A diferença
Vasco Pulido Valente, Público, 23.11.2013
O dr. Mário Soares não percebe, ou não quer perceber, que prevenir
contra a violência é ao mesmo tempo um incitamento à violência. E pior do que
isso nunca explica em que espécie de violência está a pensar.
Não pensa com certeza nas barricadas de Vítor Hugo ou da revolução de
1848. Não pensa também numa revolta do Exército, que está unido e relativamente
resignado. Ou numa insurreição popular como a «Maria da Fonte». Quando muito,
pensa em um ou outro distúrbio na Avenida da Liberdade ou no centro do Porto,
com uma quantidade respeitável de pancadaria e algumas montras partidas. Só que
essa violência seria em princípio inconsequente e não mudaria nada, excepto a
taxa dos juros. E o espectáculo de que o país não gosta e a que não está
habituado talvez viesse mesmo a fortalecer o Governo.
Mas Quinta-Feira, 21, oito corporações policiais (da Judiciária ao SEF)
afastaram as barreiras e subiram a escadaria da Assembleia da República sem
encontrar resistência. Obviamente os polícias não queriam agredir os polícias;
e, se os manifestantes tivessem acabado por entrar na sala de sessões e
escavacado meia dúzia de bancadas (o que não é difícil), em que situação
ficaria o poder? Ou chamaria o Exército para, como se dizia, «restabelecer a
ordem», ou ficaria à mercê do primeiro cidadão que o achasse, como Vasco
Lourenço, digno de paulada. De qualquer maneira, daqui em diante as forças de
segurança não garantem segurança nenhuma: se não se mexeram contra os colegas
para cumprir a lei, porque se incomodariam agora com um pequeno tumulto de
civis, que não conhecem e com quem provavelmente simpatizam?
E há mais. Se o Governo e o Presidente da República ficassem paralisados
por falta de protecção, quem os substituiria? Não existem nos partidos corpos
paramilitares. Uma intervenção externa não é sequer imaginável. Então, o quê?
Uma junta de generais, com um título pomposo, que não hesitaria em acabar com a
democracia e com o Estado social. A indignação da Aula Magna, como anteontem se
exprimiu, leva rapidamente ao desastre; e o desastre, a suceder, não tardaria a
liquidar tudo o que é estimável e bom em Portugal. Espanta que o dr. Soares não
compreenda isto. E espanta a irresponsabilidade com que o Governo tratou as
polícias. Existe uma diferença essencial entre um civil e um homem da GNR ou da
PSP: os civis não andam armados. Um facto que aparentemente ainda não entrou na
cabeça dos nossos chefes democráticos.
Sem comentários:
Enviar um comentário