quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
Eleições gregas levarão a Europa
à sala de operações
António Justo
Os partidos do sul da UE, que são contra a política de poupança, sentem-se com asas depois das eleições gregas. O sul pródigo ganhou provisoriamente contra a moral rígida alemã do bem-comum.
O povo cansado quer mudança e deixa de apoiar governantes corruptos que desde 1974 dirigem os destinos da nação. A Grécia é depois da África o país mais corrupto.
O líder Tsypras tornou-se no rosto provocador da Troika (CE + BCE + FMI) e no admoestador da esquerda socialista e comunista.
No parlamento helénico têm assento 300 deputados. Segundo o direito de eleição grego, o partido vencedor recebe um bónus de 50 assentos no parlamento. A coligação governamental de extrema-esquerda com extrema-direita (Syriza + Gregos Independentes) possui 162 deputados (149 + 13) e a oposição que consta de seis partidos, entre eles o partido comunista, tem 138 deputados.
As promessas e o projecto de Tsypras
O primeiro-ministro Alex Tsypras quer obter uma mudança radical da política; o seu modelo ideológico é Ernesto «Che» Guevara.
Declarou não querer restituir os 190 mil milhões de dívidas; quer distribuir pelos pobres 2 mil milhões de euros; 5 mil milhões num plano de emprego e 4 mil milhões em outros projectos.
Concretamente quer energia gratuita para agregados familiares carentes; serviços básicos gratuitos; criar alojamento para os 30 000 sem-abrigo; subir o montante de isenção de impostos para 12 000€ (na Alemanha a isenção é de 8 354 €); aumentar o salário bruto mínimo de 586€ para 751€; criar 300 000 lugares de trabalho; instaurar uma democracia popular. Para isso pretende lutar contra a corrupção, querendo proceder à recuperação de dinheiros do fundo da UE e do fundo de resgate bancário grego.
Situação da Grécia – continuará a ter de mendigar
A Grécia tem um desemprego geral de 25% e um desemprego juvenil de 48%. A dívida do Estado atingiu em 2014 os 320 mil milhões ou seja 180% do produto interno bruto. Desde 2009 tiveram uma perda de rendimento de 30%. No serviço público trabalham 675 000 empregados, isto é, menos 277 000 que em 2009. Apesar de tudo a economia em 2014 cresceu 0,7.
O FMI e a UE concederam empréstimos à Grécia, no valor de 240 mil milhões de euros. Nos finais de Fevereiro a Grécia precisará de novo crédito. A Troika já teme pelos 240 mil milhões porque Tsipras quer governar sem a Troika.
O governo ainda pode dispor de 11 mil milhões de euros do programa de apoio da UE que serão transferidos para a Grécia no próximo dia 1 de Março. Por outro lado teria de reembolsar, este ano, seis mil milhões de euros ao Fundo Monetário Internacional.
Um país com uma dívida de 180% do produto interno bruto nunca poderá vir a pagar as suas dívidas.
A situação terá de melhorar na medida em que as verbas terão de ser direccionadas para a produtividade e deste modo em benefício do povo.
A ânsia de Tsypras por deixar de ser destinatário de ordens dos emprestadores de dinheiro será uma ilusão tal como se verifica com o FMI em relação a países em vias de desenvolvimento exigindo-lhes o cumprimento de condições para se tornarem dignos de crédito. Sair da Zona Euro seria problemático para a Grécia (embora ganhasse mais autonomia) mas significaria perder o comboio da História.
Teoricamente os gregos terão razão mas praticamente não
O país onde democracia nasceu quer puxar as orelhas às democracias da UE. Surge agora uma democracia messiânica de extrema-esquerda. Tsypras diz não querer usar gravata mas também não poderá tornar-se gendarme!
Apostar no consumo sem uma organização económica produtiva que o sustente é música de embalar que políticos tocam para adormecer o eleitorado. É um facto que as firmas de cada nação têm de produzir o suficiente para pagar os seus serviços e as reformas. Por outro lado, um sistema económico (Troika) que tem beneficiado o grande capital e as grandes empresas dos grandes países dando assim razão a quem é contra a poupança louca e quer consumir. A Troika só se preocupou em salvar os bancos, porque se fossem à falência todas as contas bancárias se reduziriam a zero, o que provocaria uma revolução.
A maneira como se poupou não foi eficiente, os investimentos foram mal aplicados e as elites do sistema político e económico serviram-se a elas. O sistema estatal, tal como em Portugal, protege as elites e os gastos vão na direcção errada. Na Grécia 174% da produção económica do país está na mão dos credores. Os títulos públicos gregos a dez anos ascendem a 9% de juros devido à sua falta de fidelidade financial perante um mundo financeiro só interessado nos lucros.
Muitos alemães não vêm com bons olhos a classe política grega e a corrupção que apadrinha. Na Grécia os produtos no mercado são demasiado caros; mas enquanto na Alemanha um iogurte pode estar nas prateleiras até 12 dias na Grécia só até seis. Uma diferença de mentalidade mais ou menos eficiente na produção: em dois anos o gabinete do governo alemão teve 98 sessões de trabalho enquanto o grego teve apenas 9, apesar da situação drástica em que tem vivido.
O BCE num acto de mea culpa já se tinha antecipado à Grécia
O BCE (Banco Central Europeu), apesar de muitas dores de ventre dos países nórdicos, já se tinha antecipado à mudança grega, tomando a decisão de fabricar euros baratos para apaziguar os mercados internacionais, e para poder dar resposta aos países em crise (Assim evitou a desconfiança dos bolsistas).
Os ministros das finanças da UE permaneceram calmos (A economia grega corresponde a 2% da Zona Euro) e a Bolsa mostrou-se indiferente às eleições, registando até uma pequena subida. Isto aconteceu porque o BCE, já tinha prevenindo uma mudança radical na Grécia e tomou, antes das eleições gregas, uma decisão já há anos discutida e devida: o lançamento de 1,4 bilhões de euros até 2016, no mercado da Zona Euro, o que acalmou os investidores, dado o euro barato fortalecer a exportação e favorecer as economias do sul possibilitando a compra da dívida (títulos públicos) dos países mais deficitários.
Urge uma nova atitude nas relações entre UE e os seus membros!
O euro limitou a democracia na Europa. Países e bancos doadores (Troika) só olharam para números o que se revelou um caminho falso. Não consideraram as diferentes economias nem as diferenças culturais entre o norte e o sul da Europa.
Os gregos viram na poupança a mãe do mal e votaram contra a política de austeridade, ditada pelo eixo Berlim-Bruxelas. Até agora, a Troika seguiu os interesses da plutocracia financeira; a Grécia poderia ser um toque a rebate para que apresse uma mudança de atitude em favor das populações europeias.
Tsypras provocará uma reflexão profunda e obrigará (com a esquerda europeia agora avisada e fortalecida) a Troika a fazer correcções ao sistema. Numa luta de díspares, pergunta-se apenas, por quanto tempo se manterá a exigência de uma política europeia para o povo? Na sociedade moderna, com velocidades económicas diferentes e com armas desiguais, torna-se impossível David vencer Golias.
Apesar das muitas vozes para que a Grécia saia do euro, a UE não o quer fazer e por isso agora invertem-se os termos: antes a Troika ditava as ordens, agora a Grécia obriga os grandes a sentarem-se à sua mesa. 80% dos alemães querem que a Grécia cumpra os acordos. Governos instáveis não atraem firmas. No fundo quem vai continuar a pagar as dívidas é o povo grego e o povo das nações do euro. No contexto de interesses divergentes dos diferentes países europeus, será difícil encontrar uma solução que consiga evitar prejuízos para os contribuintes dos países da UE.
Ângela Merkel, símbolo da mentalidade nórdica, quer ser solidária com o sul mas ver, em contrapartida reformas que levem a uma produtividade concorrente a nível mundial; a chanceler pensa a nível da Alemanha e na construção de uma União Europeia forte, mas esquece que a política seguida pela UE favorece os mais fortes e embate com um mundo diferente, que não vem do frio onde se exigem arrecadações para se poder aguentar bem o Inverno, mas de sociedades soalheiras habituadas a viver na perspectiva do dia-a-dia. Encontram-se duas culturas diferentes que se deveriam apoiar, respeitar e aprender uma da outra sem se combaterem.
A UE precisa de um novo plano
Os peritos em economia e política são do parecer que a saída da Grécia do euro seria economicamente suportável mas politicamente muito problemática porque poderia provocar uma bola de neve.
Surgirá um novo plano em que se gaste menos em auto-estradas e invista mais em firmas produtoras de trabalho e riqueza.
A questão das dívidas das nações permanecerá um busílis. Um corte directo das dívidas não será possível porque um país como Portugal teria de perdoar à Grécia centenas de milhões de euros devido ao crédito concedido, quando ele se encontra em situação também precária. Imagine-se que, no caso de perdão das dívidas à Grécia, só a Itália, também ela imensamente endividada, perderia os 40 mil milhões de euros emprestados.
A UE encontra-se num dilema. Sem o perdão de dívidas e sem reformas, o povo grego nunca se porá de pé. Além disso precisa de dinheiro emprestado para as reformas que pretende realizar.
Em vez disso, a Troika usará de instrumentos refinados para conseguir o mesmo efeito: recurso à inflação e, apesar de ela, manter o dinheiro barato (taxa inferior à inflação) com baixíssimas taxas de juros, o que corresponde a comprar tempo.
Entretanto, cada país terá de acertar o passo à concorrência dos produtos a nível mundial. Os custos por peça de trabalho são a directriz da concorrência. Quem produz pouco e produtos demasiado caros, perde a corrida desalmada numa competição global com países de salários imensamente desiguais. Portugal, com o euro, perdeu a concorrência têxtil dos seus produtos em Portugal e na Europa, por não ter tecnologia preparada a produzir a peça ao mesmo preço da manufactura chinesa (por aqui se vê que a UE favorece os países com alta tecnologia e deixa aos outros a concorrência desumana que mais será acentuada por TTIP e TISA).
O euro barato corresponde a uma expropriação dos poupadores e da classe média, aquela que poupa. Na Alemanha, Merkel vê-se pressionada pelos poupadores que vêem o seu dinheiro nos bancos a derreter-se ao sol da inflação que os juros não cobrem.
Há muito dinheiro nos bancos mas estes dificultam créditos a empresas. Os bancos dos países terão de ser obrigados a conceder créditos às firmas em vez de jogarem com o dinheiro que recebem do BCE.
Só uma nova conferência reguladora dos empréstimos e da dívida poderá criar novas perspectivas no sentido de se fazerem investimentos na produção e no crescimento do trabalho e menos em auto-estradas ou objectos de prestígio para políticos. A Troika tem concedido créditos aos estados não se importando o que estes fazem com eles.
A modo de conclusão
Alexis Tsypras tem uma grande carreira à sua frente; faz-me lembrar José Manuel Durão Barroso que, à medida dos nossos revolucionários do 25 de Abril acomodados ao dinheiro e aos privilégios da classe política, foi ascendendo na escada do poder, subindo de chefe do partido maoista PCTP-MRPP até ao cargo de 12.º presidente da Comissão Europeia. Tradicionalmente, o povo precisa de acontecimentos e de pessoas que lhes dêem esperança, para esquecer as dificuldades do momento; o problema é que em cada mudança ou revolução os novos portadores de esperança deixam-se corromper pelo poder, sem os eleitores o notarem, tal como aconteceu com a Grécia e com o 25 de Abril em Portugal.
O poder é assim; por isso todos devem participar dele para o tornar mais controlado e humano. Norte e sul, esquerda e direita são os extremos do mesmo problema! No caminho do tempo as margens perdem-se num nome, tal como as razões do povo que as determinaram. Decisivo é praticar o bem andando direito e a direito. A União europeia encontra-se numa encruzilhada e na sala de operações para se poder levantar mais vigorada e continuar a seguir o caminho da libertação e da dignidade humana, sempre novo, mas já delineado pelos nossos antepassados.
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