sexta-feira, 2 de maio de 2014

Três juízas acusadas de forçarem
insolvência de famílias


Filipa Sousa, Diário de Noticias

Denúncia. Conselho Superior recebe queixa contra três magistradas dos tribunais de Almeirim, Sabugal e Barreiro por decidirem de forma «enviesada» contra algumas famílias com dívidas, beneficiando os administradores de insolvência.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) recebeu uma queixa contra três juízas por, alegadamente, «empurrarem insistentemente famílias para a insolvência, deixando no ar suspeitas de interesses comuns com os administradores de insolvência que ganham dinheiro com a liquidação de bens nestes processos». A denúncia, a que o DN teve acesso, chegou ao órgão que fiscaliza a magistratura enviada pelo gabinete SOS Famílias Endividadas, da Confederação Nacional das Associações de Famílias (CNAF).

Em causa três processos judiciais distintos – nas comarcas do Sabugal, Almeirim e Barreiro – em que três famílias endividadas pediram ao tribunal que homologasse um plano de pagamentos das suas dívidas previamente decidido com os próprios credores de forma a evitar a insolvência judicial. Mas esses pedidos têm vindo a ser recorrentemente rejeitados pelas respectivas magistradas, apesar de os requisitos legais estarem preenchidos. Assim, as juízas optaram por decretar a insolvência, indo contra as decisões da segunda instância (ver casos em baixo) e escolhendo antes um processo mais demorado, «com prejuízos inimagináveis para as pessoas e famílias em causa», explica a denúncia.

A maioria das pessoas que recorre a este gabinete são casais entre 30 e 60 anos, tendo existido, em 2013, 2439 casos de pessoas singulares declaradas insolventes – que sofreram cortes nos ordenados e que, por isso, deixaram de conseguir pagar os seus créditos mensais. «As senhoras juízas determinam a seguir a insolvência, numa atitude enviesada que deixa vislumbrar a pessoalização do processo, não se prevendo de todo que venha a ser observada a lei», pode ler-se na queixa.

Explica ainda a denúncia «que desde o início teimam [as juízas] flagrantemente em decretar a insolvência e nomear o administrador de insolvência que entenderam e sem se pronunciarem sequer, quanto à proposta de nomeação de outro pelos devedores». Contactada pelo DN, fonte oficial do CSM esclareceu que «não pode, nem deve, ter qualquer intervenção no uso dos poderes jurisdicionais confiados aos magistrados».


Segundo Hélder Mendes, da CNAF, a magistratura não está sensibilizada para esta forma de reestruturação de dívidas em que as famílias e os credores (bancos e agências de crédito na maioria dos casos) decidem como será feito o pagamento das dívidas de forma mensal, e que depois é homologado por um juiz. Evitando «o estigma social e o processo judicial dispendioso».

Por isso, o gabinete da CNAF recorreu ao Centro de Estudos Judiciários (onde é dada a formação para candidatos a juízes) de forma a que estes sejam sensibilizados para esta solução judicial prevista no Código de Insolvência e Recuperação de Empresas. De acordo com a CNAF «o director do CEJ garantiu que serão feitas acções de formação a partir de Setembro», quando se dará início ao próximo curso.

Em relação às acusações, o DN tentou obter uma reacção das três magistradas. A titular do processo da comarca de Almeirim, Marisa Malagueira, optou por não prestar declarações, escudando-se no dever de reserva, acrescentando que «a decisão em causa é suscetível de sindicância pelos meios próprios, através de recurso para os tribunais superiores, os quais têm competência para aferir do seu mérito».

Já Ana Marina Reduto (Barreiro) esclareceu que «se afigura ser evidente que sobre as mesmas não tecerei qualquer comentário publicamente». A terceira magistrada, Patrícia Sousa (Sabugal, na Guarda), não quis prestar declarações até à hora do fecho desta edição.

COMO FUNCIONA O PROCESSO DE INSOLVÊNCIA?

– Nos processos de insolvência de pessoas singulares é nomeado um administrador de insolvência, são reclamados créditos, constituída uma assembleia de credores e, depois, ou é possível organizar um plano de pagamento aos credores e estes aceitam esse plano, ou então os bens pessoais do insolvente terão de ser vendidos e o produto da venda será utilizado para pagamento aos credores.

Como é que uma família chega a uma situação económica difícil ao ponto de ser declarada insolvente?

– Uma família pode demonstrar não ser capaz de cumprir as obrigações/créditos ou estar numa situação de iminentemente deixar de as conseguir cumprir.

Quais são as consequências de pedir a insolvência pela via judicial?

– O insolvente fica privado dos seus bens, tem o dever de se apresentar em tribunal e de colaborar com os órgãos da insolvência. Tem ainda o dever de entregar imediatamente os documentos relevantes para o processo e o dever de respeitar a residência fixada na sentença.

Os bens do insolvente são arrestados?

– São apreendidos à ordem do administrador de insolvência, sendo afectados todos os bens susceptíveis de penhora. São impenhoráveis, as coisas ou direitos inalienáveis. O administrador aufere uma percentagem por cada processo a seu cargo.

OS TRÊS CASOS

Administrador exige chaves de casa

1.º Juízo Cívil do Tribunal do Barreiro

Apesar de a família em causa estar a pagar as dívidas, conforme o plano de pagamentos decidido com os credores, a magistrada do Barreiro manteve a decisão de decretar a insolvência, mesmo após um recurso pedido pelos devedores. Paralelamente, a juíza «faz prosseguir e muito diligentemente a insolvência tendo designado a assembleia de credores para menos de 30 dias, ao mesmo tempo que o administrador de insolvência exigia as chaves da casa de morada de família, que o devedor vem pagando religiosamente», pode ler-se na denúncia feita ao CSM.

«Chumbo» do plano de pagamentos

Secção única do Tribunal Judicial de Almeirim

Segundo a denúncia feita ao Conselho Superior, a magistrada recusou-se a aceitar o plano de pagamentos de dívidas decidido entre a família e os credores, empurrando assim o agregado familiar para a insolvência. Mesmo depois de um recurso na Relação, dando razão ao despacho de indeferimento pedido pela defesa da família, «a senhora juíza prontamente decidiu, sem mais, proferir de novo a sentença de insolvência, deixando no ar suspeitas de interesses comuns com os dos administradores de insolvência que ganham dinheiro com a liquidação dos bens».

Apreensão imediata de bens

Juíza da secção única do Tribunal do Sabugal, na Guarda

O gabinete «SOS Famílias Endividadas» acusa a magistrada do Tribunal Cível do Sabugal de, ao mesmo tempo que, de acordo com a decisão da Relação de Coimbra, «ordenar as diligências necessárias, não deixar de dar seguimento ao processo de insolvência», contra o qual a segunda instância se pronunciou. Decisão que, segundo a mesma fonte, é contra o previsto na lei já que «devem ser suspensos [processos] até à decisão». E não deixou de avisar o administrador de insolvência de todos os passos do processo e ainda de proceder ao arresto de bens da família.





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