terça-feira, 16 de outubro de 2012

«Histórias da Carochinha» [1]
ou a falta de vergonha contumaz


João J. Brandão Ferreira

«Nem tudo o que é legal é moral».
Retirado do «senso comum»

Correndo o risco de ir escrever relativamente a uma questão sobre a qual já se disse tudo, tanto no campo da análise séria, como no âmbito do anedotário nacional – estamos a referir-nos ao tristíssimo e inqualificável caso da licenciatura do Sr. Ministro (temporário) Relvas – vamos, mesmo assim, arriscar uns comentários que temos por relevantes.
No meio desta lamentável saga, que escancara sem pudicícia as fragilidades humanas e as do sistema político em vigor, tem sido posta a tónica no cidadão Miguel – que num regime civilizado não teria, provavelmente, passado de arrumador de cadeiras – ao ponto de o tornarem no bombo da festa em quem qualquer um desopila as raivas que a actual crise exponencia.
Ora, em abono da verdade, o desacreditado membro do governo, que ainda lambe as feridas de outra incrível trapalhada que teve como epicentro uma mistura explosiva de “espiões”, aparentes solidariedades maçónicas, negócios e conflito com jornalistas é, neste caso, consequência e não causa.
E é consequência de uma coisa de que pouca gente tem falado, ou seja o “Processo de Bolonha” e a sua implementação em Portugal.
É preciso que se diga que o dito processo, independentemente das boas intenções – se é que alguma – destina-se a nivelar por baixo, facilitar o reconhecimento académico entre estados, embelezar as estatísticas e promover a fluidez do emprego de um país para outro.
Não sendo evidente, o pano de fundo de tudo isto, é o de facilitar o amalgamento dos povos dos países europeus de modo a acabar com as nações e facilitar o “federalismo”.
Foi, então, por esta via que foi introduzido o sistema de atribuição de créditos à experiência profissional de um cidadão de modo a facilitar-lhe a aquisição de um grau académico. Estes créditos dão, automaticamente, equivalência a cadeiras ou partes de cadeiras, relativas a uma determinada licenciatura.
As minudências que regulam todo este processo estão consignadas em lei.
Ora quando o Governo Português, por alturas de 2005, entendeu avançar com a adopção do Processo de Bolonha, teve que preparar uma lei do ensino superior, para tal. Esta incumbência calhou ao Ministro da Ciência e Tecnologia, Mariano Gago (um ex - maoista reconvertido).
Os procedimentos legais impunham, todavia, que a proposta de lei fosse submetida ao “Conselho Nacional da Educação”[2] , de que fazem parte, hoje em dia, 68 personalidades com competência em vários saberes ligados à educação.
Na altura, dos “conselheiros” que votaram apenas um votou favoravelmente o projecto de lei (parecer 4/2005, de 1/06). O Sr. Ministro irritou-se, ignorou a votação e terá mimoseado o Conselho, com fraseologia pouco delicada.
Na sequência, os conselheiros apresentaram, cada um, o pedido de demissão, aos quais o governante – lembrando-se, certamente, dos pensamentos de Maozedong – não se dignou despachar por mais de dois anos.
E aqui é que parece estar o verdadeiro busílis do ocorrido, apesar do comentador, Professor Marcelo, o ter entendido branquear na sua última homilia domingueira, chamando-lhe “normal”.
Ora, salvo melhor opinião, tudo isto representa a inversão da lógica das boas práticas. Ou seja, até agora, cada um de nós estudava para arranjar um grau académico para poder exercer uma profissão; daqui para a frente vamos tentar encontrar um qualquer trabalho para conseguir um grau académico…
Deixando uma porta aberta para uma valorização pessoal tardia que a prática de uma reconhecida boa actividade profissional, em determinadas “escolas da vida”, penso haver alguma justiça na atribuição de créditos, tendo o cuidado de objectivar processos, compatibilizando matérias e aferindo provas. E tudo isto apenas feito por excepção e não ser encarado como mais um “negócio” possível.
E recorda-se que para casos ilustres já existe a figura do “Doutoramento Honoris Causa”.
Ora a cereja em cima do bolo, no caso vertente, resulta de que, aparentemente, nem sequer as regras em vigor para a atribuição da turbo – licenciatura ao,” em busca do conhecimento Relvas”, foram cumpridas (pareceres, conselho cientifico, lógica dos créditos, etc.). Na prédica referida, Rebelo de Sousa ainda lhes fez saber (aos responsáveis da universidade), o que estes tinham de fazer, mas aqueles não ouviram ou já não foram a tempo de actuar antes da investigação jornalística.
Passando-se as coisas assim, é lícito que se levantem as maiores suspeitas sobre eventuais cambalachos, os mais diversos.
A Universidade ficou sob suspeita – e o visado ministro já descartou a responsabilidade de qualquer ilegalidade, para cima dela – os alunos estão incomodados (e com razão) e, tudo junto, estamos perante mais uma machadada no já muito desacreditado ensino nacional, que anda, há décadas, juntamente com o sistema de Justiça cá do burgo, em competição para ver quem consegue fazer pior que o outro.
E, na base de tudo isto, está a complacência extrema, dos diferentes extratos da sociedade, para com as imoralidades várias que diariamente são vertidas perante os olhos, ouvidos e narizes de todos, e a venalidade do sistema e actores políticos, que não se sabem preservar a si próprios, começando por nem sequer fazerem nenhuma triagem/exigir formação, a todo e qualquer candidato a político.
Castigá-los apenas pelo voto é uma falácia que não resiste à mais elementar análise.

[1] Assim se pronunciou o ex - Magnifico Reitor da Universidade Lusófona, Santos Neves…
[2] Lembra-se que este é um Conselho importante, cujo presidente é eleito pela Assembleia da República

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