Filipa Sousa, Diário de Noticias
Denúncia. Conselho Superior recebe queixa contra
três magistradas dos tribunais de Almeirim, Sabugal e Barreiro por decidirem de
forma «enviesada» contra algumas famílias com dívidas, beneficiando os
administradores de insolvência.
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) recebeu
uma queixa contra três juízas por, alegadamente, «empurrarem insistentemente
famílias para a insolvência, deixando no ar suspeitas de interesses comuns com
os administradores de insolvência que ganham dinheiro com a liquidação de bens
nestes processos». A denúncia, a que o DN teve acesso, chegou ao órgão que
fiscaliza a magistratura enviada pelo gabinete SOS Famílias Endividadas, da
Confederação Nacional das Associações de Famílias (CNAF).
Em causa três processos judiciais distintos – nas
comarcas do Sabugal, Almeirim e Barreiro – em que três famílias endividadas
pediram ao tribunal que homologasse um plano de pagamentos das suas dívidas
previamente decidido com os próprios credores de forma a evitar a insolvência
judicial. Mas esses pedidos têm vindo a ser recorrentemente rejeitados pelas
respectivas magistradas, apesar de os requisitos legais estarem preenchidos.
Assim, as juízas optaram por decretar a insolvência, indo contra as decisões da
segunda instância (ver casos em baixo) e escolhendo antes um processo mais
demorado, «com prejuízos inimagináveis para as pessoas e famílias em causa»,
explica a denúncia.
A maioria das pessoas que recorre a este gabinete
são casais entre 30 e 60 anos, tendo existido, em 2013, 2439 casos de pessoas
singulares declaradas insolventes – que sofreram cortes nos ordenados e que,
por isso, deixaram de conseguir pagar os seus créditos mensais. «As senhoras
juízas determinam a seguir a insolvência, numa atitude enviesada que deixa
vislumbrar a pessoalização do processo, não se prevendo de todo que venha a ser
observada a lei», pode ler-se na queixa.
Explica ainda a denúncia «que desde o início teimam
[as juízas] flagrantemente em decretar a insolvência e nomear o administrador
de insolvência que entenderam e sem se pronunciarem sequer, quanto à proposta
de nomeação de outro pelos devedores». Contactada pelo DN, fonte oficial do CSM
esclareceu que «não pode, nem deve, ter qualquer intervenção no uso dos poderes
jurisdicionais confiados aos magistrados».
Segundo Hélder Mendes, da CNAF, a magistratura não está sensibilizada para esta forma de reestruturação de dívidas em que as famílias e os credores (bancos e agências de crédito na maioria dos casos) decidem como será feito o pagamento das dívidas de forma mensal, e que depois é homologado por um juiz. Evitando «o estigma social e o processo judicial dispendioso».
Por isso, o gabinete da CNAF recorreu ao Centro de
Estudos Judiciários (onde é dada a formação para candidatos a juízes) de forma
a que estes sejam sensibilizados para esta solução judicial prevista no Código
de Insolvência e Recuperação de Empresas. De acordo com a CNAF «o director do
CEJ garantiu que serão feitas acções de formação a partir de Setembro», quando
se dará início ao próximo curso.
Em relação às acusações, o DN tentou obter uma
reacção das três magistradas. A titular do processo da comarca de Almeirim,
Marisa Malagueira, optou por não prestar declarações, escudando-se no dever de
reserva, acrescentando que «a decisão em causa é suscetível de sindicância
pelos meios próprios, através de recurso para os tribunais superiores, os quais
têm competência para aferir do seu mérito».
Já Ana Marina Reduto (Barreiro) esclareceu que «se
afigura ser evidente que sobre as mesmas não tecerei qualquer comentário
publicamente». A terceira magistrada, Patrícia Sousa (Sabugal, na Guarda), não
quis prestar declarações até à hora do fecho desta edição.
COMO FUNCIONA O PROCESSO DE INSOLVÊNCIA?
– Nos processos de insolvência de pessoas
singulares é nomeado um administrador de insolvência, são reclamados créditos,
constituída uma assembleia de credores e, depois, ou é possível organizar um
plano de pagamento aos credores e estes aceitam esse plano, ou então os bens
pessoais do insolvente terão de ser vendidos e o produto da venda será
utilizado para pagamento aos credores.
Como é que uma família chega a uma situação
económica difícil ao ponto de ser declarada insolvente?
– Uma família pode demonstrar não ser capaz de
cumprir as obrigações/créditos ou estar numa situação de iminentemente deixar
de as conseguir cumprir.
Quais são as consequências de pedir a insolvência
pela via judicial?
– O insolvente fica privado dos seus bens, tem o
dever de se apresentar em tribunal e de colaborar com os órgãos da insolvência.
Tem ainda o dever de entregar imediatamente os documentos relevantes para o
processo e o dever de respeitar a residência fixada na sentença.
Os bens do insolvente são arrestados?
– São apreendidos à ordem do administrador de
insolvência, sendo afectados todos os bens susceptíveis de penhora. São
impenhoráveis, as coisas ou direitos inalienáveis. O administrador aufere uma
percentagem por cada processo a seu cargo.
OS TRÊS CASOS
Administrador exige chaves de casa
1.º Juízo Cívil do Tribunal do Barreiro
Apesar de a família em causa estar a pagar as
dívidas, conforme o plano de pagamentos decidido com os credores, a magistrada
do Barreiro manteve a decisão de decretar a insolvência, mesmo após um recurso
pedido pelos devedores. Paralelamente, a juíza «faz prosseguir e muito
diligentemente a insolvência tendo designado a assembleia de credores para
menos de 30 dias, ao mesmo tempo que o administrador de insolvência exigia as
chaves da casa de morada de família, que o devedor vem pagando religiosamente»,
pode ler-se na denúncia feita ao CSM.
«Chumbo» do plano de pagamentos
Secção única do Tribunal Judicial de Almeirim
Segundo a denúncia feita ao Conselho Superior, a
magistrada recusou-se a aceitar o plano de pagamentos de dívidas decidido entre
a família e os credores, empurrando assim o agregado familiar para a
insolvência. Mesmo depois de um recurso na Relação, dando razão ao despacho de
indeferimento pedido pela defesa da família, «a senhora juíza prontamente
decidiu, sem mais, proferir de novo a sentença de insolvência, deixando no ar
suspeitas de interesses comuns com os dos administradores de insolvência que
ganham dinheiro com a liquidação dos bens».
Apreensão imediata de bens
Juíza da secção única do Tribunal do Sabugal, na
Guarda
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