A Provedoria de
Justiça está a analisar uma queixa que pretende travar o Acordo Ortográfico
(AO). Trata-se de um pedido de revisão da constitucionalidade do Acordo, feito
por Ivo Miguel Barroso, professor da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, que garante que as novas regras de escrita são inconstitucionais.
Ao mesmo tempo, um
grupo de cidadãos está a recolher assinaturas para entregar na Assembleia da
República e tentar travar o Acordo e vários escritores como Miguel Sousa
Tavares e Vasco Graça Moura recusam escrever com a nova grafia. E há até pais
que estão a pedir às escolas para que os filhos não aprendam as novas regras
(leia aqui).
«A nossa
Constituição é rígida», explica Ivo Barroso, sublinhando que «nenhum tratado
internacional – como o Acordo Ortográfico – ou recomendação da Assembleia da
República podem mudar o que está na lei fundamental do país».
Ou seja, não é por
haver um acordo entre os países de Língua Portuguesa que se pode mudar a
ortografia que foi usada para escrever a Constituição. Mas esta não é, segundo
o especialista, a única inconstitucionalidade do AO.
«Há uma violação
grave da identidade nacional e estão em causa direitos fundamentais como o
direito à Língua».
Ivo Miguel Barroso
defende que «a Língua não se muda por decreto». Lembra que no passado houve
«reformas ortográficas», mas nota que «nunca as alterações foram tão profundas
como se propõe agora».
Contactada pelo
SOL, a Provedoria de Justiça adianta apenas que a queixa «está a ser
analisada».
Acordo não está em
vigor
Mas esta não é uma
tentativa isolada para travar a aplicação das novas regras ortográficas. O
tradutor João Roque Dias tem usado a internet para divulgar o que considera
serem as «aberrações» do AO. E assegura que não há nada que obrigue a usar a
nova ortografia, porque «o Acordo não está em vigor».
Argumentos
jurídicos não lhe faltam. «Não há nada que revogue o decreto-lei de 1945, que
define as regras da ortografia que usamos», explica lembrando que a legislação
nacional que suporta o AO resume-se a uma resolução da Assembleia da República
de 2008 e a uma resolução do Conselho de Ministros de 2011 – que obriga todos
os documentos oficiais a usar o ‘novo’ Português a partir de 1 de Janeiro de
2012 –, «que juridicamente estão abaixo do decreto-lei e não o podem revogar».
António Emiliano,
professor de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, é da mesma opinião e
lembra que até a forma como o Acordo foi feito na CPLP (Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa) é questionável.
«Foi definido que
se três países aceitassem o Acordo – neste caso Brasil, São Tomé e Cabo Verde –
passaria a estar em vigor, quando a regra na CPLP é a aprovação por
unanimidade».
Emiliano acredita,
aliás, que a oposição de Angola e Moçambique – que não ratificaram o tratado –
pode travar a nova ortografia.
«Angola pode ter um
papel determinante», diz. O linguista critica ainda o facto de não haver
qualquer estudo sobre os impactos das alterações introduzidas pela nova
ortografia e alerta para as consequências económicas:
«Ninguém sabe ao
certo quanto será preciso gastar para adaptar ao Acordo os documentos oficiais
e livros».
António Emiliano
alerta, aliás, para o facto de a nova escrita mudar para sempre a forma como se
pronunciam as palavras.
«Na maior parte dos
casos, as consoantes mudas servem para abrir as vogais», esclarece, dando um
exemplo: «Podemos deixar de dizer ‘telespéctadores’ para passar a ler
‘telespêtadores’».
E há ainda as
confusões geradas pelo facto de se deixarem de escrever todas as consoantes que
não se lêem sem ter em atenção as palavras que derivam umas das outras.
«Há dias, a minha
enteada de 15 anos não conseguia perceber a palavra ‘aspetual’ porque não viu
que tinha relação com a palavra ‘aspecto’».
Razões suficientes
para Emiliano considerar que o Acordo «é anti-linguístico e não tem respeito
pelas regras da etimologia [a evolução das palavras]».
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