sábado, 27 de agosto de 2011

O ensino militar

A NEGATIVA MINISTERIAL À IMPLEMENTAÇÃO
DO 1.º CICLO DO ENSINO BÁSICO
NO COLÉGIO MILITAR

João José Brandão Ferreira

Confesso que esta decisão me confundiu os neurónios e só por isso decidi gastar uma vela deste sebo.

De facto a questão central desta triste novela (mais uma) reside na(s) razão(oes) da decisão, já que nada do que veio a público me convenceu das reais intenções.

Lembrei-me do Poirot e fui investigar.

Eis o que consegui apurar sobre o “iceberg” que se me deparou.

A cronologia dos eventos e seus interlocutores é fundamental para se perceber a meada.

A ideia de se passar a ministrar o 1º ciclo do ensino básico no Colégio Militar (CM) começou a tomar forma ainda no âmbito da anterior direcção do CM, incentivada pela respectiva Associação de pais e pela Associação dos Antigos Alunos. Esta ideia foi bem acolhida pelo actual Director do CM, Coronel Cóias (que tomou posse em Agosto de 2010), o qual decidiu passar a proposta ao papel e oficializá-la superiormente. Estávamos em Fevereiro deste ano.

Antes disso, e por sua iniciativa, estabeleceu contactos preliminares com a DREL – Direcção Regional do Ensino de Lisboa e Vale do Tejo – a fim de se proceder a uma avaliação prévia do ante-projecto e saber se tudo estava conforme os preceitos emanados do Ministério da Educação (ME). O projecto, na generalidade, foi elogiado pelos técnicos com algumas sugestões/requisitos, nomeadamente em termos de arquitectura das salas de aula, que foram de imediato atendidas.

Em princípios de Março de 2011, o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), aprovou o projecto e deu-lhe prioridade, e no fim deste mês a Direcção Geral de Pessoal e Recrutamento Militar (DGPRM) foi informada do modo como o Exército gostaria de o implementar.

Por ofício dos primeiros dias de Maio, o gabinete do CEME informou o Ministro da Defesa (MDN), do mesmo. Este é passado, sucessivamente, ao Secretário de Estado (SE) e ao DGPRM. No final do mês de Maio, este último entendendo que os dados apresentados são insuficientes, coloca questões e quer saber pormenores para o habilitar a elaborar um parecer fundamentado.

No inicio de Junho o Exército esclarece os dados solicitados que permitiu à DGPRM considerar viável, do ponto de vista técnico, a proposta em causa.

Deste modo, nos primeiros dias de Junho o DGPRM, oficia o chefe de gabinete do MDN, onde dá conta de (ainda) alguma insuficiência de dados, mas não inviabiliza a proposta. Remete, contudo, a decisão para uma avaliação política da questão. Ou seja “forçou” a equacionar se na actual situação política e de reordenamento do parque escolar, devem existir estabelecimentos de ensino básico tutelados pelo Exército.

O Ministro Santos Silva nada decide e, entretanto, muda o Governo.

O gabinete do SE cessante, tinha preparado um dossier com os assuntos pendentes, a ser entregue à nova equipa, o que foi prejudicado pelo tempo que o novo Gabinete do SE levou a instalar-se.

Em desespero de causa – dada a urgência do timing, por causa das candidaturas das crianças – o Gabinete do MDN, conseguiu fazer chegar ao ME, com carácter de urgência, a documentação sobre este assunto.

A resposta do ME foi célere (15 de Julho), confirmando não haver qualquer impedimento legal ou pedagógico, para que o projecto do 1º ciclo do ensino básico no CM avançasse.

Três semanas depois deste parecer positivo do ME e depois de já estarem fechadas as matrículas no ensino básico e afixadas as listas dos candidatos admitidos nas escolas públicas, o DGPRM fez a seguinte proposta: “A implementação do 1º ciclo do Ensino Básico no CM carece de ser integrada num estudo, isento e exaustivo acerca da razoabilidade, viabilidade, sustentabilidade e manutenção dos estabelecimentos militares de ensino secundário, particularmente num quadro da profunda reforma no parque escolar e de reordenamento da rede escolar nacional, não estando reunidas as condições que permitam a iniciativa no ano lectivo 2011-2012”.

Na sequência, deste parecer do DGPRM, o SE despachou negativamente a execução do projecto, questionando a viabilidade económica (isto é, o lucro) da iniciativa – invocando até, “os compromissos internacionais da República”! – referindo o “tardio início do processo de submissão para avaliação e decisão”, mas nada dizendo sobre a magna questão da existência dos próprios colégios.

Daqui resultou ter que se anular o concurso de admissão que estava em fase final de execução, já com 70 alunos apurados. O impacto nos familiares das crianças foi grande e teve eco público. Felizmente a Direcção do CM deu uma ajuda grande na recolocação dos alunos, estando já todos inscritos noutras escolas.

Entretanto apareceram notícias na comunicação social onde se dava conta que o Exército teria avançado com um projecto sem estar para isso autorizado e outras “malfeitorias”. Desta vez o Exército defendeu-se, mas a decisão ministerial manteve-se. Quem tinha razão nisto tudo continuava um mistério…

As verdadeiras razões porque o governo decidiu não autorizar o 1º ciclo do ensino básico no CM – matando assim o projecto, mesmo no futuro – mistério são.

Agora só o Poirot, não chega, vai ser preciso também o Sherlock Holmes.

As razões têm (devem) que ser ponderosas, já que ninguém pôs em causa a bondade e conveniência da ideia e entre os gravíssimos problemas que afligem a Defesa e as FAs, este caso não aparenta ter importância e complexidade para dar origem a um imbróglio destes. Há umas décadas atrás, este seria um assunto que qualquer capitão resolvia. Agora é preciso ir ao Ministro…

No entanto, surgiu uma ideia de colocar os três estabelecimentos de ensino militar fora da tutela do Exército e passar a ser o IASFA (Instituto de Apoio Social das Forças Armadas) a exercer essa função. Tal ideia foi veiculada pelo assessor para a segurança do Primeiro-Ministro (PM), Major General Chaves, que aparenta ir ser um super assessor, com gabinete fronteiro ao PM, ao contrário do anterior assessor militar, que estava no fundo de todas as caves e raramente era ouvido.

A ideia não é desajustada de todo mas está longe de ser viável, por inadequação absoluta de meios por parte do IASFA. Disso foi informado o assessor.

Estando tudo preso por fios e a caminho da ruptura em todos os sectores (excepção feita para aqueles que todo o país já hoje conhece), convém ter o máximo critério em mudar alguma coisa. E só o fazer quando existem inquestionáveis vantagens futuras, resistindo assim ao mudar só por mudar. Veja-se o que se está a passar na Saúde Militar, e a inadequação profunda em que já caíram a Justiça e a Disciplina Militares.

Sendo aquele último episódio marginal ao problema, resta tentar perceber o que estará por detrás da negativa do governo.

Poderá tratar-se de um ajuste de contas com o CEME, que está de saída antes do fim do ano? É certo que existe forte turbulência nas relações entre políticos e militares, a nível de chefias, havendo numerosos desencontros de ideias e procedimentos – casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão…

Não nos parece, porém, que tal tenha a ver, directamente, com a questão em apreço. E seria maldade pura para com o CM e os alunos, que não têm culpa nenhuma em eventuais guerras alheias.

Poderá ser o Governo a dar uma de autoridade, escudando-se no facto, do concurso para admissão de alunos ter sido aberto antes de haver uma autorização expressa, superior? Pode ser, mas se assim for escolheram mal o alvo e o “timing”, pois prejudicaram terceiros e inviabilizaram um bom projecto.

Além do mais o modo como tudo se processou merecia (se houvesse boa mente), alguma complacência e não severo julgamento. É certo, que todo o processo foi espoletado um pouco tarde pelo Comando do Exército mas tem que se perceber a situação havida, os acordos e competências, já existentes e ter em consideração que não houve qualquer tentativa de dolo. A situação era, ainda, de crise política e de campanha eleitoral permanente.

Ou seja, se quiseram dar uma de autoridade (e estou crente que esta componente existiu), borraram a pintura.

Finalmente – e não se vislumbram outras razões – estamos em crer que o busílis da questão tem a ver com a frase do parecer do DGPRM, Dr. Alberto Coelho, que remete a decisão do projecto para uma análise política e pondo em causa a própria existência de colégios militares.

É esta frase que pára o projecto e o que isto quer dizer é que o MDN e o SE vão querer avaliar se os colégios militares são para continuar ou para acabar. Esta é a ameaça que nunca deixou de existir, nos últimos 35 anos, mas que, agora, está em cima da mesa.

O Dr. Alberto Coelho tem grande experiência na DGPRM, onde subiu a pulso, ocupando quase todos os lugares. Não caiu lá agora, tipo pára-quedista, como é o caso do ministro e do seu SE. É conotado com o CDS (e também com outras coisas que não vêm ao caso); trabalhou durante seis anos com governos socialistas e nunca levantou (que se saiba), a questão. Porque o fez agora? E porque resolveu o governo, “in extremis”, levá-la a peito?

Eis as questões que Holmes reputaria de “elementares” falando com Watson. Questões que vão direitinhas para o Conselho de Chefes Militares.


1 comentário:

Anónimo disse...

A questão não será tanto se devem existir ou não os Estabelecimentos Militares de Ensino (EME). Na minha singela opinião eles constituem uma oferta educativa diferenciada que é reconhecida por todos os intervenientes no sistema escolar (embora os próprios militares parecem ter alguma relutância em colocar os seus filhos). A questão passa pela sustentabilidade da gestão individual dos 3 EME e, dada a sua utilidade social para as Forças Armadas, a sua dependência de um Ramo cujao produto operacional o distancia da realidade escolar e dos seus diferentes interlocutores.