terça-feira, 24 de fevereiro de 2015


Não há coincidências?


José António Saraiva

Há pessoas que têm o terrível azar de serem constantemente vítimas de coincidências. Acontecem-lhes coisas na vida que, apesar de acidentais, acabam por lançar sobre elas suspeitas infundadas. O engenheiro José Sócrates é uma dessas pessoas.

Começa logo com o seu título de engenheiro. Por infeliz coincidência, um professor que lhe deu passagem em várias cadeiras do curso de engenharia na Universidade Independente, de nome António José Morais, era seu amigo, tendo ambos participado no polémico processo do aterro da Cova da Beira (em que Morais foi arguido). Se não fosse essa amizade com um dos professores mais influentes, não haveria tantas suspeitas à volta da sua licenciatura. É certo que ainda se deu neste caso outra coincidência chata, que ofereceu argumentos aos seus inimigos: o facto de o diploma ter sido passado a um domingo. Mas isso...

Os mamarrachos da Covilhã que Sócrates assinou constituem outro caso pleno de coincidências. Não está em causa a péssima qualidade arquitectónica dos edifícios, alguns assustadores, até porque Sócrates subscreveu-os mas não foi o seu autor. Como técnico da Câmara, não podia assinar projectos para o seu concelho – pelo que assinava-os para outro. Dava-se, entretanto, a azarada coincidência de um técnico desse outro concelho assinar projectos para a Câmara onde Sócrates trabalhava, sugerindo uma (obviamente inexistente) troca de favores.

Para pôr a sua assinatura nos ditos projectos, também era natural que Sócrates recebesse algum dinheiro, tal como os médicos que passam atestados se fazem pagar. Mas quem poderia provar que esses dinheiritos tivessem alguma relação com a assinatura dos projectos? Quem de boa-fé poderia afastar a hipótese de se tratar, apenas, de uma desagradável coincidência?

No Freeport, José Sócrates também só foi suspeito em virtude de uma sucessão de acasos. Doutro modo, ninguém se lembraria de lhe apontar o dedo.

Um deles foi a aprovação do outlet ter ocorrido nos derradeiros dias de vigência do Governo, quando este já estava em gestão. Outra coincidência aborrecida foi o aparecimento de um tio de Sócrates no caso, sabe-se lá porquê. E, já agora, haver um vídeo onde se falava de luvas para um ministro, que por coincidência era depois referido textualmente na gravação como «Sócrates». E de o montante dessas luvas, ainda segundo o vídeo, ter sido estipulado (num encontro num hotel) por um indivíduo que, por outra irritante coincidência, disse ser primo de Sócrates. Enfim, uma chatice!

A tentativa de compra da TVI pela PT, exactamente quando Sócrates andava a querer afastar Manuela Moura Guedes daquela estação televisiva, foi também um acaso bem aborrecido. Tal como a ida a Espanha, para fechar o negócio, de um quadro da PT chamado Rui Pedro Soares, que mais tarde apareceria ligado a uns negócios onde surgia associado o nome de Sócrates.

E que dizer da diligência feita pelo BCP para fechar o SOL, no período em que este investigava os casos Freeport e Face Oculta? E logo por coincidência quem coordenou a operação pelo lado do BCP foi – imagine-se – Armando Vara, vice-presidente daquele banco e velho amigo de Sócrates.

Outro negócio dessa época cheia de acasos fantásticos foi a venda, pela Portugal Telecom, da rede Vivo, que tinha um enorme valor, e a compra da Oi, que não valia nada. Este negócio teve como padrinho, por infelicidade, José Sócrates – e quem parece ter gostado bastante dele foi o seu amigo Lula, que, por coincidência, apresentaria anos depois em Lisboa o livro de Sócrates sobre a tortura. Outro efeito da venda da Vivo foi ter proporcionado a mais um amigo de Sócrates, Ricardo Salgado, uma autêntica fortuna, numa altura em que, por coincidência, o Grupo Espírito Santo estava a precisar loucamente de dinheiro.

E que dizer da incrível coincidência de Sócrates ter tomado um pequeno-almoço com Luís Figo, no Altis-Belém, nas vésperas das legislativas de 2009, no mesmo dia em que Luís Figo assinou um importante contracto com entidades públicas, que permitiu à sua fundação receber umas centenas de milhares de euros?

Foi também por acaso, como é óbvio, que a Octapharma, um laboratório que mantinha relações com o Estado português, contratou Sócrates depois de este sair do Governo.

Mas coincidência ainda maior, reconheça-se, foi o facto de o seu amigo Carlos Santos Silva ter estreitas ligações ao Grupo Lena – grupo que ganhara muitos concursos públicos no tempo em que Sócrates era primeiro-ministro. A propósito destas ligações, deram-se outros curiosos acasos, como Sócrates ter ido aos Estados Unidos na precisa altura em que lá foi o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e – pasme-se – uma delegação do Grupo Lena. E, por coincidência, encontraram-se todos no consulado de Angola em Nova Iorque!

Continuando a falar de acasos desagradáveis, não foi nada bom existir uma conta bancária em nome de Carlos Santos Silva que, por coincidência, só servia para pagar as despesas de Sócrates – fossem as relativas à sua vida corrente, fossem despesas maiores, como a compra de apartamentos ou propriedades (também, por coincidência, onde a família de Sócrates aparecia envolvida).

E como classificar a chatíssima coincidência de Carlos Santos Silva emprestar dinheiro a Sócrates sempre através de envelopes com dinheiro e nunca por transferência bancária, apesar das elevadas quantias envolvidas?

Infelicíssima coincidência foi ainda Carlos Santos Silva ter tentado criar um fundo imobiliário só com casas que se supunha serem de José Sócrates. E neste assunto ainda se verificou outro facto bizarro: Carlos Santos Silva não ter jeito nenhum para a decoração e pedir a Sócrates e à ex-mulher deste, Sofia Fava, que escolhessem diversos acabamentos para o seu andar em Paris. Andar no qual, por coincidência, Sócrates vivera uns tempos.

Mas os azares não se ficaram por aqui.

Nas vésperas de embarcar para Paris, quando já sabia estar na iminência de ser preso, Sócrates almoçou, por coincidência, com o ex-procurador-geral da República, Pinto Monteiro.

E depois, quando Sócrates já estava em Paris e soube que Carlos Santos Silva e o seu motorista João Perna tinham sido detidos, deu-se outro espantoso acaso: uma empregada de limpeza retirou o computador do seu apartamento e levou-o para outro. É difícil acreditar como coincidências destas acontecem. Mas acontecem!

A maior de todas ocorreu, porém, quando Sócrates, ainda primeiro-ministro, fez uma lei para facilitar o regresso de capitais ao país pagando um mínimo de imposto – lei de que ele próprio, perdão, o seu amigo Carlos Santos Silva, viria a beneficiar para trazer 20 milhões para Portugal! Esta foi mesmo uma coincidência… das Arábias!

Foram todas estas coincidências – e mais algumas que se venham a descobrir – que, agitadas por espíritos malévolos, perversos e doentios, lançaram infundadas suspeitas sobre o engenheiro José Sócrates, infernizando-lhe a vida.

A verdade, contudo, há-de vir ao de cima. E os algozes do ex-primeiro-ministro pagarão por isso – como justamente tem ameaçado o Dr. Mário Soares.




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