quarta-feira, 15 de julho de 2015


Proposta de um cidadão europeu a Alexis Tsipras

(há sempre um «tuga» para fazer a pergunta chata)


Nicolau do Vale Pais, Jornal de Negócios, 10 de Julho de 2015

O Sr. Tsipras gosta de tomar os restantes países intervencionados e atrofiados pela mesma troika que esteve na Grécia por parvos.

O Sr. Tsipras gosta de tomar os restantes países intervencionados e atrofiados pela mesma troika que esteve na Grécia por parvos. Já todos percebemos que o governo do Syriza joga com a geoestratégia da mesma forma capciosa que, digamos, a Alemanha. Não fosse assim, e a sua primeira visita de Estado não teria sido ao Sr. Putin, com quem fez acordos para «pipelines» construídos com a mão-de-obra barata de uma Grécia à míngua, para lá do razoável. Desde Janeiro que não sei o que quer o Sr. Tsipras: uma nova e reluzente Cuba na Grécia, que, de prato vazio, sirva de modelo de virtudes ao Mundo? Pasmo com a disponibilidade geral para achar que o governo Syriza – que, de Janeiro a Maio, destruiu todas as pontes com a Europa, virando-se ostensivamente para o Nordeste – não tem, ele próprio, financiadores, propósitos, enfim, uma agenda. Lembremo-nos de que a Grécia estava em crescimento económico no final do ano passado. Hoje apoiam o Syriza criaturas como Marine Le Pen (da Frente Nacional) ou Nigel Farage (do UKIP).

Ontem, no Parlamento Europeu, o Sr. Tsipras foi lembrado de tudo o que o seu governo deixou por fazer a nível de reformas, especialmente na área da fiscalidade, a tal para a qual o ex-ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, esteve mandatado durante seis meses. Este, entretanto, não pôde participar de tal debate, pois já abandonou a causa, saindo como entrou: a falar de si mesmo, como um «entertainer».

Mas voltemos ao que nos resta da casa-mãe da democracia europeia, o Parlamento Europeu. O belga Guy Verhofstadt perguntou, alto e bom som, ao Sr. Tsipras quando é que ele começa a fazer política; perguntou-lhe pelo fim dos privilégios fiscais da Igreja Ortodoxa. Perguntou-lhe pelo fim dos opíparos bónus e alcavalas dos militares, pelo fim do clientelismo, por legislação anti-corrupção, por reformas do IVA. Pelo fim dos privilégios obscenos dos armadores. É claro que Guy Verhofstadt deve saber o mesmo que eu: que boa parte destas áreas é tutelada por um ministro da extrema-direita, que até já ameaçou «inundar a Europa de imigrantes e jihadistas». Ele é «só» o ministro da Defesa, precisamente, armador de profissão. Perante isto, o primeiro-ministro grego voltou a bater na tecla do perdão de dívida à Alemanha, tornando a esquecer que a Grécia já teve um perdão de 50%, acerca dos quais portugueses, espanhóis, italianos, irlandeses e cipriotas não abriram a boca, muitos dos quais por solidariedade. Uma solidariedade que o governo grego tem desprezado, não perdendo uma oportunidade para – tipo Merkel – nos dizer «o que temos de fazer» a seguir.

Ora, a sorte do Sr. Tsipras é que os burocratas eleitos pela Alemanha para o Parlamento Europeu são uns nabos. É que a pergunta que se impunha, perante tal matreirice deselegante, é se a Grécia e Tsipras estão, ou estariam, interessados em claudicar às mesmas condições que a Alemanha teve de claudicar, para que lhe fosse perdoada a dívida nos tais moldes dos acordos de Londres de 1953. Ou seja, e entre outras:
  • A entrega incondicional de toda a soberania grega: a Alemanha era, de facto, um país ocupado há oito anos na altura, e assim teve de continuar; acabava-se, assim, o governo Syriza, e referendos, nem vê-los;
  • A perda total de autonomia para negociar com outros agentes que não os representantes do Plano Marshall: a Alemanha viu-se obrigada a reduzir toda a sua actividade económica àquilo que os Aliados quiseram dela fazer; acabavam-se assim os negócios com o Sr. Putin;
  • A inscrição de medidas constitucionais que proibiram a existência de partidos extremistas; acabaria, assim, sei lá, o Syriza…
Se o Sr. Tsipras está disponível para aceitar este pacote de medidas, então eu, cidadão europeu, aceito o perdão. Mas não é de 63% como tem sido evocado, mas de 13%, já que 50% já estão debitados na conta de todos os contribuintes da Zona Euro. O Sr. Tsipras mentiu, dizendo aos gregos que depois do referendo tinha um acordo «em 24 horas»; o Sr. Varoufakis mentiu quando disse que tinha «reservas para aguentar seis meses em caso de bloqueio económico». Já não há remédios nas farmácias, mas, claro, é fácil negociar com a fome dos outros. Entretanto, a miséria cresce e cresce, desmentindo o axioma de que «não há pior do que a austeridade». Há pois; por exemplo, ser alemão em 1946 sem ter tido nada que ver com os assuntos do III Reich.





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