segunda-feira, 17 de agosto de 2015
Pacheco Pereira:
um político falhado
João Marques de Almeida, Observador, 7 de Agosto de 2015
Por estes dias, no quente de Agosto, retirado na Marmeleira, Pacheco Pereira deve passar grande parte do seu tempo em «diálogo» com Sá Carneiro, queixando-se da sua solidão e confessando, em conversas imaginárias com o antigo líder do PSD, que é o único que verdadeiramente o entende. Pacheco resolveu competir com Santana Lopes pelo estatuto do mais «devoto Sá-Carneirista.» Para Santana, conta mais o estilo e o modo de fazer política. Pacheco privilegia o pensamento e a substância, julgando-se o «herdeiro social-democrata» de Sá Carneiro.
Perdido no meio de tantos livros, corre também ele o risco de se perder. Aliás, o seu último artigo na Sábado é de um homem cego pelo ódio ao actual primeiro-ministro, e cheio de azedume. É raro ler um artigo com tanta desonestidade intelectual e política. Sem o mínimo de respeito pelo contexto histórico, Pacheco andou a procurar citações de Sá Carneiro para validar as suas opiniões. É um truque baixo, indigno de um «historiador» – se há quem perceba devidamente a importância de colocar as citações nos contextos históricos correctos são os historiadores – e ofensivo da memória de Sá Carneiro. Nem Santana Lopes, nos momentos de maior fervor populista dos congressos do PSD, conseguiu instrumentalizar de um modo tão grosseiro o fundador do partido. Pacheco quer reescrever a história intelectual do PSD. Para demonstrar que o governo e a liderança do partido pertencem à «direita radical», está a construir um «novo Sá Carneiro», o «social-democrata de esquerda», tal como o próprio Pacheco. O desespero e a imaginação não conhecem limites na biblioteca da Marmeleira.
Pacheco Pereira exibe, todas as semanas, com o seu radicalismo primário a dimensão do seu fracasso como político. Nos anos de maior sucesso, durante o cavaquismo, o seu brilhantismo intelectual sobressaia e depressa se destacou no PSD. No entanto, o brilho e a inteligência não são suficientes para uma carreira política de sucesso. A humildade, a resistência, a capacidade de transformar derrotas em vitórias, a inteligência emocional, a sabedoria social, são igualmente importantes. Pacheco nunca mostrou possuir estas qualidades. Não se destacou como legislador – e o papel de um parlamentar não se esgota nos talentos oratórios –, nunca exerceu qualquer lugar executivo de relevo. Por isso Pacheco nunca testou a sua capacidade de decisão, uma das qualidades mais importantes num político. Ou seja, no seu melhor período, Pacheco não passou de um bom tribuno. A sua folha de serviços nada mais tem para apresentar.
Depois, com a liderança de Durão Barroso, foi eleito para o Parlamento Europeu. Poderia ter sido uma boa oportunidade para relançar a sua carreira de político. Mas, mais uma vez, uma oportunidade perdida. E mais uma vez, por causa dos pecados que o caracterizam, sobretudo a imensa vaidade. Pacheco chegou a Bruxelas julgando que os seus colegas parlamentares se renderiam imediatamente à sua inteligência e aos conhecimentos adquiridos com as suas leituras (que de resto exibe com um zelo profissional). Claro que ninguém ligou ao Pacheco chegado de Lisboa. No Parlamento Europeu, não basta ser inteligente e ter opiniões. Também é necessário ler documentos maçadores, escrever relatórios sem interesse literário ou mesmo analítico, preparar emendas legislativas, fazer alianças políticas, saber sofrer, aceitar a derrota e trabalhar arduamente para a vitória. Tudo isto é demasiado vulgar para quem gosta de subir ao seu assento etéreo para discutir a «social-democracia com Sá Carneiro.»
No seu percurso político europeu, não se destacou por reflexões sérias sobre os desafios e os problemas do Euro – e foi na altura que se iniciou a união monetária – ou sobre os perigos da hegemonia alemã, cuja natureza se começava a manifestar. Agora que é popular criticar o Euro e atacar a Alemanha, é demasiado fácil. De novo, Pacheco terminou um período político desanimado com a realidade, a julgar todos os outros errados e ele, como sempre, solitariamente certo. Um dia um deputado europeu definiu com acerto a passagem de Pacheco por Bruxelas: «Achava que chegava, dizia umas coisas inteligentes e todos fariam vénias à sua sabedoria. Como isso não aconteceu, passou a criticar a União Europeia.»
Pacheco Pereira ainda teve mais um curto momento político, junto a Ferreira Leite, quando esta foi líder do partido. Na altura, foi notada a sua defesa da «austeridade» antes das políticas de «austeridade». Estou mesmo convencido que se tivesse sido a primeiro-ministro Ferreira Leite a aplicar o memorando de entendimento, Pacheco teria sido o grande ideólogo da austeridade (e talvez passasse fins de semana na Marmeleira à procura de citações de Sá Carneiro para a justificar). Mas a vida partidária de Pacheco acabou com a triste prestação eleitoral da sua «líder».
Mas o pior estaria para vir com a vitória eleitoral de Passos Coelho e a sua elevação a primeiro-ministro; ainda por cima aliado a Paulo Portas: os dois ódios de estimação de Pacheco. Este ódio que o alimenta (e atormenta) tirou-lhe a lucidez que restava. Está há quatro anos a escrever o mesmo artigo, e duas vezes por semana; além de o repetir uma terceira vez na televisão. E aparentemente não percebe. Depois dos fracassos da política, adoptou como cronista a política do ódio e do ressentimento. O oposto de tudo o que foi Sá Carneiro. Pobre Pacheco.
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