sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
A implosão dos socialistas
Helena Matos
Por ironia, a grande mudança que António Costa celebrou na passada semana está ser feita à custa do esfrangalhar dos partidos socialistas. Primeiro do PASOK. Depois, muito provavelmente, do PSOE.
No domingo passado os socialistas quase desapareceram do mapa eleitoral grego. Ontem, em Madrid, o Podemos encheu as ruas numa manifestação de força já a preparar o ambiente das próximas eleições. Mas esta extrema-esquerda que se agiganta e que grita que vai derrubar a direita está para já é a derrotar a esquerda democrática. Os dedos de uma mão devem chegar para contar os eleitores do PP que foram à manifestação do Podemos em Madrid mas muitos desses milhares de manifestantes já, por mais de uma vez, deram o seu voto ao PSOE. Agora podem dá-lo a Pablo Iglesias, uma espécie de Chavez com formação universitária. Há mudanças que dão que pensar e esta é certamente uma delas.
Por ironia, a grande mudança que António Costa celebrou na passada semana está ser feita à custa do esfrangalhar dos partidos socialistas. Primeiro do PASOK. Depois, muito provavelmente, do PSOE. Goste-se ou não, na Espanha e na Grécia, boa parte dos eleitorados da esquerda democrática está a radicalizar-se e a dar o seu voto a líderes que num passado não muito distante teriam considerado inapresentáveis.
E não, não são inapresentáveis por causa de não usarem gravata. Sei que não há nada que os jornalistas desta velha Europa gostem mais do que dar uma imagem alternativa-caviar dos líderes radicais através desses pequenos traços: é o não usar gravata ou, pelo contrário, gostar de desfiles de moda. O ir ou não ir ao cabeleireiro… Mas os líderes radicais que actualmente merecem as graças do eleitorado são inapresentáveis não por questões de guarda-roupa (não há nada mais caro e estudado que o casual!), mas sim porque não mostram qualquer preparação para as funções a que se estão a candidatar. E, não menos importante, porque a sua concepção do funcionamento das instituições do regime democrático é meramente instrumental. Não digo que vão instaurar ditaduras nos países que vierem a governar, mas escrevo que não vão usar para com os opositores a mesma tolerância e respeito que agora reivindicam para si.
Tal como os milionários têm aquelas fantasias estilo Espírito Santo na Comporta ou Guevara-chic de brincar aos pobrezinhos e de fazer férias prescindindo da electricidade e demais tecnologia, uma parte dos socialistas acha que votar na extrema-esquerda é uma espécie de fazer de conta que temos uma revolução. Grita-se como nas revoluções. Chora-se, canta-se e dizem-se poemas como nas revoluções de antigamente. Mas o objectivo, no fim, é voltar a viver como há dez anos.
Só que mudar de roupa, voltar a ter frigorífico e ligar-se à net, uma vez regressados à civilização, é bem mais simples que mudar de governo, sobretudo se esse governo tiver uma retórica de esquerda radical.
O que mais perturba nesta transferência de votos da esquerda democrática para a esquerda radical é que durante anos e anos os socialistas foram apresentados como o eleitorado mais culto e cosmopolita dos respectivos países. Ora, assim que a riqueza acabou, os socialistas não ficaram apenas sem programa, ficaram também sem verniz: os seus eleitores declaram-se disponíveis para apoiar a socialização das dívidas com a mesma fé dogmática com que os comunistas votaram no passado ao confisco e divisão da propriedade. A forma como desenham uma Europa livre da disciplina orçamental em pouco se distingue na ingenuidade dos amanhãs que cantam do PCP.
Há algo de regressão intelectual neste processo. Uma espécie de infantilização de gente que, depois de ter um projecto para mudar as sociedades e governar civilizadamente os seus países, repete agora, como se estivesse numa sessão esotérica de invocação das vidas passadas, que a austeridade acabou na Grécia e quiçá na Europa simplesmente porque ganhou um partido que se diz anti-austeridade.
E em Portugal? Os socialistas portugueses manifestam uma enorme disponibilidade para, em nome da esquerda, aderir a projectos em que fantasia e caudilhismo se misturam. Vejam-se, por exemplo, os apoios conseguidos pela candidatura de Manuel Alegre cujo programa ao certo nenhum dos seus eleitores – nem o próprio – saberiam explicar. Era tudo atitude: dizia-se Pátria, Liberdade e grilhetas e lá ia Portugal a caminho daquele Graal que só eles decifravam. O próprio António Costa chegou a secretário-geral rodeado de uma aura de pensamento mágico que seria ridícula caso não fosse perigosa: acreditava muito boa gente que bastaria afastar Seguro para que o PS galopasse nas sondagens. Agora mostram-se impacientes porque tal ainda não aconteceu.Da impaciência à desilusão – na esquerda nunca se cometem erros, têm-se ilusões e desilusões – vai um caminho muito curto. E potencialmente perigoso.
A isto, que já não é pouco, junta agora o PS, por vicissitudes do socratismo que os usou como milícia mediática, uma aguerrida ala esquerda que estuda pouco mas sabe bem o que quer: sentar-se num futuro conselho de ministros nas cadeiras que lhes permitam fazer à força de decreto-lei a revolução que os seus amigos de extrema-esquerda hesitam se devem fazer na rua ou na secretaria. Eles têm a certeza que deve ser na secretaria e já lá estão à espera desse momento. Chegaram primeiro e vão lembrá-lo a quem de direito.
Não nos falta portanto quem esteja disponível para apoiar um projecto de esquerda radical. Apenas não existe um Tsipras ou um Iglesias. Ou seja, um líder carismático e populista susceptível de aglutinar aquela espécie de células em divisão constante que são os movimentos à esquerda do PS e os desiludidos do próprio PS.
Nesse sentido e também porque o PCP lá está a cumprir o seu papel histórico de corta-fogo à esquerda, os socialistas portugueses têm a vida bem mais simplificada que os espanhóis, o que não é o mesmo que dizer que terão uma vida simples. Na verdade, a vida complicou-se-lhes.
A António Costa não basta, como muitos acreditaram, continuar a reagir como se ainda estivesse à noite a fazer comentário na SIC sob o olhar complacente de Pacheco Pereira e Lobo Xavier e de manhã na CML a engolir as oposições dos zés que faziam falta e das emocionadas rosetas.
O seu caderno de encargos cresceu. Não só os socialistas lhe exigem que ganhe as eleições, como outra tarefa o espera: não deixar que aconteça ao PS o mesmo que ao PASOK e ao PSOE. Conseguir capitalizar em proveito próprio a arregimentação da extrema-esquerda e a sua falta de liderança pode ser uma táctica para ganhar tempo mas nunca uma estratégia para governar. Ou os socialistas fazem um discurso de poder, ou seja, dizem como vão governar, ou eles e todos nós temos um problema. Um problema chamado triunfo do populismo.
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