Maria João Marques, Observador, 8
de Junho de 2016
Já estamos em boa hora de começar a ver uma
expropriação de propriedade privada como o último recurso de qualquer problema.
E de fazermos t-shirts com o slogan «nem mais um metro quadrado para a CML».
Fernando
Medina – presidente da Câmara de Lisboa em punição por todos os pecados da
capital – é o político socialista exemplar. «Inimigo dos automobilistas e voraz
com os recursos dos lisboetas» seria um bom mote para a sua campanha de 2017.
Fernando Medina – presidente da Câmara de Lisboa em
punição por todos os pecados da capital – é o político socialista exemplar.
«Inimigo dos automobilistas e voraz com os recursos dos lisboetas» seria um bom
mote para a sua campanha de 2017.
Já muita gente escreveu sobre a mesquita que a CML
entendeu por bem tomar as dores de construir e a hipocrisia flagrante de
pretender defender o Estado laico radical, rasgando contratos de associação
livremente estabelecidos pelo Estado para poupar as susceptíveis criancinhas à
exposição ao ópio do povo por um lado, e, por outro, correr a substituir-se à
comunidade islâmica na construção de uma mesquita. E se calhar atrás da
mesquita vem a madrassa e a querida câmara socialista de Lisboa é bem capaz de
decidir – para mostrar como somos tolerantes, multiculturais e essas virtudes
teologais do credo esquerdista – contribuir financeiramente para a catequese
muçulmana dos alunos da mesquita da Mouraria. Depois, claro, de ter protegido
as crianças portuguesas – mesmo as das famílias ignaras que até queriam e
gostavam – da exposição a essa praga maior da vida portuguesa que é o
cristianismo.
Para os argumentos sobre laicidade dirijam-se se
faz favor aos textos de João Miguel Tavares e Sebastião Bugalho. Eu gostava de
acrescentar outro argumento: o Estado devia (como quase sempre) estar quieto.
Ao contrário do que dizem os fãs do projecto – e até João Miguel Tavares – não
faz qualquer sentido construir naquela zona uma mesquita. Porque há vários
séculos aquela zona era habitada por islâmicos devemos agora lá construir uma
mesquita? Porque se abriram lá lojas de proprietários paquistaneses e
bangladechianos temos de lhes oferecer um local de culto? E a população chinesa
da zona, que é pelo menos tão numerosa e visível? Está já em estudo pelos
assessores dilectos de Medina a construção de um templo a Confúcio? Outro a
Mêncio? Foi encomendada alguma estátua da bodhisattva Guanyin?
E que dizer da injustiçada população hindu que
durante muitos anos habitou e trabalhou naquela mesmíssima zona? Nunca dei por
nenhum canto – menos ainda construção de três milhões de euros a expensas do
contribuinte da praxe – evocativo de Shiva. Ou – para ser visualmente ainda
mais apelativo – um altar a Ganesh, o deus elefante. Mas devo estar a ser
injusta: provavelmente foi algum temor de Kali, a destruidora, que impediu os
socialistas lisboetas, tão amantes do culto alheio, de assim ignorarem os
justos anseios religiosos dos muitos hindus que já passaram pela Rua da Palma.
Por várias razões conheço bem a zona de Lisboa onde
se pretende construir a mesquita. Uma delas foi ter morado uns anos um bocado
mais para cima na encosta e mais para o lado. Recuperei uma casa por lá quando
ainda toda a gente me olhava com ar de «já tomaste os comprimidos?» quando lhes
dizia que ia morar para o meio da Lisboa antiga – e, então, muito desmazelada.
Foi uma epopeia. Os vizinhos, uns velhotes
reformados e outros possivelmente recebedores do RSI e permanentemente
desocupados, tinham como entretenimento diário chamarem a polícia municipal
para vasculharem as obras que fazia (isto depois de um tempo longo à espera da
aprovação do projecto de arquitetura e das especialidades e da emissão da
licença de obras). O gabinete técnico claramente via como missão civilizacional
dificultar de formas imaginativas a recuperação de um apartamento. Havia que
defender uma zona com população envelhecida e habitações degradadas da
intromissão de pessoas de vinte anos que lá queriam residir. Que lata (a minha,
obviamente).
Entretanto estes cenários persecutórios já se
alteraram. O licenciamento ficou mais fácil – e as loucuras dos arquitectos
camarários que pretendiam pôr as pessoas a viverem naqueles prédios como se
vivia em 1795, a bem da pureza arquitectónica da zona, foram contidas. Eu, às
tantas, mudei-me.
Vieram os paquistaneses e os chineses. Depois
vieram os turistas e, também, mais gente nova que, como eu, aprecia casas
antigas restauradas e as vistas deslumbrantes de Lisboa. Há mais jardins (aqui
aplaude-se a CML) e os prédios têm vindo a ser recuperados – por privados. Os
problemas de estacionamento continuam por resolver (assim vão ficar, que a
prioridade do PS são ciclovias, que ninguém usa, espalhadas pela cidade) e,
sobretudo, os prédios propriedade da CML estão sem obras, velhos, estragados.
Conto isto para mostrar que aquela zona é dinâmica
– também graças aos imigrantes que lá se instalaram, que dão colorido,
movimento e interesse. A população tem tido alterações nos últimos anos e não
cabe à CML cristalizar o bairro com uma mesquita como se os muçulmanos que
vivem em Lisboa lá fossem sempre ficar.
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