segunda-feira, 19 de maio de 2008

Para um Portugal Verdadeiro e Reconfirmado

É certo que vivemos num país sem visão, sem grandeza, sem ambição, sem estratégia e sem elites autênticas. Que tudo se faz para se acabar com o pensamento alternativo ao pensamento dominante, porque ele é perigoso, desen­canta e chama a atenção dos incautos para as realidades mais desagradáveis.

Mas também é verdade que nem sempre fomos assim. É por isso que não se quer ensinar História de Portugal. Detestam-se as comparações. É melhor abolir o que era melhor, não lhe conceder o direito a constar como um ates­tado de incompetência aos actuais arrendatários do terri­tório. Penso que é preciso voltar a ler outros autores entre os quais Eça de Queirós, que costumava falar daquela «choldra». A que de facto nos convertemos.

Mas nem sempre fomos assim. Os ladrões castigavam-se duramente em todas as classes. Os debochados, vendi­dos, lacaios, castigavam-se para exemplo. Os assassinos e ban­didos reprimiam-se. Nunca passou pela cabeça de nin­guém criar dois tipos de portugueses: ban­didos protegidos por lei e cidadãos leais perseguidos pela lei. Os primeiros arma­dos até aos dentes. Os segundos desarmados.

Nem sempre foi assim: houve um tempo de justiça, de crescimento moral e económico, de bondade e com­pa­nhei­rismo. Mesmo de solidariedade activa entre as classes.

É difícil compreender num tempo de ateus e de pronto a pensar, de novelas absurdas e ensino estupidificante, o outro tempo entretecido no divino como as cordas manue­linas e as agulhas das catedrais. É fácil compreender que o que havia decaiu. Dizem alguns que os melhores se foram na aventura ultramarina consumidora da nata e o que ficou foi aquela gente desinteressante que gerou esta. Não tive­ram sequer, depois, a coragem de morrer em Alcácer, negro dia, nem nas guerras da Restauração, nem na Guerra Civil, nem na Rotunda, nem no Ultramar. De facto, há uma certa razão nisto porque parece, à primei­ra vista, que o que sobrou depois de um tempo de chicote e bico calado é o conformis­mo cinzento e sobretudo o opor­tunismo provinciano.
Mas nem sempre foi assim.

Também não terá de ser assim.

Cada um de nós escreve a sua história própria, faz esco­lhas, decide o modo de fazer a sua história pessoal, a sua maneira de viver e de morrer. Escolhe tudo num mundo de escolhas infinitas, mesmo a maneira de contribuir para o bem do seu país. E nisso consiste a liberdade que nin­guém conseguiu roubar aos decididos e conscientes de que o mundo se fazia assim. Não com decisões da turba, mas com opções de poucos e decididos. Em Portugal foram sem­pre poucos os que souberam o que queriam, desde a Funda­ção à Restauração, da Guerra Civil à Ditadura, da Primeira República à Terceira República. O povo desempenha a função de aplauso, seja «povo» aquilo que for.

Não vale a pena manter ilusões. O que existe não presta. O sistema esgota-se e vai à falência técnica. Entretanto, por entre fanfarras e zumbais que aviltam, o País corre o sério risco de ser mais um Estado fracassado.

Os poucos que sabem isso não devem cruzar os braços perante dez milhões de náufragos. Têm de fazer escolhas.

Com a consciência bem sedimentada de que não tem de ser assim.


António Marques Bessa
Presidente do Instituto de Estudos da Civilização

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