Madrid, 22 de Abril de 2009 (ASP. - Lusa) - A figura de Nuno Álvares Pereira, que domingo será canonizado pelo Papa Bento XVI, é "totalmente desconhecida" em Espanha, apesar do seu papel na história espanhola, sintoma que reflecte o quase total desconhecimento da história portuguesa naquele país.
A opinião é de Hipólito de La Torre Gómez, professor da Universidade Nacional de Educação à Distância (UNED) espanhola que, em declarações à Agência Lusa, lamentou o facto de, em Espanha, se conhecer "pouco ou nada da História de Portugal", inclusive em momentos como o que viveu o Condestável, onde o vínculo entre os dois países é evidente.
"Não se conhece, ou então conhece-se muito isoladamente, entre um ou outro sector. Vejo isso pelos meus alunos, inclusive da cadeira de História de Portugal", afirmou.
La Torre - especialista em história ibérica - admitiu que o desconhecimento sobre Portugal continua a ser preocupante, estando no caso da História a agravar-se, dando como exemplo uma aula onde comprovou que nenhum dos seus 40 alunos sabia quem fora Luís de Camões.
"Eu estudei na escola quem era Camões. O grande poeta épico português, como dizíamos na altura. Agora chegam à Universidade e não sabem sequer que existiu", lamentou.
"Infelizmente, também não conhecem figuras importantes espanholas, mas, no caso de Portugal, a visão 'peninsularista' dos espanhóis leva a que vejam Portugal apenas como aquela franja de terra à beira do Atlântico e não entendam a dimensão de aprofundamento geopolítico português, a profundidade atlântica e os caminhos do mar", disse.
Daí que, neste cenário, o desconhecimento sobre D. Nuno Álvares Pereira possa ser mais facilmente entendido, tornando-se um figura de especialistas e desaparecendo da dinâmica do retrato histórico da formação ibérica.
"Pode haver alguns estudos medievais onde o assunto é tocado, mas passa-se muito por cima e não se dá importância à Batalha de Aljubarrota", disse.
"Claro que a História é escrita pelos vencedores e, por isso, os vencidos não se interessam muito em aprofundar as suas derrotas. Assim, Nuno Álvares Pereira tem muito mais importância em Portugal", frisou.
O mesmo ocorre, por exemplo, na confusão feita regularmente em Espanha sobre quando ocorreu a independência de Portugal, que líderes espanhóis tendem a fixar em 1640 e não em 1143.
"Acho difícil que um espanhol entenda o que ocorreu entre Portugal e Espanha em 1640. Mas também não conhecem a data de 1143, tristemente, porque acho que cada vez se conhecem menos datas", afirmou.
"O período de 1640 acaba por ter aqui mais destaque porque se relaciona mais com a crise na monarquia hispânica, por momentos como a separação da Catalunha. Por isso saltam 1143", disse.
Já sobre Nuno Álvares Pereira, o historiador admitiu ser provável que sectores da Igreja espanhola, "que respondem também a interesses nacionais", possam, durante algum tempo, ter dificultado os esforços para canonizar o Condestável.
"Não estranharia que pudessem ter tentado levantar obstáculos para reconhecer essa figura como uma grande soldado e um dos grandes artífices da forja de Portugal", salientou.
"Mas, actualmente, não creio que em Espanha possa haver sectores que coloquem alguma reserva", disse.
Até porque, considerou, a canonização é "um reconhecimento justíssimo de uma figura muito notável no campo militar e religioso" e que "reúne as condições do famoso soldado-monge".
Uma personalidade que hoje, volvidos tantos séculos, continua a ter "uma grandeza fora de dúvida", que torna "justificável qualquer tipo de exaltação que tenha, ou que sempre teve em Portugal".
"O Santo Condestável tem muita actualidade. Tem uma profunda vocação social, uma entrega completa e sempre utilizou o poder militar e político em benefício do povo, renunciando a todas as honras e grandezas. É um exemplo eterno, tanto para a sociedade actual, como para o futuro", considerou Hipólito de La Torre Gómez.
O professor da UNED mostra-se esperançado que a canonização de Nuno Álvares Pereira contribua para novo passo no conhecimento espanhol sobre a história portuguesa, recordando que tentativas no passado de fomentar o conhecimento mútuo sempre "naufragaram".
A este propósito, lembrou uma comissão luso-espanhola de integrou, na década de 1990, a qual procurou estabelecer normas mínimas para "enxertar a História dos dois países, uma na outra".
Nas suas aulas, procura forçar um pouco o tema da história portuguesa, verificando a surpresa dos seus alunos quando vão descobrindo alguns detalhes.
"Temos de recuperar alguns dos nossos marcos históricos. É a única forma de nos explicarmos, de tomar consciência do que ocorre no presente e de perceber o que devemos fazer. Até mesmo noutros sectores, como a economia e o direito, onde a matéria histórica se está a perder, há que repensar os novos padrões de estudo", disse o universitário espanhol.
"Seria uma pena que não se aproveitasse a figura de Nuno Álvares Pereira e este momento para recuperar uma época de esforço colectivo (.), aproveitando os exemplos desta figura que, apesar de ser o nosso vencedor, também é um figura de Espanha", disse.
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