Caixa para ali.

Simultaneamente, Sócrates mantinha óptimas relações com o BES, dada a sua conhecida boa relação com Ricardo Salgado, que sempre o defendeu (quebrando a distância que mantivera no passado em relação à política).

O Banif também era muito vulnerável às pressões governamentais, dada a sua precária situação financeira.

Pode pois dizer-se que, com a nacionalização do BPN, o primeiro-ministro passou a «controlar» boa parte da banca portuguesa: controlo directo da Caixa e do BPN, ascendente sobre o BCP, grande proximidade com o BES e neutralidade do Banif.

Só verdadeiramente o BPI, liderado pelo irreverente Fernando Ulrich, escapava ao controlo do Governo socialista.

E, mesmo assim, Sócrates namorou o chairman daquele banco, Artur Santos Silva, convidando-o para elevados cargos.

Vejamos, agora, o sector dos media.

Sócrates controlava directamente o grupo RTP, que é do Estado (e do qual faz parte a RDP).

Tinha também bastante influência na Controlinvest, mercê das dívidas deste grupo à banca, sendo do domínio público os telefonemas cúmplices entre José Sócrates e Joaquim Oliveira.

E a Controlinvest inclui meios como o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a Máxima e a TSF.

Sócrates mantinha também relações estreitas com a Ongoing, de Nuno Vasconcellos e Rafael Mora, detentora do Diário Económico.

Entretanto, através da PT, o Governo montou uma operação para comprar o grupo TVI, mandando um emissário a Espanha (Rui Pedro Soares) para tratar do negócio.

Este grupo, além da TVI, detem meios como a Lux e a Rádio Comercial.

Só fugiam ao controlo do Governo o grupo Impresa, liderado por Balsemão, e o grupo Cofina, de Paulo Fernandes.

Mesmo assim, ainda houve uma tentativa de assalto à Impresa por parte da Ongoing.

Quanto à Cofina, o Governo conhecia bem a vocação «negociante» de Paulo Fernandes e nunca recearia muitos males vindos daí.

Finalmente, José Sócrates fez uma tentativa para fechar o SOL – através precisamente do BCP, que era accionista do jornal.

O SOL era um David ao pé de vários Golias, mas irritaria Sócrates precisamente por ser um dos poucos media que ele não controlava.

E – recorde-se – foi este jornal que denunciou o caso Freeport, o caso Face Oculta (compra da TVI e tentativa de controlo de outros media) e o caso Tagusparque (apoio eleitoral de Luís Figo).

Fica claro, portanto, que houve um momento em que José Sócrates esteve mesmo à beira de dominar ou ter o apoio de importantes meios de três sectores nevrálgicos:

– Banca, com a CGD, o BPN, o BCP e o BES;

– Comunicação social, com a RTP, a RDP, o DN, a TSF, o JN e a tentativa de compra da TVI;

– Poder político, através do domínio da máquina do Governo e do aparelho do partido, onde não se ouvia uma única voz dissonante.

Só hoje, quando olhamos para essa época, percebemos até que ponto estivemos à beira do abismo.

Como foi possível permitir que se concentrasse tanto poder nas mãos de um homem psicologicamente tão instável?

E como foi possível derrubá-lo?

O que derrotou Sócrates, primeiro, foram as contas públicas – que, contrariamente aos outros sectores, ele se revelou incapaz de controlar.

Tentou até à última esticar a corda e evitar um Resgate, mas a corda acabou por partir – e isso foi a sua primeira grande derrota.

Depois foi a derrota eleitoral.

E esta constitui uma homenagem à democracia.

A democracia mostrou a sua força ao conseguir apear um homem que, à escala do país, acumulou um enorme poder «de facto».

Ele julgar-se-ia quase invencível, mas as urnas derrubaram-no.

Por isso, é muito natural que, embora afirme o contrário, hoje odeie a democracia.


P.S. – Numa entrevista publicada no fim-de-semana, Sócrates mostrou por que lhe tenho chamado «o Vale e Azevedo da política». Com uma diferença: Vale e Azevedo é mais educado.





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