Rui Ramos,
Observador, 4 de Maio de 2016
O PCP e o BE aprovaram o seu primeiro PEC. Para
Bruxelas, não chega. Virão aí outros PEC, numa escalada semelhante à de
2010-2011? Seria o socratismo sem Sócrates, mas com Jerónimo e Catarina.
A «geringonça» funciona, diz o primeiro-ministro.
Talvez. Mas a que custo? Começámos a descobrir ontem: segundo a Comissão
Europeia, o Estado português não vai, este ano, conseguir dar aos seus credores
provas de que está a evoluir na direcção de finanças sustentáveis, isto é, de
que não precisará de continuar a abusar do crédito para pagar salários, pensões
e serviços. Há quem esteja convencido de que este caminho de previsões
formidáveis, derrapagem na despesa e medidas adicionais só pode culminar num desastre,
sob a forma apocalíptica de um novo resgate, como em 2011.
Talvez convenha admitir que não. O governo parece
esperar que a União Europeia, carregando mais ou menos na «austeridade», nunca
deixará cair Portugal, como ainda não deixou cair a Grécia. Tudo seria,
portanto, uma questão de malabarismo. E há condições para esse malabarismo. Na
última sexta-feira, na Assembleia da República, com cinco anos de atraso, o PCP
e o BE aprovaram finalmente o PEC 4 – através do expediente de impedir que
houvesse votação. Em Março de 2011, comunistas e bloquistas abraçaram-se com a
direita para derrubar o PS; agora, escolheram o governo e os seus PEC. António
Costa pode assim reatar com o tipo de governação que José Sócrates iniciou em
2010: uma escalada de Programas de Estabilidade (entre 2010 e 2011, foram
quatro em pouco mais de um ano), enquanto ao mesmo tempo anuncia
«qualificações» e «investimentos». Vai ser o socratismo sem Sócrates, mas com
Jerónimo de Sousa e Catarina Martins.
Em 2011, com os mercados à solta, a maré dos juros
subiu e houve que deitar mão à boia da Troika. Mas este ano, com os mercados a
dormir o sono do BCE, o ambiente é mais propício. Agora, quando as obrigações a
10 anos sobem «vertiginosamente», andam nos 3%; em 2011, a média foi de 13%.
Nestes números, está tudo o que é preciso saber sobre o funcionamento da
geringonça: há a folga que faltou em 2011 para maquilhar a austeridade.
As facturas vão aparecendo, como a do imposto sobre
os produtos petrolíferos. Mas por enquanto, chega a cuidadosa separação entre o
que se diz em público em Portugal e o que se diz em segredo na Europa. Já foi a
estratégia de Sócrates em 2010-2011. E quando se tornar óbvio que o crescimento
económico nunca será mais do que uma previsão estival e for necessário largar
as repartições de finanças às canelas do país? Que se faz então? Faz-se o que
tem feito o Syriza: um confronto arrastado com a Europa, sem rupturas mas com
muita atitude, de modo a trespassar as responsabilidades para Bruxelas e a
empurrar todos os críticos para a esquina vergonhosa da traição à pátria. A
certa altura, a população cansar-se-á. Mas cansar-se-á com todos, e não apenas
com o governo, o que dará à geringonça margem para persistir, como o Syriza na
Grécia.
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