Daniel Pipes
Antes de dar as boas vindas ao surgimento do estado do Curdistão no Norte do Iraque, confesso ter-me oposto, no passado, à sua independência.
Em 1991, após o fim da guerra do Kuwait, quando Saddam Hussein atacou seis milhões de curdos no Iraque, apresentei três argumentos contra a intervenção americana em favor dos curdos, ainda correntemente ouvidos hoje em dia:
1 – A independência poderia significar o fim do Iraque como estado.
2 – Poderia incentivar agitação curda na Síria, Turquia e Irão, levando à desestabilização e a conflitos de fronteira.
3 – Provocar a perseguição de não-curdos, causando «enormes e sangrentas migrações populacionais».
Mapa mostrando o Governo Regional do Curdistão, com a recente conquistada província de Kirkuk, em verde. |
As três hipóteses estavam totalmente erradas. Dado o péssimo histórico do desempenho tanto na política interna quanto externa, o fim de um Iraque unificado promete certo alívio, assim como também as agitações curdas em países vizinhos. A Síria conta com fracturas em três componentes étnicos e sectários: curdos, árabes sunitas e árabes xiitas, que prometem benefícios a longo prazo. A separação curda da Turquia impede, de forma positiva, as impulsivas ambições do já presidente Recep Tayyip Erdoğan. De forma semelhante, a fuga dos curdos do Irão, ajuda a diminuir esse super agressivo mini-império. Longe dos não-curdos abandonarem o Curdistão iraquiano, como eu temia, está acontecendo justamente o contrário: centenas de milhares de refugiados estão invadindo o Curdistão, a partir do resto do Iraque, a fim de se beneficiarem da segurança no Curdistão, tolerância e oportunidades.
Posso explicar esses erros: Em 1991, ninguém podia imaginar que um governo autónomo no Iraque ia prosperar desta maneira. O Governo Regional do Curdistão (GRC), criado no ano seguinte, pode ser chamado (com um pequeno exagero) de Suíça do Médio Oriente muçulmano. A sua população, armada, orientada para o comércio, almeja ser deixada em paz e prosperar.
Também não era possível saber em 1991 que o exército curdo, peshmerga, iria consolidar-se como uma força competente e disciplinada, que o GRC iria rejeitar os métodos terroristas então notoriamente usados pelos curdos na Turquia, que a economia iria gozar de um boom, que as duas famílias políticas mais importantes dos curdos, os Talabanis e os Barzanis, iriam aprender a coexistir, que o GRC usaria de diplomacia responsável, que a sua liderança assinaria acordos de comércio internacionais, que dez instituições de ensino superior seriam criadas e que a cultura curda iria florescer.
Mas tudo isso aconteceu. Segundo a estudiosa israelense Ofra Bengio, «O Curdistão autónomo demonstrou ser a região mais estável, próspera, pacífica e democrática do Iraque».
Erbil, a capital do Curdistão iraquiano está florescendo. |
Qual é o próximo passo no projecto do GRC?
1.º – Após perdas significativas para o Estado Islâmico, é o de reciclar e rearmar o peshmerga e aliar-se tacticamente com ex-adversários, com o governo central iraquiano e com os curdos turcos, passos que terão implicações positivas para o futuro do Curdistão.
2.º – A liderança do GRC assinalou a intenção de realizar um plebiscito sobre a independência, que assume correctamente, irá gerar um tremendo apoio popular. A diplomacia, no entanto, ainda não acertou o passo. O governo central iraquiano, é claro, opõe-se a isso, o mesmo acontecendo com as grandes potências, reflectindo a habitual cautela e preocupação em relação à estabilidade. (Lembre-se do «discurso do Erro Colossal de Kiev» de George H. W. Bush em 1991).
Entretanto, dado o histórico de alto nível do GRC, as potências externas deveriam estimular a sua independência. Os média pró-governamental na Turquia já apoia. O vice-presidente dos EUA Joe Biden poderá basear-se no seu plano de 2006 sugerindo «oferecer a cada grupo étnico/religioso, curdo, árabe sunita e árabe xiita, espaço para gerir os seus próprios negócios, deixando o governo central encarregado de gerir os interesses comuns».
3.º – Já pensou se os curdos iraquianos juntassem forças nas três fronteiras, como já fizeram outras vezes, e formassem um Curdistão único com uma população de cerca de 30 milhões de habitantes e porventura um corredor para o Mar Mediterrâneo? Um dos maiores grupos étnicos do mundo sem um país (uma reivindicação controversa: como por exemplo, os Kannadiga da Índia), os curdos perderam a oportunidade quando dos acordos pós Primeira Guerra Mundial porque não tinham o requisito de ter intelectuais e políticos.
Cada mapa dos povos curdos difere um do outro. Este mostra uma estimativa da sua extensão geográfica, incluindo um corredor para o Mar Mediterrâneo. |
O surgimento agora de um estado curdo irá alterar profundamente a região, incluindo simultaneamente um país novo de tamanho considerável, desmembrando parcialmente os quatro vizinhos. Uma perspectiva dessas deixaria consternada a maior parte do mundo. Porém o Médio Oriente, ainda preso pelo desprezível acordo Sykes-Picot secretamente negociado pelas potências europeias em 1916, bem que precisa de um salutar abanão.
Visto dessa perspectiva, o surgimento de um estado curdo faz parte da desestabilização em toda a região, perigosa, porém necessária, que começou na Tunísia em Dezembro de 2010. Assim sendo, ofereço as boas-vindas, de coração, às suas quatro partes em potencial, para que se juntem rapidamente a fim de formarem um único Curdistão unido.
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