Alberto Gonçalves, DN
Se o dr. Passos Coelho não cumpriu a promessa de não subir os impostos, cumpriu a de publicar um site (ou uma fracção de um site) com as nomeações do Governo. Por mim, trocava. A quantia estrafegada no IRS dava-me jeito. Já não estou certo da serventia das informações agora divulgadas na internet. Eu quero mesmo saber que o secretário de Estado da Cultura beneficia de quatro motoristas a 1 866,73 euros/mês e 5 especialistas a 3 163,27 (menos um, coitadinho, que teoricamente aufere o salário mínimo)? E quero saber que a ministra da Agricultura possui 5 adjuntos (3 069,33 euros de vencimento bruto)? E quero saber da existência de um adjunto do Secretário de Estado adjunto do Ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, que misteriosamente existe? E quero saber da pequena multidão de alegadas sumidades que invadiu as chefias da CGD? Não quero. Mas, graças ao site, aliás permanente e deprimentemente actualizado, não tenho alternativa.
Sendo uma virtude, a transparência também pode ser uma fonte de angústia. Quando o Governo anterior distribuía discretamente resmas de amigos por resmas de empregos disponíveis ou inventados na hora, a discrição poupava-nos ao sofrimento de testemunhar o destino das verbas que o Estado amavelmente nos extrai. A transparência mostra-nos com particular crueldade aonde o nosso dinheiro vai parar: de futuro, um agregado familiar perceberá que a razão pela qual não consegue comprar aquele televisor com tecnologia led é porque o montante que lhe falta contribui para sustentar os três assessores do secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação. Daí a designação "contribuinte".
No fundo, é a diferença entre sofrer um desastre a dormir e correr contra o muro de olhos bem abertos. Além de inúmeras proezas similares, o pudor do eng. Sócrates levava-o por exemplo a orçamentar por baixo os gastos salariais dos funcionários públicos, habilidade que, segundo Vítor Gaspar, explica em parte o famoso desvio de 2 mil milhões nas contas. Além da transparência, o Governo actual parece empenhado na sinceridade. Resta apurar em que é que isso nos beneficia se, desde a taxa extraordinária que remendará metade do desvio dito "colossal" às nomeações com que se atafulha a hospitaleira máquina estatal, até ver a transparência e a sinceridade concentram-se muito mais no aumento dos encargos de quem obedece do que na moderação da despesa de quem manda.
Nas necessidades a sério, das privatizações das grandes empresas públicas à supressão das pequenas, da reforma autárquica aos despedimentos na administração e, em suma, ao anunciado alívio do peso do Estado intrometido e clientelar, o discurso surge enrodilhado em contradições e tende para o opaco. É preciso tempo e ponderação? Provavelmente, embora nas medidas que prejudicam a ralé se tivesse dispensado ambos. Resta-nos esperar, esperar que os presságios se enganem e que o Governo não seja um caso perdido. Por enquanto, é apenas um caso. Perdidos, e sem um adjunto do adjunto do adjunto que nos valha, andamos nós.
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