segunda-feira, 8 de agosto de 2016


Os amorais


João Gonçalves, Jornal de Notícias, 8 de Agosto de 2016

Costa move-se sempre no limiar do delito político. Começou por derrubar Seguro depois de este ter dado duas vitórias ao partido. A seguir, recuperou algum pessoal do «socratismo», desprezando ostensivamente Sócrates, quando percebeu que a «teoria do poucochinho» se ia virar contra si. O poucochinho das legislativas levou-o a arranjar comparsas que lhe dessem o que faltava. Começou, aliás, a tratar disso mal leu o destino na opinião pública. Arranjou uma maioria parlamentar, esquadrinhada em três ou quatro papeletas bilaterais, que lhe permitiu um Governo minoritário, um programa, um Orçamento falacioso e outras bizarrias que vão saindo no «Diário da República». Os comparsas do Bloco e do PC não se preocupam excessivamente com detalhes. O que ainda há menos de um ano seria alvo de intensa berraria e «luta», agora faz-se de conta que não existe. Para estes beneméritos, não há aumento directo ou encapotado de impostos, não há caciquismo PS e não existem reclamações acerca do estado geral da nação. A ausência da «direita» do poder basta a estas almas hipócritas como consolo. A tolerância destes novos beatos, sobretudo os invertebrados e laicos do Bloco, para com o Governo de Costa também se nota em coisas como as que envolveram o ministério do dr. Brandão e três secretários de Estado por causa da bola e de uma empresa privada. Do primeiro, veio a «fonte» que induziu este jornal a um título, desmentido adequadamente na edição seguinte, sobre um juiz que alegadamente seria «interessado» numa sentença desfavorável ao ministério. Este episódio induzido deu azo a um artigo repelente do «Público» que mais parecia um relatório pidesco sobre a vida privada do juiz. O assunto, não encerrado, dos secretários de Estado seria simplesmente grotesco e irrelevante, se as reacções oficiais não tivessem sido o absurdo que foram, revelando uma falta de escrúpulos pela inteligência do comum dos cidadãos. Não existem «usos e costumes» que desculpem atitudes, activas ou passivas, que anulam qualquer tipo de autoridade política ou administrativa e que desprestigiam o Estado. Tudo e todos somados, parece estarmos entregues a amorais simples, ou seja, a políticos que ignoram o imperativo categórico da interiorização, da vinculação absoluta e da espontaneidade dos deveres éticos. É o Portugal contemporâneo de que Oliveira Martins narrou, como ninguém, o «exemplo singular de desordem moral», das «podridões do egoísmo» e dos «defeitos próprios de aventureiros».





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