sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015


O mito da austeridade grega


Daniel Grosdirector do Centro de Estudos Políticos Europeus.

Desde a vitória do partido anti-austeridade Syriza nas eleições da Grécia que o «problema grego» está a preocupar, novamente, os mercados e os responsáveis políticos em toda a Europa. Alguns temem o regresso da incerteza que se viveu em 2012, quando muitos pensavam que estariam iminentes um «default» da Grécia e a saída da Zona Euro.

Naquela altura, como agora, muitos temiam que a crise da dívida grega pudesse desestabilizar – e até mesmo derrubar – a união monetária da Europa. Mas desta vez é realmente diferente.

Uma diferença fundamental reside nos fundamentos económicos. Ao longo dos últimos dois anos, outros países periféricos da Zona Euro têm provado a sua capacidade de ajustamento, ao reduzirem os seus défices orçamentais, aumentarem as exportações e registarem excedentes em conta corrente, negando, assim, a necessidade de financiamento. Na verdade, a Grécia é o único país que tem constantemente arrastado os pés sobre as reformas e registado um péssimo desempenho ao nível das exportações.

Fornecer uma blindagem adicional aos países periféricos é o plano do Banco Central Europeu para começar a comprar títulos soberanos. Embora o governo alemão não apoie oficialmente a flexibilização quantitativa, deveria estar grato ao BCE por acalmar os mercados financeiros. Agora, a Alemanha pode assumir uma posição intransigente perante as intenções do novo governo – perdão de dívida e fim da austeridade – sem temer o tipo de turbulência nos mercados financeiros que, em 2012, deixou a Zona Euro, com poucas alternativas a não ser socorrer a Grécia.

Na verdade, as exigências do governo grego baseiam-se num mal-entendido. Para começar, o Syriza e outros argumentam que a dívida pública da Grécia, de 170% do PIB, é insustentável e deve ser cortada. Dado que a dívida oficial do país constitui a maior parte da sua dívida pública global, o governo quer vê-la reduzida.

Contudo, os credores oficiais da Grécia concederam-lhe períodos de carência bastante longos e taxas de juros bastante baixas, pelo que o encargo é suportável. A Grécia gasta menos com o serviço da dívida do que a Itália ou a Irlanda, sendo que ambos os países têm rácios (brutos) da dívida em relação ao PIB muito mais baixos. Com os pagamentos da dívida externa da Grécia a representar apenas 1,5% do PIB, o serviço da dívida não é o problema do país.

O custo relativamente baixo do serviço da dívida também anula as justificações do Syriza para apelar ao fim da austeridade. O último programa de resgate da «troika» (Fundo Monetário Internacional, BCE e Comissão Europeia), iniciado em 2010, prevê um excedente primário (que exclui o pagamento de juros) de 4% do PIB este ano. Isso seria um pouco mais do que o necessário para cobrir os pagamentos de juros, o que permitiria à Grécia começar finalmente a reduzir a sua dívida.

O argumento do novo governo grego de que esta é uma meta excessiva não convence. Afinal de contas, quando confrontados com níveis excessivos de dívida, outros países europeus – incluindo a Bélgica (de 1995), a Irlanda (de 1991) e a Noruega (de 1999) – mantiveram excedentes semelhantes durante pelo menos dez anos, tipicamente na sequência de uma crise financeira.

É razoável argumentar que a austeridade na Zona Euro tem sido excessiva, e que os défices orçamentais deviam ter sido muito maiores para sustentar a procura. Mas só os governos que têm acesso ao financiamento do mercado podem usar uma política orçamental expansionista para impulsionar a procura. Para a Grécia, mais despesa teria de ser financiada por empréstimos de uma ou mais instituições oficiais.

Pela mesma razão, é falso afirmar que a troika obrigou a Grécia a uma austeridade excessiva. Se a Grécia não tivesse recebido apoio financeiro em 2010, teria de reduzir o seu défice orçamental de mais de 10% do PIB para zero imediatamente. Ao financiar défices continuados até 2013, a troika permitiu à Grécia atrasar a austeridade.

É claro que a Grécia não é o primeiro país a pedir financiamento de emergência para adiar cortes orçamentais, e depois queixar-se que os cortes são excessivos, quando o pior já passou. Isso normalmente acontece quando o governo tem um excedente primário. Quando o governo pode financiar os seus gastos correntes por meio de impostos – e até aumentar a despesa, se não tiver de pagar juros – a tentação de renegar a dívida intensifica-se.

Foi amplamente antecipado que a Grécia seria tentada a seguir este caminho, quando foi iniciado o programa troika. No ano passado, o novo ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, confirmou a previsão, argumentando que um excedente primário daria vantagem à Grécia em quaisquer negociações sobre reestruturação da dívida, porque o país poderia simplesmente suspender o reembolso à troika, sem incorrer em problemas de financiamento.

Essa abordagem seria um erro. O problema prático da Grécia neste momento não é a sustentabilidade de uma dívida que vence em 20-30 anos e que tem taxas de juros muito baixas; a verdadeira questão são os poucos pagamentos ao FMI e ao BCE que vencem este ano – os pagamentos que o novo governo prometeu fazer.

Mas, para cumprir esta promessa (e contratar mais funcionários), a Grécia vai precisar de mais apoio financeiro dos seus parceiros da Zona Euro. Além disso, o sistema financeiro do país vai precisar de apoio contínuo por parte do BCE.

Por outras palavras, o novo governo da Grécia deve agora tentar convencer os seus parceiros europeus que merece mais apoio financeiro, ao mesmo tempo que faz pressão no sentido de reduzir a dívida existente e resistir às políticas de austeridade a que os empréstimos anteriores foram condicionados. Para o Syriza e os seus eleitores, a lua-de-mel política poderá ser curta.





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