quinta-feira, 9 de julho de 2015


Όχι: o cansaço grego


Paulo de Almeida SandeObservador, 7 de Julho de 2015

E aqui chegámos: o referendo reforçou o governo de Tsipras na sua legitimidade popular e fez das instituições europeias as «más da fita», responsáveis primeiras e irredimíveis do sofrimento dos povos

Todos gostam de um bom herói. David. A Grécia do referendo e da luta contra a austeridade. Um herói precisa de vilões para ser realçado. Golias. Os malvados credores, isto é, as instituições europeias. Hoje, pela Europa fora, ou pelo menos nos países do sul, os corajosos gregos são louvados como o paradigma da luta contra a opressão e a ditadura da dívida.

E aqui chegámos: os gregos votaram Não no domingo e a zona euro está em ebulição.

E aqui chegámos: 8 anos depois do início da crise. 6 depois do seu reconhecimento na Grécia. 5 após o 1.º programa de assistência de 110 mil milhões de euros. 3 anos depois do 2.º programa de assistência de 130 mil milhões até ao início de 2015, alargado ao final de Junho, quando expirou irremediavelmente. 3 anos após o «haircut» da dívida – na mão de credores privados – de cerca de 100 mil milhões de euros. Hoje, agora, amanhã, os gregos encaram o futuro com esperança e inquietação, a Europa encara o futuro com inquietação e esperança.

E aqui chegámos: a saída de cena de Varoufakis não espanta, se pensarmos que, entre muitas outras coisas bondosas, acusou o FMI de ter praticado actos criminosos na Grécia; denunciou as tácticas negociais terroristas da troika; deu as boas vindas «ao ódio» para com ele dos ministros das finanças da zona euro, como twittou em certa ocasião. A sua demissão permite pelo menos alguma esperança na negociação, ainda que aparentemente o novo ministro das Finanças grego, mais conciliador do que Varoufakis, seja menos favorável à Europa do que ele.

E aqui chegámos: quando há pouco mais de 6 meses tudo indicava que a eurozona iria encarar de frente o problema das dívidas dos países do Sul, impossíveis de pagar, e a Grécia, regressada ao crescimento, parecia a caminho de sair da assistência, tudo volta violentamente atrás. E o FMI, a 2 de Julho, admitiu que o país precisa agora de um 3.º resgate de nunca menos de 50 mil milhões de euros até ao final de 2018.

E aqui chegámos: o referendo reforçou o governo de Tsipras na sua legitimidade popular e fez das instituições europeias as «más da fita», responsáveis primeiras e irredimíveis do sofrimento dos povos europeus (a par da senhora Merkel, mas essa é história antiga que, de tantas vezes repetida, se foi fazendo verdadeira aos olhos de quem vê com óculos de não querer ver).

E aqui chegámos: a Grécia nunca devia ter entrado para a zona euro: com uma dívida pública de 126,4% do PNB em 2002, data da sua entrada na zona euro, estava longe dos 60% exigidos para poder fazer parte dela. Com esse nível de endividamento e uma disciplina fiscal incerta, a entrada numa união monetária – perdendo soberania fiscal e instrumentos importantes de política económica como a desvalorização cambial –, foi um erro. Mas tendo entrado, uma possível saída é um enorme risco, para a Grécia e a Europa.

E aqui chegámos: sem a ajuda do Banco Central Europeu, os bancos gregos não têm liquidez para prover às necessidades do país, e depressa entrarão em colapso. Mas a Grécia tem de pagar, até 20 de Julho, 3,5 mil milhões… ao Banco Central Europeu. Ora esse pagamento só é possível se até lá houver novo programa de ajuda externa dos parceiros europeus ou de terceiros (só não se sabe quem, dificilmente poderá ser a Rússia); ou isso ou outro milagre qualquer. Nesse cenário, a ruptura e a saída do euro – seja qual for a solução jurídica, incluindo um pedido grego de saída da União Europeia – pode tornar-se a única via possível.

E aqui chegámos: entre 2001 e 2007, a Grécia cresceu 32% (contra 9% de Portugal e 11% da Alemanha), crescimento acompanhado de uma subida dos salários em 75%. 75%! À custa, claro, de endividamento público. Já os défices orçamentais – razão principal para o crescimento da dívida – vinham de longe: 14,07% em 1989, 16,1% em 1990, 20,79% em 1994. Cresceu a dívida (dos 24,6% do produto em 1975 para 111,3% em 96); o programa de estabilização de 1993 para a entrada da Grécia no euro levou à sua drástica redução nominal, para 8,1% em 1997 e 1,6% em 1999. Mas em 2004 o governo grego reconheceu que esses números estavam errados e que o défice nunca teria baixado dos 3%. Nesse ano de Jogos Olímpicos, depressa chegou aos 9,47%.

E aqui chegámos: fica o problema da dívida. Caso os países europeus decidissem reestruturar exclusivamente a dívida grega – de 341,4 mil milhões de euros –, coisa que o Banco Central Europeu já disse ser impossível por não se poder singularizar um único país, não seriam apenas os bancos alemães a sofrer, como tantos admiradores do David grego gostam de proclamar.  Portugal, por exemplo, tem uma exposição à dívida grega da ordem dos 4,8 mil milhões, qualquer coisa como 2,8% do nosso PIB. Mas pronto, deve ser uma coisa boa proceder a um segundo «haircut» da dívida grega à custa dos contribuintes europeus.

E aqui chegámos: em Janeiro, o novo governo grego interrompeu um processo em que as dívidas soberanas dos países europeus, com destaque para os do Sul, estavam a ser consideradas em conjunto; premissa maior era a clara percepção da carga que representam para as economias europeias em geral, as dos países mais endividados em particular, e para a própria integração europeia. Essa era a agenda e as negociações nunca pararam, até os gregos terem decidido introduzir no processo uma espécie de travão radical, com a não aceitação das condições das instituições e, sobretudo, a convocação do referendo. E contudo, ao contrário do que tantos dizem, não parece haver na Europa má vontade contra a Grécia (pretextos para forçar um grexit foram já legião); é hoje claro que os parceiros europeus querem o país no euro e na União – mas não a qualquer custo e, sobretudo, não a custo das respectivas populações e contribuintes. A solidariedade europeia é fundamental, mas tem de ser recíproca.

E agora? Perante os gritos de bajulação do gesto grego – do referendo e o seu resultado –, ninguém sabe bem o que se vai passar. Os líderes europeus reúnem-se em vagas sucessivas e o eixo franco-alemão, de súbito reactivado, já se pronunciou: aguarda-se as propostas gregas. Mas o relógio não pára e o tempo para aquele que será talvez o verdadeiro derradeiro prazo começa a escassear.

Os líderes europeus, incluindo os gregos, têm de mostrar bom senso e negociar com abertura de espírito e vontade de chegar a resultados. De ter contenção verbal, como não aconteceu, de parte a parte, nos últimos seis meses.

A comédia grega não pode acabar em tragédia, sob pena de fazer implodir o venerável e ambicioso anfiteatro europeu em que todos somos a um tempo espectadores e actores.





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