segunda-feira, 6 de junho de 2016


O animal spirits e a vaca voadora


Pedro Sousa Carvallho, Público, 2 de Junho de 2016

Uma economia que dependa excessivamente da dinâmica do consumo privado está condenada a definhar.

Quando chegou, António Costa prometeu um tempo novo. «Um tempo novo que traga crescimento e prosperidade, um tempo novo para as famílias e um tempo novo também para as empresas.» Esta semana começaram a chegar as primeiras estatísticas do INE sobre o «tempo novo» e não é que esse «tempo novo» é muito parecido com o tempo antigo?

As estatísticas do INE mostram a economia a desacelerar nos primeiros três meses do ano, com o PIB a crescer 0,9%, o que constitui um abrandamento face aos 1,3% registados no quarto trimestre de 2015. O que explica esta travagem? Portugal está a perder investimento a um ritmo expressivo. Este indicador, que no quarto trimestre de 2015 tinha registado uma variação homóloga de 4,4%, apresentou agora uma queda de 0,6%. Nos últimos 30 meses, o investimento aumentou sempre.

Sem investimento não há economia que aguente. Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, costuma comparar a economia a um avião com quatro motores: as exportações, o consumo público, o investimento e o consumo privado. As exportações, ainda segundo o INE, abrandaram no arranque do ano para 2,8%, quando há um ano as vendas para o exterior cresciam 7,1%. O consumo público há muito estagnou e o investimento está a desaparecer. O consumo privado, graças à reposição de rendimentos, é o único que vai aguentando o avião no ar. É fácil perceber que com tantos problemas nos motores este avião não há-de suster-se muito tempo no ar.

Claro que há muitos que não percebem esta analogia dos aviões. Por isso falemos de vacas voadoras. Uma vaca voadora tem duas asas para se suster no ar. De um lado a procura externa (exportações – importações) e do outro lado a procura interna (consumo + investimento). Como as exportações estão a crescer pouco (2,8%) e menos do que as importações (4,6%), a asa direita da vaca voadora começa a tremelicar. E como a quebra do investimento, com o tempo, vai provocando uma erosão no consumo, a asa do lado esquerdo já começa a tremer. E quem acredita que existem vacas voadoras também tem de acreditar que há vacas que caem do céu.

Uma economia que dependa excessivamente ou quase exclusivamente da dinâmica do consumo privado está condenada a definhar com o passar do tempo. O consumo privado só estimula a economia no curto prazo e, quando não é acompanhado de investimento (que gera emprego e rendimento), rapidamente descamba em mais endividamento, no aumento das importações (que vai desequilibrar mais a balança comercial) e numa reduzida taxa de poupança que retira capacidade às famílias para ajudar a financiar as empresas (o que vai aumentar o défice externo). A taxa de poupança em Portugal ronda hoje os 4%, contra uma média de 12,4% na zona euro.

Com estes números, a previsão do Governo para um crescimento da economia de 1,8% já começa a parecer desajustada. É o próprio Mário Centeno que esta semana veio dizer que a concretização desse valor «está dependente da retoma do investimento». Já se percebeu que será uma questão de semanas até termos um orçamento rectificativo.

O Banco de Portugal também está a antecipar uma travagem a fundo do investimento este ano, cuja previsão passou de 4,1% para 0,7%. A OCDE é ainda mais pessimista, já que em Novembro previa que o investimento em Portugal crescesse 3% em 2016 e esta semana veio dizer que antecipa uma quebra de 1,5%. Os números do Governo apontam para um crescimento de 4,9%.

E por que razão é que os investidores deixaram de querer investir em Portugal? Quer os neoclássicos, quer a teoria keynesiana fazem depender o nível de investimento do produto marginal do capital e da taxa de juro. John Maynard Keynes, no seu livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, acrescenta um outro factor que influencia e de que maneira as decisões de investir dos empresários – o chamado «animal spirits», ou seja, um impulso psicológico que está para além da análise quantitativa dos juros e da rentabilidade do capital que faz com que um empresário decida não investir num determinado momento. Essa decisão faz travar o emprego e a procura, conduzindo a um ciclo de recessão. Ao contrário dos neoclássicos que acreditavam na auto-regulação dos mercados, os keynesianos defendem a intervenção do Estado na economia, através do aumento dos gastos públicos, para inverter o ciclo.

Este «animal spirits» («estados de ânimo») não tem nada que ver com vacas voadoras. É Keynes a introduzir na equação do investimento uma componente emocional ou de impulso que pode determinar ciclos económicos e gerar incertezas na evolução da economia. Por isso é que o economista e ex-governador do Banco de Portugal Jacinto Nunes descrevia a economia de Keynes como «a economia da incerteza».

É a incerteza que afasta o investimento. Ainda esta semana a OCDE veio dizer que «o investimento caiu de forma brusca e continua a ser um entrave para o crescimento, devido ao elevado endividamento das empresas, aos balanços frágeis dos bancos, à incerteza nas políticas e ao menor ímpeto na execução de reformas». Em relação aos dois primeiros pontos, os problemas não são de agora e são de difícil resolução – apesar de os bancos continuarem a dizer que têm dinheiro para emprestar aos bons projectos.

Já quanto à incerteza nas políticas e ao menor ímpeto nas reformas depende de o Governo desfazer essa imagem que tanto assusta os empresários e prejudica a economia. A OCDE não deixa de criticar, por exemplo, a suspensão da descida do IRC que «poderia dar um empurrão ao investimento e ao crescimento», uma suspensão à revelia de um acordo alargado feito no passado recente entre PS, PSD e CDS. António Costa veio esta semana, perante uma plateia de empresários, pedir-lhes o seu envolvimento para a construção de «uma imagem e uma percepção de um país moderno, de um país de confiança. Só com confiança se conseguirá atrair mais investimento». Mas a confiança não se decreta. Constrói-se.





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