João J. Brandão Ferreira
Consideramos que a 1.ª «desconstrução» desta matriz histórica de Portugal se deu no reinado de D. João III. Vamos apenas apontar uns tópicos e deixar umas pistas, já que cada «item» daria uma tese de doutoramento.
De facto o «Piedoso» continuou a concentração do poder Régio e mudou
radicalmente a matriz religiosa nacional.
Até
que ponto a mágoa com seu pai, por este lhe ter «roubado» a noiva (sua 3.ª
esposa) e ter vindo a casar, em 1525, com a irmã de Carlos V, Catarina, de
fortes convicções católicas, influenciou este desfecho, é objecto de
controvérsia.
O seu
reinado, onde Portugal atingiu a sua máxima expansão, foi marcado pelo
estabelecimento da Inquisição, pelo ambiente da Contra-Reforma e pela reforma
das ordens militares, sendo este último facto, ignorado pela quase totalidade
da historiografia nacional.
A Inquisição e o Tribunal do Santo Ofício foram introduzidos em Portugal, em
1536, por iniciativa do Rei (não da Igreja) e após ter vencido a oposição do
próprio Papa – que estava preocupado com os excessos havidos em Espanha, com
Torquemada. (Bula «Cum ad nihil magis», de 23 de
Maio de 1536).
A Inquisição,
que só foi extinta em 1821, esteve baseada em quatro cidades: Lisboa, Coimbra,
Évora e Goa, sendo dominada pelos «dominicanos» (não os franciscanos…), de
carácter mais fundamentalista.
A Inquisição
tinha sido criada no fim do século XII, com o objectivo de combater as heresias
dos Cátaros e ainda subsiste hoje com o nome de «Congregação para a Doutrina da
Fé».
Em
Portugal a sua face mais visível, destinou-se a combater o judaísmo. Arrastou,
porém, na sua voragem o Culto do Espírito Santo que, como já se disse não
obedecia a todos os cânones do catolicismo romano (lembra-se ainda, que os cristãos
Coptas, do Prestes João das Índias e os do Rito S. Tomé, ou Nestorianos, que
fomos procurar no Indostão, também não eram…).
É
certo que a Inquisição manteve a unidade espiritual da Nação e evitou que o
flagelo das guerras religiosas ocorridas por toda a Europa nos atingisse mas, a
prazo (sobretudo no Século XVII), matou toda a florescente investigação
científica e a explosão cultural do humanismo português, dos séculos XV e XVI,
ao passo que eliminou ou expulsou do País numerosos cristãos-novos, que
constituíam a classe empresarial e financeira mais dinâmica do País. E
instituiu o flagelo moral do medo e da delação.
Por
seu lado a Contra-Reforma, destinada a combater a revolta de Lutero, Calvino e
outros – motivadas mais por questões de corrupção de costumes no Vaticano, do
que por razões teológicas, dividiu a cristandade irremediavelmente, até hoje –
foi conduzida, sobretudo, por teólogos portugueses e espanhóis.
Em
Espanha surgiu a Companhia de Jesus, destinada a ser o «ariete» da Igreja neste
combate.
A sua
primeira «província» foi, justamente, Portugal, onde se estabeleceram, em 1540.
A sua sede situava-se no Convento do Coleginho, na Mouraria, onde hoje se
encontra novamente, após as duas expulsões de que foram alvo (em 1759 e 1910).
Os jesuítas
tornaram-se a principal ordem religiosa no País e passaram a ser preponderantes
na evangelização ultramarina.
Para
tal actuaram fundamentalmente em dois âmbitos: no ensino, ao criarem colégios
de que se destaca o de Santo Antão, em Lisboa – hoje Hospital de S. José – e
uma nova universidade em Évora; e campo da influência espiritual (e nas «informações»)
ao tornarem-se os confessores da casa Real e das mais importantes casas Nobres.
D.
João III também reformou a Universidade de Coimbra, em 1537, em função das
ideias vigentes na época.
A
reforma das ordens militares – as mais importantes das quais eram por ordem
crescente, as de Avis, Santiago e Cristo – começou em 1529 e não se sabe
exactamente o que levou o Rei a fazê-la. Não se andará, todavia, longe da
verdade se a relacionarmos com a centralização do poder Real e a conformidade
com a ortodoxia católica.
Deve
recordar-se que as principais elites nacionais saíam destas Ordens.
Da
reforma foi encarregue um frade jeromita conhecido por Frei António de Lisboa,
o qual enclausurou as Ordens, tornando-as monacais. Para se assegurar que tal
se tornaria efectivo (nenhum dos membros queria acatar a reforma), passou a
viver no Convento de Cristo, em Tomar…
A
decadência do País acentuou-se e quando D. Sebastião intentou reverter a
situação, já não encontrou meios para o conseguir. O seu desaparecimento
prematuro, em Alcácer-Quibir, deitou tudo a perder.
Daqui
resultaram 60 longos anos de cativeiro ibérico, de onde saímos algo «purificados»
pela dor e sofrimento.
O
País, porém, nunca mais foi o mesmo e as «capelas imperfeitas» do Mosteiro da
Batalha – cuja construção foi suspensa por D. João III, por razões ditas,
financeiras – aí estão, como as deixaram, a atestar o que digo.
Ficou-nos
ainda, o sebastianismo e a saudade do V Império. Que não é mais do que a «saudade
do futuro» que nos foi tirado…
*****
«Eu
não sirvo a El-Rei D. António por interesse…
Mas
sirvo-o com a pureza da minha obrigação de
que
resulta não me moverem mercês prometidas,
que
foy o laço em que cahio Portugal; porque fora
do que
devo, nenhuma couza me poderá mover
a
troco de vender a honra e lealdade que não
tem
preço nem que eu tanto estimo; lição que a
muitos
fidalgos esqueceu».
Cyprião
de Figueiredo de Vasconcelos
Governador
da Ilha Terceira
In «Carta
a El-Rei Filipe I»
Até ao
momento da segunda desconstrução histórica, não podemos deixar de assinalar um
facto, que consideramos um erro maior, e foi a base que a justificou: o fim das
Cortes Gerais e subsequente concentração e afunilamento do Poder na figura do
soberano e, ou, de um dos seus ministros, até o tornar «absoluto». O absolutismo: outra ideia importada.
Foi no
reinado de D. Pedro II, o 3.º Rei da nova Dinastia de Bragança, que se reuniram
as Cortes do Reino – que tão importantes tinham sido na aclamação de D. João IV
– pela última vez. Estávamos em 1698.
Consideramos
este facto como erro trágico, pois abriu brechas na coesão da sociedade, na
ligação da coroa com os seus súbditos, sobretudo o Povo que deixava de ter
representantes que pudessem fazer chegar os seus anseios e preocupações e a ter
uma palavra a dizer no seu futuro.
Não
deixa de ser curioso notar, como este erro foi percepcionado por D. Miguel I,
quando intentou reunir Cortes «à moda antiga», a fim de se legitimar como Rei,
em 1828.
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