O autor falou sobre o suicídio e a violência na região e logo se revoltaram as redes sociais. Local do lançamento do livro até teve de ser alterado
Muitos palavrões se disseram, ameaças se fizeram e várias pragas se rogaram em reacção às palavras do autor Henrique Raposo que foi à SIC Radical falar sobre o Alentejo e o seu mais recente livro, Alentejo Prometido. Ao todo foram cerca de 1 900 comentários feitos ao vídeo publicado no dia 22 de Fevereiro – isto sem contar com outras publicações e comentários feitos noutros locais, como blogues.
E a primeira consequência foi a alteração do local da cerimónia de apresentação.
Inicialmente estava marcado para a galeria Tintos e Tintas, em Lisboa, mas foi cancelado. «Não tem a ver com o conteúdo do livro mas com a polémica em que não queremos estar envolvidos», explicou à SÁBADO João Saião Lopes, um dos sócios do espaço. A Fundação Francisco Manuel dos Santos, que publica o livro, acrescentou as novas coordenadas para o evento: acontecerá dia 8 de Março, na livraria Bertrand (Picoas Plaza) pelas 18h30.
«Tinha a esperança dos momentos de redenção mas nunca os encontrei. E é um livro duro por causa disso, é a minha separação do Alentejo», explicou Henrique Raposo a Pedro Boucherie Mendes, à mesa do debate do Irritações.
O autor falou sobre vários temas presentes no livro que assina, em que vai à procura das suas raízes alentejanas, cruzando histórias pessoais, de família, com a história da região. Falou, por exemplo, sobre a elevada taxa de suicídio que ali se regista, em comparação com outras zonas do país: «É como se fosse um fenómeno natural, tu não contestas moralmente um terramoto, ele acontece. O alentejano vê o suicídio como um fenómeno natural, ‘olha, ele matou-se.’» Falou, ainda, sobre como as alentejanas antigas não conheciam a palavra violação – de como diziam «ele chegou-se ao pé de mim e pronto» – ou de como, historicamente, a violência e a solidão sempre fizeram parte do Alentejo.
As suas palavras geraram indignação: o vídeo conta já com 775 mil visualizações e cerca de 9 250 partilhas. A SÁBADO contactou o autor que não quis prestar declarações. Logo depois, publicou na sua página de Facebook: «Agradeço o interesse de alguns órgãos de comunicação social por aquilo que se está a passar. Mas eu não vou prestar declarações sobre o caso, não tenho de responder a nada. Não se responde a uma multidão ou multidões que me acusam não sei do quê. Isto é uma espécie de tribunal popular e eu não me vou sentar no banco dos réus. Quando alguma entidade ou figura escrever uma contra-argumentação (e argumentar não é dizer «és uma besta» ou «não sabes nada do Alentejo»), então sim, eu poderei responder e defender o meu livro. Isto é o B, A, BA da liberdade e do espaço público e está a ser preciso recordá-lo em 2016. Depois disto tudo acabar, uma coisa é certa: sairei mesmo da internet – o que é não é mesmo que sair do mundo. Aliás, é precisamente o contrário.»
Já no Expresso deste fim-de-semana, 27 de Fevereiro, Henrique Raposo tinha escrito uma «Carta de Amor ao Alentejo» que, no fundo, é uma reacção a todo o burburinho que se gerou depois da presença no programa emitido na SIC Radical. Começa por esclarecer que respeita o Alentejo e ainda por lembrar que toda a sua família é alentejana. E continua: «Escrevo há anos cartas de amor ao Alentejo; sucede que o amor não passa por esconder as partes negras do ente amado. Pelo contrário, só há amor verdadeiro depois de desenterrarmos os fantasmas», explica, lembrando depois que as «redes sociais servem cada vez mais como factor de censura e autocensura do jornalismo que escreve no osso, do pensamento crítico, da liberdade literária.»
O autor, que escreve no Expresso Diário de segunda a sexta-feira, admitiu ainda «sim, eu podia ter contextualizado melhor as histórias que contei», lembrando que «nada justifica o ódio internético de milhares de pessoas que nem sequer leram o livro.» Por fim, esclarece o seu objectivo, «retirar o alentejano da caricatura patusca e mole feita pelo resto do país.» E conclui: «Com ou sem intifadas na internet, vou continuar a fazer isto – sem nunca esconder o lado trágico e negro dos meus antepassados.»
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