quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

«Não é possível combater o islamismo
com ideias vindas da Europa»

                           "Não é possível combater o islamismo com ideias vindas da Europa"

                                                                                              Citizen Times

Entrevista a Daniel Pipes realizada em Berlim
em 27 de outubro de 2010

Citizen Times: Sr. Pipes, o senhor dirige várias organizações que se interessam pelo Oriente Médio e pelo Islã e é um dos melhores escritores americanos sobre esse tema. Como tudo isso começou?

Daniel Pipes: Eu sou um historiador do Islão com interesse especial no seu papel na vida pública. Eu obtive o meu Ph.D. em 1978, na mesma época em que o Aiatolá Khomeini apareceu. Pela primeira vez na história moderna, o Islão conquistava um papel importante e notável na vida pública ocidental. O que era um interesse abstracto nos anos 70 do século passado tornou-se muito funcional. Subsequentemente, as questões islâmicas tornaram-se muito actuais. Isso estimulou-me a passar da história medieval para os eventos actuais. Embora eu cubra muitos outros tópicos além do Islão, este permanece como o tema central dos meus interesses. Eu tenho uma perspectiva que espero seja útil para a compreensão do papel do Islão na política.

Citizen Times: E qual seria essa perspectiva?

Daniel Pipes: Que o Islão é extremamente importante na vida pública dos muçulmanos. Que o Islão é uma religião baseada em leis e essas leis são um tanto quanto permanentes e universais. Que elas não são sempre as mesmas em todos os lugares, embora o básico seja constante. Que há épocas de maior ênfase e épocas de menor ênfase, mas os muçulmanos voltam sempre para essas leis. Actualmente, é claro, estamos numa época de maior ênfase. As leis muçulmanas estão muito mais fortes do que quando eu entrei nesse campo há mais de quarenta anos. Como compreender essa mudança, como os muçulmanos a vêem e como o Ocidente lhe responde? Essas são algumas das questões que eu coloco em foco.

Citizen Times: O senhor enfatiza a diferença entre Islã e islamismo. Porquê?

Daniel Pipes: É um erro ver todo o Islão como islamismo. O islamismo é uma tendência dentro do Islão, no momento muito intensa. As pessoas que começam a interessar-se por esse tópico frequentemente inferem que o islamismo é o Islão por completo. Como eu venho acompanhando as questões islâmicas há quarenta anos, quando o islamismo mal existia, tenho uma perspectiva diferente. Além disso, muitos muçulmanos odeiam o islamismo. Portanto, é um erro igualar os muçulmanos aos islamistas, assumir que todos os muçulmanos concordam em aplicar a lei islâmica para se tornarem ricos e fortes ou atingirem a justiça social.

Citizen Times: O que significa  o islamismo significa para si? Trata-se apenas de uma forma tradicional do Islão ou a forma terrorista da Al-Qaeda ou a forma política do Islão como a Irmandade Muçulmana?

Daniel Pipes: A Irmandade Muçulmana é a mais importante organização islamista. No Egipto, Hassan al-Banna modernizou as ideias islâmicas nos anos 20 do século passado e adaptou-as ao modo de vida actual. Ele, assim como outros, transformaram o Islão tradicional numa ideologia. Nos anos 20 do século passado houve um período em que o totalitarismo parecia ser o futuro caminho na Alemanha, na Rússia e especialmente na Itália. Banna tomou as ideias básicas do totalitarismo e aplicou-as ao Islão. Inseriu o conteúdo islâmico na estrutura totalitária. O islamismo é moderno assim como o fascismo e o comunismo são modernos.
A Al-Qaeda vem de uma tradição completamente diferente, a Wahhabi originária da Arábia.

Citizen Times: Porque é que o Islão e o totalitarismo combinam com tanto sucesso?

Daniel Pipes: Durante décadas essa combinação não tinha esse sucesso. Agora ela predomina graças a muito trabalho de um grande número de islamistas por um longo período de tempo – além da carência e do desejo de concretizar essa expectativa. O grande desafio para os muçulmanos no período moderno é o de explicar o que esteve errado: Porquê os muçulmanos, que acreditam dever ser o povo mais próspero e mais poderoso, na realidade são os menos prósperos e os menos poderosos? O que esteve errado? Especialmente a partir dos anos 70 do século passado, o islamismo apresentou uma resposta muito convincente e amplamente aceite para essa questão: Se quiser ser próspero, diz a resposta, então aplique a lei islâmica. Viva de acordo com a lei. Difunda a lei.

Citizen Times: Mas essa visão é bem semelhante a judaica. E os judeus não são de maneira alguma um perigo para o mundo…

Daniel Pipes: O Islão e o judaísmo são semelhantes no tópico em que ambas se baseiam em leis, diferente do cristianismo. Porém a lei judaica, conforme compreendida nos últimos 2000 anos, está limitada ao direito privado. Em comparação, a lei islâmica é tanto pública quanto privada. Não existe lei judaica para tratar da guerra; mas há uma lei islâmica para a guerra.

Citizen Times: O Islão é uma religião?

Daniel Pipes: É, o Islão é uma religião monoteísta como o judaísmo e o cristianismo. O islamismo é uma ideologia utópica radical como o fascismo e o comunismo.

Citizen Times: Nós derrotámos o fascismo e o comunismo através das guerras. Há a possibilidade de se derrotar o islamismo e ficar apenas com Islão, a religião?

Daniel Pipes: Há. A Segunda Guerra Mundial acabou com o fascismo como força mundial; não tem sido um fenómeno sério desde então. A Guerra Fria efetivamente acabou com o comunismo. O desafio islamista precisa de ser derrotado de maneira semelhante. 1945 foi o resultado de sangue e aço; 1991 foi o resultado de factores complexos, mas os seus estágios finais não foram violentos. Esses são os pontos finais, violência total e quase sem violência. O caminho da vitória contra o islamismo certamente cairá em algum ponto entre os dois.

Citizen Times: O que isso significa na prática? Temos que guerrear no Iraque, Afeganistão ou no Irão para levar-lhes a democracia e para no final parar com o islamismo?

Daniel Pipes:  Em princípio, sim para a democracia, mas actualmente é bom ir devagar, devagar, devagar, porque, ironicamente, no presente momento, a democracia fortalece o islamismo. Eu concordei com a mudança na política de George W. Bush em 2003 de se concentrar na formação da democracia, mas avisei então sobre a necessidade em ir com cuidado. Ele não foi cuidadoso, portanto acabou criando novos problemas.
Derrotar o islamismo requer o uso desde bombardeios até rádios, de travar a guerra quente até ao confronto na guerra cultural. Devemos usar a economia, a diplomacia e tudo mais. As guerras já não são travadas literalmente apenas no campo de batalha mas frequente e principalmente no campo das ideias. Converge-se muito na violência, especialmente na violência terrorista. As pessoas tendem a reduzir o problema a "guerra contra o terror". É claro, o terrorismo faz parte dela, mas não de toda ela.

Citizen Times: Não é necessário o terror para fomentar o islamismo?

Daniel Pipes: De maneira alguma. Os registros mostram que os islamistas tiveram mais sucesso com meios não violentos do que com meios violentos. O Primeiro Ministro Recep Tayyip Erdoğan na Turquia e as organizações islamistas no Ocidente tiveram mais sucesso do que Khomeini ou a Al-Qaeda. Eles alcançaram mais operando através do sistema político, escolas, media e tribunais de justiça do que os seus colegas por meio das explosões. Como é possível chegar ao topo matando pessoas sendo tão fraco como os islamistas o são? Por outro lado, não é difícil compreender como operar através do sistema o levará ao topo. Eu observo com fascínio e horror como esse processo funciona no Ocidente e com maior rapidez no Reino Unido. A Turquia e o Reino Unido são países especialmente importantes a observar.
Assumindo que os iranianos não adquiram ou não explodam bombas atómicas, a Turquia é uma ameaça maior a longo prazo, digamos em 20 ou 30 anos. O Irão não será um problema de tão longo prazo porque os iranianos resistem ao islamismo. A Turquia é o maior problema em desenvolvimento porque lá os islamistas estão a operar através do sistema e estão a trabalhar bem. Nota: Não há terrorismo vindo da Turquia.

Citizen Times: Mas como podemos vencer essa guerra de ideias nos nossos países? Nós mostramos a nossa vida livre todos os dias às comunidades muçulmanas, mas elas parecem distanciar-se mais e mais.

Daniel Pipes: São necessários dois passos para se vencer essa guerra. Primeiro, os não muçulmanos devem utilizar os diversos meios de que dispõem. Segundo, os muçulmanos devem oferecer uma alternativa ao islamismo. Precisamos de um Adenauer, de um Yeltzin, para apresentar algo melhor. Essas analogias não são perfeitas, mas dão uma ideia do que eu quero dizer. Não é suficiente derrotar o regime totalitário; alguém precisa apresentar uma visão alternativa. É aí que os muçulmanos reformistas desempenham um papel crucial. Eles estão apenas no começo desse trabalho e ainda irá demorar muito até que tenham um programa completo para oferecer. É crucial que eles obtenham ajuda e encorajamento dos não muçulmanos.

Citizen Times: O senhor discorda da Ayaan Hirsi Ali, que se opõe aos muçulmanos reformistas, porque acredita ele, eles misturam tudo e pioram ainda mais as coisas?

Daniel Pipes: Eu respeito-a muito, porém também discordo dela nesse ponto. Necessitamos de uma política que coloque o Islão na nossa direcção. Condenar o islamismo não é o suficiente; necessitamos de um programa para derrotá-lo, um mecanismo que nos leve à vitória. Os críticos do Islão como Ayaan Hirsi Ali não apresentam um programa desse tipo.
Todas as religiões têm história, o que significa que elas mudam com o passar do tempo. Eu vi isso na minha própria carreira, porque o islamismo era praticamente inexistente quando entrei no campo de estudos islâmicos no final dos anos 60 do século passado. Hoje ele domina. Se o islamismo pode ascender, também pode cair. Em contrapartida, Hirsi Ali vê o Islão como permanentemente estático e imutável.

Citizen Times: Ela diria que seu programa é educação: Educação sobre o estado secular e os valores humanistas. Isso não é um programa?

Daniel Pipes: Dois pontos: Primeiro, ela está repetindo em parte o que eu digo sobre o Islão reformista. Ensinar humanismo aos muçulmanos em última análise significa reformar o Islão. A propósito, essa era a situação que predominava no "período liberal" muçulmano entre 1800 e 1940.
Segundo, a ideia islamista é tão poderosa que a educação secular ocidental não obtêm êxito. Vemos isso na Europa, onde as escolas estaduais ensinam secularismo, mas na maioria das vezes fracassam em convencer os estudantes muçulmanos que acreditam ter uma ideia superior, na realidade uma civilização superior. "Não é possível combater o islamismo com ideias vindas da Europa". Apenas algo vindo de dentro do Islão poderá derrotá-lo; ideias vindas dos muçulmanos deverão debater ideias vindas de muçulmanos. Trata-se de uma guerra civil muçulmana, sem que um lado ainda tenha mobilizado tropas dando a ela uma dimensão desproporcional.

Citizen Times: Isso significa que Geert Wilders está errado quando diz que o Islão é imutável?

Daniel Pipes: Sim. Eu o considero uma personalidade heróica e escrevi que ele é o político mais importante na Europa. Ele e eu estamos na mesma trincheira. Estamos combatendo os mesmos inimigos. Porém entendemos de forma diferente o futuro do Islão. Não vejo que ele tenha um programa viável dentro do contexto de uma democracia liberal. Não se pode, e eu não quero, jogar fora tudo que alcançamos para lidar com os islamistas. Quero lidar com eles de maneira condizente com o que somos.
Os muçulmanos têm os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades de qualquer outro. Eles só não possuem direitos especiais. Quero que sejam cidadãos normais, nem em condições piores nem em condições melhores. Temos o poder legislativo porque as coisas mudam. Não é possível ter leis que não mudam nunca. Estou perfeitamente disposto a adaptar-me aos muçulmanos e ao Islão de maneira razoável. Contudo, não estou disposto a aceitar mudar basicamente o que nós somos. Quando os muçulmanos vêm para o Ocidente, eles devem aceitar os costumes ocidentais. Eles podem postular uma adaptação razoável ao sistema existente; eles não podem mudar o próprio sistema. Os islamistas estão a tentar mudar o sistema. Temos que fazê-los recuar e dizer não, de maneira nenhuma.

Citizen Times: O número de criminosos muçulmanos na Europa é maior do que o da população local, têm menos emprego e são mais dependentes dos programas de bem estar social.

Daniel Pipes: Os muçulmanos na Europa estão repletos de patologias: miséria, desemprego, crimes violentos, tráfico de drogas e assim por diante. Sim, os muçulmanos são parcialmente responsáveis por esse conjunto de problemas, mas francamente, também é o resultado de acções praticadas pelos europeus nativos. Os europeus frequentemente resistem em aceitar, empregar e negociar com os muçulmanos de igual para igual. Günter Wallraff, jornalista alemão, fez-se passar por um turco em 1985 e dessa forma demonstrou os transtornos pelos quais passa um trabalhador estrangeiro. Eu não gostaria de procurar trabalho na Alemanha, nem naquela época nem hoje, com o nome de Maomé.

Citizen Times: Quanto a procurar um trabalho com um nome muçulmano: Os alemães sempre rejeitaram essas pessoas em virtude da xenofobia ou rejeitaram-nas devido a todos os problemas relacionados aos funcionários muçulmanos?

Daniel Pipes: Ambos: A situação resulta do preconceito e do comportamento dos muçulmanos.
A título de comparação, observe os Estados Unidos, onde as patologias sociais mal existem entre os muçulmanos. Os Estados Unidos têm problemas com os extremistas, sem dúvida. Contudo, lá, em geral, não existe um "problema muçulmano". Não foram desenvolvidas áreas de concentração geográfica muçulmana, apenas uma ou duas excepções, sendo que essas não são particularmente problemáticas. Os americanos aceitam e empregam os muçulmanos com mais facilidade. Além disso, o sistema de bem estar social menos abrangente nos Estados Unidos faz com que os muçulmanos sejam menos dependentes das benesses do governo e mais empreendedores. A combinação de preconceito e bem estar explica muito sobre a situação difícil dos muçulmanos na Europa.

Citizen Times: O jornalista americano Christopher Caldwell escreveu um livro intitulado On the Revolution in Europe no qual sustenta que a imigração muçulmana mudará a Europa a partir de suas raízes.

Daniel Pipes: Concordo e acredito que a Europa enfrenta grandes problemas e opções sombrias. Eu vejo um desses dois prováveis futuros complicados para a Europa. Um deles está resumido pela palavra Eurábia, significando a extrapolação das tendências dos últimos 55 anos: mais muçulmanos, mais Islão, mais leis islâmicas e mais islamização, conforme simbolizado pela Mesquita de Notre Dame em Paris. O outro futuro envolve resistência à islamização, conforme representado pelo seu mais novo partido político, Die Freiheit.
Na realidade, a última está aumentando com mais rapidez. Se for feito um gráfico dos muçulmanos e do Islão a partir de 1955, ele sobe gradualmente. Mas se for feito um gráfico do anti-islamismo desde 1990, a ascendência é mais rápida. Em todos os lugares que você olhar há um aumento nos sentimentos anti-islâmicos.
Eu preocupo-me em ambos os casos. Não gosto da Eurábia e temo que os sentimentos anti-islâmicos levem ao populismo, fascismo, insurreição civil e violência. A ampla relutância dos líderes em cuidar desse tópico só pioram as coisas.

Citizen Times: Então, esse movimento anti-islâmico é apenas uma nova forma de fascismo ou xenofobia ou realmente existe um perigo no Islão?

Daniel Pipes: A realidade inspira sentimentos anti-islâmicos, mas eu preocupo-me a esse respeito. Espero muito que os europeus ajam com responsabilidade. Agora mesmo, há relutância em lidar com partidos políticos críticos ao Islão. Actualmente há uma crise política na Suécia devido a isso. Quando Jörg Haider era primeiro ministro, a Áustria era tratada como a Rodésia. Não me importo com Haider, porém há a necessidade do reconhecimento dos temores que ele representa.
Quanto mais os partidos antigos ignorarem esses temores tanto mais extremadas se poderão tornar suas manifestações. Os partidos antigos têm a responsabilidade de reconhecer esse conjunto de questões e incorporá-los, legitimá-los para que não se radicalizem. A Holanda é provavelmente o país chave devido ao facto de estar mais adiantada nesse processo. O que Geert Wilders irá fazer? Qual será a reação a ele? Trata-se de um importante precedente para a Europa.


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