quinta-feira, 29 de janeiro de 2015


Oposição extraparlamentar

em marcha na Alemanha


António Justo

PEGIDA é o barómetro do estado de espírito da Nação

Numa sociedade em que o tema sobre estrangeiros desfruta de um interesse relevante tanto positivo como negativo, organiza-se uma oposição extraparlamentar que quer manifestar o seu descontentamento com a política dominante. Desta vez saem regularmente à rua os que não têm oportunidade de se expressar.

O movimento PEGIDA(1) surge, do descontentamento de massas, numa época política em que a democracia já não age em relação aos acometimentos do neocapitalismo e aos problemas sociais, limitando-se a reagir e a esconder-se por trás de um discurso público onde sobressai a hipocrisia. O povo desorientado cada vez se vê mais confrontado com discursos em que falta a cultura dum debate à luz da dignidade humana que deveria ser a matriz da religião, da democracia e da discussão. Os políticos não entendem a voz do povo e o povo sente-se manipulado por interesses que não são os seus.

Causas de insatisfações manifestadas na sociedade europeia-alemã

Uma maioria silenciosa expressa-se em diversos grupos que lhe procuram dar voz. Um sistema social, com jovens e idosos pobres, desesperançados sem perspectivas profissionais, desempregados de longa duração, carentes sociais dependentes da assistência social sem lóbi, tem o descaramento de, com medo, difamar um movimento pacífico dos que não têm a chance de se tornarem visíveis nem oportunidade de dominarem as páginas dos jornais como outros grupos. A pressão na Alemanha exercida, pelos partidos estabelecidos e pela sua imprensa, sobre um movimento popular torna-se avassaladora. Quando o chanceler Kohl exigia maior rigor em relação aos delinquentes estrangeiros até o SPD esteve de acordo, mas agora que Pegida exige o mesmo, é considerada «indecente». (Penso que a exigência formulada é problemática, mas usar dois pesos e duas medidas para estigmatizar um grupo, como se faz hoje nos media contra a mesma tese, não testemunha a equidade na argumentação). Torna-se sempre problemático quando uma parte banaliza a problemática e a outra a singulariza. Tolerância deve valer para todos.

As teses escritas por Pegida soam bem mas os cartazes das manifestações permitem suspeita de infiltração de forças fundamentalistas interessadas em fender a sociedade. As teses são aceitáveis mas «sob uma fachada pode mover-se algo diferente». Medos reais ou difusos de manifestantes e contramanifestantes procuram encontrar qualquer pretexto para drenar o seu vapor. A raiva do povo foi crescendo ao observar que por exigências de muçulmanos (e outros por trás deles), têm sido fórmulas de juramento alteradas e o crucifixo e certos símbolos cristãos têm saído de lugares públicos; além disso observam o sistema de excepção com horários em piscinas públicas para mulheres muçulmanas, isenção de participação em visitas de estudo e em aulas de ginástica; além disso nomes de feiras tradicionais como o Mercado de Natal têm cedido o nome para Mercados do Inverno, etc., tudo incomoda ao não serem verificadas contrapartidas. Aqui junta-se o interesse de muçulmanos ao de organizações secularistas que não suportam referências públicas ao cristianismo (assim muita da agressão contra muitos muçulmanos deveria ser procurada noutros meios que instrumentalizam a religião, como se dá num radicalismo de extrema-esquerda em torno de Charlie). Tudo isto torna mais difícil identificar as causas da insatisfação que depois é atirada para as costas da religião. (Em Portugal também se assiste a uma luta contra a face pública do cristianismo por parte de um socialismo e de uma maçonaria radicais, não se podendo culpar os muçulmanos por tal). Os muçulmanos além da sua situação problemática de comunidade minoritária que se quer afirmar é utilizada por forças secularistas camufladas radicais (instaladas nos estados e com grande lóbi na UE) como pretexto para impor interesses que não têm nada a ver com os religiosos, pelo contrário.

Quem apoia incondicionalmente as caricaturas de Charlie e critica as manifestações de Pegida julga com duas medidas. As caricaturas expressam, a seu modo, as suas críticas e as demonstrações expressam pacificamente, a seu modo, os seus medos colocando perguntas à classe política dominante e a que esta não responde e adia.

A classe política sente-se insegura e questionada

O fenómeno Pegida e as reacções em torno dela são típicos da sociedade alemã; através das intervenções dos políticos nos media, das manifestações e contramanifestações, formam-se consensos que estabilizam o sistema.

Com Pegida a classe política sente-se especialmente incomodada porque o movimento parece conseguir expressar não só os rumores do ventre popular mas também os receios da classe média. O novo partido AfD já metia medo à actual constelação parlamentar e agora junta-se Pegida, associação de utilidade pública, com temas problemáticos quentes que poderão desestabilizar, nas próximas eleições, o partido CDU. O perigo para a concorrência partidária é real, Merkel (CDU) nunca se expressou tão claramente como fez agora em relação a Pegida embora este movimento se expresse dentro da conformidade democrática!

Para a classe política, o importante é trazer o povo alinhado e neste sentido, não importa a argumentação fundada, quando muito, a opinião!

Nas ondas do sentimento, longe das raízes dos factos, surge a provocação de grupos de manifestantes que fomentam conflitos porque cada qual rebaixa o outro em nome do seu direito à liberdade esquecendo que a sua liberdade deve conter a liberdade do outro. Em luta todo o pretexto vale e assim todos se tornam culpados. Pegida tem medo da imigração muçulmana e os manifestantes contrariadores têm medo de perder o poder ou de movimentos de centro-direita virem a ocupar parte dos seus nichos na sociedade e na política.

A sociedade encontra-se doente e cheia de preconceitos tanto nos que motivados pela emoção como, em grande parte, nos que aparentemente motivados pela razão.

Massas à deriva

Tudo se limita a reagir sem pensar as coisas até ao fim. Os fundamentalistas servem-se da generalização, dum modelo de pensar a branco e preto não poupando atributos como «islão terrorista» e «pegida nazi». Outrora argumentava-se com o comunismo para dividir e ordenar a população, hoje faz-se o mesmo com a religião e com grupos incómodos ao sistema. A liberdade de opinião e manifestação deve valer para todos, também num sistema em que o desprezo do pobre não é considerado racismo nem a extrema diferença entre pobre e rico é tida como discriminação.

Os caricaturistas sob a bandeira republicana e em nome da liberdade provocaram muita gente e sentiam-se no direito de ridicularizar a religião, como se não houvesse outros valores ao lado da liberdade nem outros valores a defender senão os do estado laico. O outro lado reage em nome de Deus para calar a voz secular. Os pequenos grupos de provocadores instrumentalizam politicamente a religião e os estrangeiros para rasgarem a sociedade. Como quem usa a violência ganha, a curto prazo, a sociedade tornou-se mais violenta.

A Europa está com medo que a sua fortaleza não resista à sua preponderância económica e cultural; tem medo de ver os seus valores ameaçados (Charlie, Pegida, manifestantes e contramanifestantes). Aqui no centro da Europa, a sociedade ferve; o que impede a explosão é o facto de ter um alto nível de vida económico e social. Um medo difuso e uma insatisfação geral provocam um clima de guerrilha entre uns e outros. Há muito que a Europa não age, apenas reage às investidas do neocapitalismo e aos problemas sociais. A consequência é uma magnetização política e social fomentadora duma desconfiança onde, perante a incapacidade da política, cada qual procura ganhar à custa do outro.

Por vezes a imprensa corre o perigo de apresentar os terroristas como vítimas; por outro lado transmitem a impressão que religiões são o instrumento propício, para a origem de guerras, lançando, além disso, todas as religiões no mesmo pote. O fundamentalista não está interessado em construir pontes, arrenda a razão e a verdade só para si.

Uns defendem a multicultura outros a intercultura.(2) Precisa-se de gente que saiba encontrar o ponto de intersecção dos pontos comuns para, a partir daí, se construir pontes no diálogo social. Tarefa difícil atendendo à força dos lóbis e ao pensar politicamente correcto em função duma classe política promiscuída com a oligarquia do capital. Quem não tem lóbis não tem voz nem risca no sistema.

Gueto contra gueto, generalizações simplistas, muita lavagem ao cérebro, a má avaliação de uns e outros constituem impedimento para encarar os assuntos no seu âmago. Precisa-se de mais ironia em relação à opinião pública e à opinião do outro. Uns media acríticos e acólitos da classe política falhariam a sua função social se continuassem a ter de esconder factos também incómodos em relação à realidade social com a desculpa de quererem impedir argumentos que xenófobos poderiam usar. A focagem deve ser centrada nas falhas da política e da economia que manifestam um vácuo de acção onde prospera a dessolidarização da sociedade.

Os muçulmanos têm de esclarecer que os extremismos de jihadistas e do Estado Islâmico não são consequência do Corão e das Hadith; Pegida tem de se distanciar de extremismos e a política tem de deixar de se envergonhar do cidadão. Pegida reage com medo do islamismo e este medo, se articulado com agressão, leva o muçulmano a encerrar-se em si mesmo com medo de se manifestar fora. O medo e a luta não ajudam ninguém mas poderiam levar os mais distantes a ocupar-se a fundo do assunto.

Todo o crente ou ateu que, em nome da ciência ou da religião, se arroga o monopólio do saber, para condenar ou desqualificar o outro, segue as pegadas do fundamentalismo, alimentando-se no mesmo húmus que conduz ao radicalismo das barbáries de Paris e Nigéria. É fundamentalista um movimento, um partido, uma ciência, uma ideologia ou uma religião que se considere possuidor da razão e da verdade em relação aos concorrentes ao querer impô-la. A exclusão e a generalização alimentam o fanatismo. Todos somos maus, quer sejamos estrangeiros ou alemães, ateus, cientistas ou religiosos, quando se trata de atacar e julgar o outro! Por isso toda a afirmação tem apenas um aspecto de luz com muita sombra a acompanhá-la.


(1) PEGIDA é a sigla que designa em português «Europeus patriotas contra a islamização do Ocidente»; a associação pretende: migração selectiva, política de lei e ordem mais estrita, a reconciliação com a Rússia e atitude crítica em relação à UE. O seu objectivo é «promoção da capacidade de percepção política e a consciência de responsabilidade política». PEGIDA organiza manifestações às segundas-feiras desde 20.10.2014 em Dresden, tendo-se associado outras cidades à iniciativa. O atentado de Paris ajudou a dividir a sociedade civil. Na Alemanha os ânimos da classe disputante encontram-se muito acesos.

(2) A problemática em torno da imigração é um sintoma de causas indiferenciadas que se apresenta como um pretexto para protestar contra a classe política distanciada das preocupações populares. Esquerda e direita procuram pescar turbando as águas do outro. Uma sociedade só orientada para o consumo e para a posse torna-se susceptível de demagogia. Esquece-se a experiência de estrangeiros descriminados mas também a de jovens alemãs serem muitas vezes apelidadas de «cadela vadia alemã» ou seja prostituta pelos seus hábitos sociais não corresponderem a códigos turcos ou árabes. Também a existência de bairros em cidades alemãs onde se não ouve falar alemão causa medo a muito cidadão vizinho. Denegrir uns ou outros não serve a democracia. Verifica-se que ao contrário do que acontece nas manifestações da Pegida, nas manifestações paralelas contra ela praticam-se actos violentos e ataques contra a polícia mas os custos de proteger as manifestações são atribuídos aos manifestantes pacíficos. A imprensa, geralmente mais ao lado da classe política ataca Pegida e não comenta os ataques violentos de manifestações de grupos de esquerda.





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