João Marques de Almeida, Observador, 25
de Setembro de 2016
Enquanto o PS não se reformar, e deixar de ser o
partido moldado por Sócrates e por Costa para estar no poder a todo o custo,
será um problema, e não uma solução, para Portugal.
Esta é, para mim, a questão central da política
portuguesa. Bem sei que a Mariana Mortágua excita muita gente, como se viu na
semana que passou (e, especialmente, os meus e as minhas camaradas de escrita
do Observador). Mas, e espero que a Mariana não leve a mal, as suas
intervenções públicas recentes foram irrelevantes. O apelo ao fim do
capitalismo apenas confirmou o que muitos de nós, no Observador,
temos escrito nos últimos meses. O Bloco de Esquerda é um partido marxista. É
natural que uma política do BE defenda o fim do capitalismo. Alguma surpresa?
Não o sabíamos? Ficaria admirado com o contrário. Se um dia a Mariana Mortágua
defender a City e os grandes bancos, isso seria notícia. Admito que o PM se
tenha interrogado se afinal o BE saltou o Muro. Quanto ao resto, nada de novo.
Se o apelo ao fim do capitalismo não constitui
qualquer novidade, o anúncio de um novo imposto imobiliário é irrelevante. Como
bem disseram vários dirigentes socialistas, é ao governo que compete definir a
política fiscal. Se o executivo de Costa não quiser, não haverá novos impostos.
Isso é que conta.
Chegamos assim às questões relevantes: que partido
é o PS hoje? O que quer para o país? Todos sabem o que é o PCP e o que quer. No
outro lado do sistema politico, também se sabe o que o PSD e o CDS pensam e o
que querem para Portugal. Mas sobre o PS, não se sabe. Fez campanha eleitoral
contra o aumento da dívida pública, mas esta não pára de subir desde que Costa
chegou a São Bento. O PS passou quatro anos a atacar a obsessão com o défice do
anterior governo, mas mostra agora a mesma preocupação. Afirmou que a economia
cresceria com o consume interno, mas agora mostra gráficos para dizer que é o
campeão das exportações. O PS continuará a ser um partido europeísta empenhado
no respeito pelas regras do Euro? Ou será um partido aliado do Syriza nas
pretensões de mudar as regras da zona Euro? Não é possível estar com todos
durante muito tempo. Mais tarde ou mais cedo, estas contradições terão custos
políticos elevados, para o PS e para Portugal.
Mas os problemas do e com o PS não começaram com a
geringonça. Convém não culpar a aliança com o BE e com o PCP por tudo o que de
negativo existe com os socialistas. O PS começou a mudar com os consulados de
José Sócrates. A identidade ideológica tornou-se secundária, senão mesmo
irrelevante, e o partido tornou-se essencialmente uma força de poder. Sócrates
não é um político de direita, nem de esquerda; é um homem de poder. A sua
popularidade no PS resulta mais do seu lado tribal do que de uma dimensão
ideológica socialista ou social-democrata, que nunca teve e jamais terá. E,
como mostraram os últimos dias, depois de Costa, Sócrates ainda é a segunda
figura com mais poder no PS.
Costa continuou o projecto socrático. O seu PS é
acima de tudo uma força política de poder. A formação da geringonça não
resultou de uma viragem para a esquerda, mas da necessidade absoluta de
regressar ao poder, custasse o que custasse. Entre 1995 e 2011 (16 anos), o PS
só esteve fora do governo durante dois anos. O partido de 2011 não tem nada a
ver com o partido de 1995. Ninguém sabe o que aconteceria ao PS se estivesse
oito anos seguidos fora do poder. Mas foi claro em Outubro passado que essa
hipótese aterrorizou os socialistas e resolveram fazer a única coisa que
poderia ser feita para voltarem ao governo. Não foi apenas Costa que quis ser PM,
o partido quis ser governo com a mesma vontade desesperada do seu líder. Se um
dia Passos Coelho deixar de ser líder do PSD, se o PS for o maior partido e a
nova liderança do PSD estiver disponível, Costa fará um bloco central com a
mesma naturalidade com que se aliou ao PCP e ao BE. A geringonça é uma aliança
de poder, não é uma coligação ideológica.
Se aparentemente o PS parece estar a aproximar-se
do esquerdismo do BE, na verdade o Bloco é que está a caminho de se tornar num
partido de poder, deixando de ser apenas uma força de protesto. O embrulho tem
tons ideológicos, mas a substância é o poder. O discurso ideológico do BE
apenas esconde a sua transformação em partido de poder. E não haja dúvidas.
Estarão dispostos a aceitar qualquer exigência de Bruxelas em relação ao
Orçamento para continuarem no poder. A Mariana foi pedir ao PS para se
transformar, mas no fim o PS é que mudará a Mariana, como ela bem sabe. Eles
ainda não saltaram o Muro mas Costa é capaz de acabar por ter razão. Um dia vão mesmo saltar.
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