Alberto Gonçalves
O Procurador-Geral da República queixou-se, em entrevista ao DN, de possuir os poderes da Rainha de Inglaterra. Com todo o respeito, não é exactamente verdade. Desde logo, porque a Rainha de Inglaterra não pode dar entrevistas a queixar-se de ter os poderes do dr. Pinto Monteiro. Depois, porque ou eu estou enganado ou à Rainha de Inglaterra não cabe "dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade do Ministério Público e emitir as directivas, ordens e instruções a que deve obedecer a actuação dos respectivos magistrados".
A Isabel II nem sequer é permitido emitir palpites acerca das instituições judiciárias inglesas. Já o nosso procurador-geral não só manda nas suas equivalentes de cá como misteriosamente intervém nas de lá, pelo menos a julgar pela rapidez com que assegurou a inocência do eng. Sócrates logo no início da versão britânica da novela Freeport.
O procurador-geral tem o direito de achar que tamanha autoridade não lhe chega? Claro que sim, na medida em que cumpra o dever de agir em conformidade. É duvidoso que um magistrado com a experiência do dr. Pinto Monteiro não conhecesse previamente os reais poderes do cargo para que o nomearam. Se conhecia, o bom senso aconselhava a que recusasse a nomeação. Se não conhecia, o bom senso recomendava que se demitisse com urgência. Se não se demitiu ou demite, o pudor sugere que não venha exigir competências através da imprensa.
Isto, naturalmente, se as afirmações do dr. Pinto Monteiro, sempre desastradas na forma, tivessem alguma razoabilidade no conteúdo. Mas, se por exemplo a gentil arbitrariedade aplicada às "escutas" ao primeiro-ministro não bastasse, o apoio dedicado ao procurador-geral por figuras do gabarito do bastonário dos advogados e da dra. Morgado dos super-processos-que-nunca-vão-longe prova concluden- temente que não há razoabilidade nenhuma.
Há a história pessimamente contada do famoso outlet, há uma investigação curiosamente enxovalhada pelo topo hierárquico e há uma justiça que finge querer influenciar a política para disfarçar a influência que a política exerce de facto sobre a justiça. Há, em suma, pouca vergonha. E não poucos poderes.
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