Cristina Líbano Monteiro,
professora da Faculdade de Direito de Coimbra
Gostava de morrer quando morrer. Receio dar ordens
à morte. E se ela se enganar? E se eu me enganar? E se me faltar tempo? E se
cortando a relação com todos ainda me faltar dizer alguma coisa a alguém?
Gostava de morrer como vivi. Com a mesma liberdade,
com a mesma teimosia, com a mesma gratidão a quem cuidou de mim.
Gostava de morrer com a mesma liberdade (ou falta
dela) com que nasci. Dizem que então chorei e que foi bom tê-lo feito. Dizem
que também sofri, pois talvez tendesse a viver para sempre no ambiente fechado
em que até então cresci.
Gostava de morrer como nasci. Rodeada do mesmo
cuidado. Do mesmo carinho. Como vivi. Procurando beijar as mãos de que tantas
vezes dependi. As mãos, os olhos, a atitude dos que, estando perto, me
transmitiam certeza, segurança. Me repetiam e me repetem: é bom que existas; é
bom que estejas aqui.
Gostava de morrer quando morrer. Receio dar ordens
à morte. E se ela se enganar? E se eu me enganar? E se me faltar tempo?
Liberdade? E se cortando assim a relação com os outros, com toda a gente, ainda
me faltasse dizer alguma coisa a alguém: um pedido, umas palavras de amor, de
perdão…? E se rompendo assim a relação comigo própria, não chegasse a encontrar
o sentido de tudo isto, da minha vida e da minha morte?
Gostava de morrer quando morrer. Não quero
programar o dia em que hão-de chorar por mim. E se não chorarem? E se chorarem
pelo abandono a que os votei, não por mim? E as lágrimas forem de quem se
dispunha a cuidar-me, tornando-se mais pessoa, mais capaz de sentir o que a une
aos outros?
Agarro com as duas mãos, com senhorio, o meu ser em
dor. Peço à minha liberdade que me acompanhe até ao fim. Auto-determino-me a
morrer quando a morte vier. Quem disse que a dignidade é incompatível com
sofrer?
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