, Expresso Diário, 5 de Março de 2015
O problema sempre foi complexo mas a dúvida sempre foi
simples: era tudo burro ou era tudo inteligente no BES? Ou seja: houve
negligência ou houve intenção no colapso do Banco Espírito Santo?
Chamar-lhe dúvida é uma previdência jurídica.
Não é dúvida, é suspeita: o contágio do GES ao BES, isto é, a forma como
administradores do BES torpedearam nos últimos meses a «cerca» («ring fencing»)
que o Banco de Portugal havia colocado separando o banco do Grupo Espírito
Santo, foi deliberada? E se sim, por quem?
Sempre foi difícil imaginar que tudo aconteceu
por acaso. A ESI já estava falida há muito, o que o Banco de Portugal soube no
final de 2013. Mas foi por acaso que a ESFG passou para dentro da Rio Forte a
uma valorização de 22 euros por acção (quando valia em bolsa um décimo disso),
assim contaminando irremediavelmente esta «holding»? Foi por acaso que se
passaram cartas de conforto à Venezuela? Foi por acaso que se usaram praças
financeiras no exterior para nos últimos 15 dias clientes do BES financiarem o
GES, arriscando sem saber perder tudo? Foi por acaso que a ordem de não colocar
mais papel comercial foi desrespeitada?
Embora toda a gente seja inocente até prova em
contrário, é preciso ter caído no caldeirão da presunção de inocência em
criança para acreditar em tantos acasos. Henrique Granadeiro disse na CPI que a
luta de poder no BES foi tratada como «entre um bando de ciganos», mas foi um
bando de banqueiros que gerou e distribui tanto prejuízos.
O Banco de Portugal pensará o mesmo. E, para se
munir, e porque se sentiu traído por aqueles que deixou (incompreensível e
ingenuamente) que permanecessem à frente do BES, encomendou uma auditoria
forense.
Palavras são palavras mas «auditoria forense»
quer dizer uma só coisa: procuram-se indícios de ilícitos criminais. Esta
auditoria da Deloitte, que o Banco de Portugal entregou à Comissão Parlamentar
de Inquérito e que já saiu nos jornais (no Negócios em primeira mão e logo
depois no Expresso), tem um destino certo: a Procuradoria Geral da República.
Houve crime ou não no BES?
Claro que houve. Burla, fraude, manipulação de
contas, falsificação de documentos, é só determinar entre as várias possibilidades.
Mas se houve crime, quem são os criminosos?
Aqui a pergunta muda radicalmente. Porque embora
todas as dúvidas apontem para um nome, muitos mais nomes estavam envolvidos no
GES e no BES. Os outros não viram? Não souberam? Não fizeram?
Estas são perguntas a responder posteriormente.
Para já, temos publicada a auditoria forense ao BES e os indícios são
aterradores. Entre as confirmações de muitas notícias publicadas ao longo
dos últimos meses e as novidades agora reveladas, nada é bom e tudo é grave. E
tudo é repugnante.
Folheia-se as 45 páginas da auditoria forense e
depara-se com uma galeria de horrores de suspeitas de violações de ordens do
Banco de Portugal e de indícios de gestao ruinosa.
O BES usou o Panamá, a Suíça e a Líbia para financiar
o GES à revelia do Banco de Portugal, contra credores do grupo e clientes do
banco. Ricardo Salgado garantiu empréstimos à Venezuela sem que ninguem
soubesse – nem sequer a sua própria administração. Houve esquemas «de
financiamento fraudulento» através de obrigações nos últimos 15 dias. Havia
administradores do BES a movimentar como queriam contas bancárias que
supostamente serviam para pagar papel comercial. Suspeita-se que parte do
dinheiro foi usado para pagar a alguns credores, favorecendo-os em detrimento
de outros e em violação das ordens do supervisor. O BES emprestava dinheiro a
acionistas. O Banco de Portugal foi ostensivamente ignorado. Houve
administradores do BES que, em conflito de interesses, não respeitavam as
regras internas e não enviavam informação para o departamento de controlo e
risco. E por aí fora: basta ler as notícias relacionadas pelo Expresso sobre o
documento.
Ainda havemos de perceber por que razão o Banco
de Portugal confiou tanto em quem aparentemente o desrespeitou ao longo de
tantos meses. Não é essa aliás a única dúvida. Como questionou Sílvia Caneco,
jornalista do i, «como é que o Banco de Portugal, que continuamente insistiu na
necessidade de constituição da conta escrow, com regras muito específicas, não
controlou o que nela era feito em tempo real?» Sim, como é que o Banco de
Portugal foi tão facilmente enganado em tantas frentes?
Ricardo Salgado está na linha da frente destas
dúvidas, que agora serão investigadas enquanto indícios de crime pela Justiça.
Até aqui, o caso era ruidoso. Pode substituir a palavra por outra: ruinoso.
A palavra já não está só nos jornais. Hoje, é
palavra de auditor. Agora, falta outra: a palavra do juiz.
Chegou a hora.
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