quarta-feira, 7 de janeiro de 2015


A Rússia de Putin


Miguel Monjardino

O aviso chegou no início da semana e foi claro. «Hoje posso dizer que entrámos ou estamos a caminho de entrar numa crise económica de grandes proporções. No próximo ano vamos senti-la na sua máxima força,» disse Alexei Kudrin numa conferência de imprensa em Moscovo.

Kudrin foi ministro das Finanças da Rússia entre 2000 e 2011 e conhece como ninguém a situação dos bancos, empresas e famílias do seu país. As suas declarações são uma crítica clara às posições assumidas por Vladimir Putin no seu discurso anual sobre a situação do país e a tradicional conferência de imprensa de final de ano nas últimas semanas. Para compreendermos melhor o que está a acontecer em Moscovo é preciso recuar um ano e regressar a Kiev.

O assalto russo à Crimeia e ao leste da Ucrânia foi uma reacção de Moscovo à perda do controlo sobre Kiev. O Kremlin agiu para tentar preservar a sua influência numa região crucial do ponto de vista geopolítico e iconográfico para a Rússia e forçar Kiev a participar na União Euro-Asiática. Mas Putin também agiu preventivamente para impedir uma União Europeia cada vez mais dominada por Berlim de se aproximar das fronteiras da Rússia. 2014 é o ano em que o eixo Bruxelas-Berlim passou ser visto por muita gente no Kremlin e na sociedade russa como um adversário. Há muita gente na Europa que ainda não percebeu isto.

A queda do preço do petróleo, a descida da cotação do rublo, as sanções impostas pelos EUA e pela UE e o endividamento externo das empresas estão a criar sérias dificuldades na capital russa.

A queda da Crimeia foi rápida. Mas no leste da Ucrânia as coisas foram muito diferentes. Os ucranianos combateram e as milícias separatistas nunca conseguiram o apoio social da população que por razões religiosas, históricas e políticas é pró-russa. Moscovo foi forçada a intervir de uma forma muito mais clara. O actual impasse militar foi conseguido à custa de um preço elevado.


Segundo algumas organizações não-governamentais russas, Moscovo poderá ter sofrido 4 000 mortos em apenas alguns meses de combate. Como o Kremlin nega qualquer intervenção, ninguém sabe qual é o número de baixas russas. Mas é provável que seja elevado. Além disso, a queda do preço do petróleo e do rublo, o controlo de Washington sobre o sistema financeiro internacional, as sanções dos EUA e da União Europeia, o endividamento externo das empresas russas, a fuga de capital e a queda da confiança estão a criar sérias dificuldades na capital russa.

Kudrin defende que a melhor solução é normalizar rapidamente as relações da Rússia com os países da União Europeia e Washington. Em termos estratégicos isto significa duas coisas: o futuro do país continua a passar pela integração no mundo euro-atlântico e Putin cometeu um erro grave na Ucrânia.

O discurso e a conferência de imprensa do Presidente russo sugerem exactamente o oposto. A integração com a Europa foi um erro, é preciso mudar todo o modelo económico russo para o tornar menos vulnerável a choques externos, virar o país mais para a Ásia e investir muito dinheiro em unidades militares expedicionárias até 2020. Como Putin tornou claro, a Rússia fará esta transição nos próximos anos. Temos de pensar no que é que esta escolha significa a nível europeu e internacional.





Sem comentários: