Nuno Pacheco, Público
Não estranhem o
título. Se não lhe encontram sentido, saibam que, «agora», é assim que se
escreve. No tal «bom português» que por aí se vende como sabonetes. Um exemplo
recente: na edição dos contos de juventude de John Cheever ( Fall River e
outros contos dispersos, Sextante, 2011), a mesma editora que dera à estampa os
fulgurantes Contos Completos , em dois volumes e num português decente, cedeu à
tentação da novilíngua. E o pobre Cheever é posto a «escrever» frases como esta
(Pág. 134): «Oh, para com isso, Charles!
- disse a Srª. Dexter, impaciente.» Para com isso... fazer o quê, alguém
explica? Cheever não pode, que já morreu. O tradutor também não, porque «é a
lei» e ele não tem culpa nenhuma. A editora dirá o mesmo. E, como a vida não
«para», temos que aturar isto.
Temos? Não é assim
tão certo. A aplicação do acordo tem vindo a fazer-se, não por qualquer lógica
ou aprendizagem mas por métodos mecânicos. Escreve-se um texto, enfia-se no
Lince e já está. O Lince é uma espécie de Bimby para as letras, só que, em
lugar de fazer bons cozinhados, produz péssimas mistelas. Há quem não se
importe. O próprio José Saramago, em Junho de 2008, numa entrevista ao programa
Diga Lá Excelência (do PÚBLICO, Rádio Renascença e RTP2), dizia: «Vou continuar a escrever como escrevo hoje.
Não vou querer estar a ir constantemente ao dicionário ver se se escreve com
"c" ou não. Os revisores encarregam-se disso.» Mas aceitava o
acordo como uma fatalidade: «Creio que
temos de embarcar nesse comboio, mesmo que não gostemos muito. Não há outro
remédio.» Haver havia, mas tanto insensato encolher de ombros ajudou a que
não houvesse. Agora o negócio não «para», como se vê.
Na sua regular
crónica na revista «Atual» (sic) do Expresso , Pedro Mexia, um dos vários que
ali (e bem) escrevem «de acordo com a antiga ortografia», veio na edição de 14
de Janeiro defender-se desse epíteto, dizendo que admiti-lo será "como se
a língua que a maioria dos portugueses ainda usa se tornasse por simples decreto
«antiga": antiquada, decrépita, morta.»E, a dado passo, também ele
assinala «os imparáveis espalhanços de um ‘’pára’’ do verbo »para" que
perde o acento e talvez o assento." Já alguém lembrou, ajuizadamente, que
a aplicação da nova norma a certas frases daria disparate pela certa. Por
exemplo, em lugar de «greve geral pára o país», ficaria «greve geral para o
país». Totalmente diferente, não? E como ficaria o título de uma das mais
recentes crónicas de Miguel Esteves Cardoso, «Alto e pára o baile»? «Alto e
para o baile»? A primeira manda parar de dançar; a segunda apela a que se
dance. Que idiota terá sancionado isto?
Talvez todos. Talvez
nenhum. O certo é que já se admite que, sim, talvez haja correcções ao acordo,
não se sabe quando, mas esta poderá até ser uma delas. E o que sucederá depois,
não nos dizem? Venderão os acentos à parte, avulsos, em bolsinhas de plástico,
para colarmos nos livros antes assassinados por tamanha displicência? Pedirão
desculpa? Indemnizarão os leitores? Serão presos? Nada disso sucederá, porque a
estupidez, e não só em Portugal, não é crime. É um modo de vida. E em geral
lucrativo.
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