Pedro Santos Guerreiro
… este Orçamento vai correr mal. Ninguém acredita nele,
nem quem o faz. Mas shiu, parece que isso não pode ser dito alto, piscamos os
olhos uns aos outros mas não dizemos nada. Hoje há OE, hoje temos a angústia do
guarda-redes no momento do penálti, hoje vamos discutir o indiscutível mas só
uma coisa não tem alternativa: insistir em vez de desistir. Insistir na
mudança. Não seremos nós, será o tempo a rasgar o OE.
… não vamos pagar esta dívida pública, não é possível pagar 120% do
que se produz se o que se produz não aumenta. O que aumentará são os 120%.
Porque o PIB vai cair mais. Porque há dívida por reconhecer (em empresas
públicas, em «swaps», em «factoring», em parcerias público-privadas que vão
falir e ser nacionalizadas). Para baixar para o nível de Maastricht, 60% do
PIB, seria preciso amortizar uns cem mil milhões de euros. Cinco mil milhões
durante 20 anos! Seriam seis meses de IRS só para reduzir dívida. Não dá.
… os alemães não podem perceber. Pagar a dívida não é «ideia de criança», não nos podemos «marimbar para os credores», nem simplesmente dizer «não pagamos». Há outras formas de perdão que o não são. Como conceder empréstimos baratos a longos períodos. Assim se fez com a Alemanha após a Guerra.
… nem um perdão chega. A austeridade é necessária,
mesmo que toda a dívida desaparecesse por magia, as finanças não estariam bem.
No próximo ano, depois do maior aumento de impostos de sempre, será a primeira
vez em democracia em que as despesas do Estado (excluindo juros) serão menores
que as receitas.
… estamos a entrar em espiral recessiva. Desde Maio que o défice se descontrolou. A próxima execução orçamental mostrará que Setembro foi catastrófico, pois o anúncio inesperado para a maioria das pessoas de austeridade radical levou à travagem do consumo e à suspensão do investimento.
… o Governo vai falhar a meta do défice. Começando pela receita
fiscal. Ainda não se conhece toda a proposta de OE, sabe-se o suficiente para
saber que o «maior aumento de impostos de sempre» não vai gerar «o maior aumento
de receitas de sempre».
… a economia vai cair mais de 1% em 2013. O erro agora reconhecido pelo FMI quanto ao efeito multiplicador da austeridade garante isso. O PIB vai cair mais.
… o Governo português falhou. Falhou porque deixou para
dois conselhos de ministros de 30 horas o que não fez em 15 meses, preparar
cortes de despesa. Falhou porque improvisou, avançou e recuou, não estudou nem
criou alternativas. Hoje, serão apresentados incentivos ao crescimento
económico. Esperemos que sejam medidas analisadas.
… este OE é para alombar, mas não é para levar muito a sério, porque vai falhar. A austeridade vai acontecer, os objectivos orçamentais e macroeconómicos não. O que vai acontecer é que não vamos pagar a dívida, vamos ter mais tempo para reduzir o défice e a troika vai mudar a política que nos impôs.
É o desespero? Não! É preciso
influenciar esse desfecho. Há alternativas. Cá dentro, na política orçamental.
Mas sobretudo lá fora.
Este descalabro tem
responsáveis e nem todos foram eleitos por nós. Merkel é responsável, Barroso é
responsável, Lagarde é responsável – e foi a única que já assumiu o erro. É
preciso mais. O FMI tem de ser consequente, a UE tem de assumir o erro e ambos
têm de dar mais tempo a Portugal, mas criando condições de credibilidade junto
dos mercados financeiros, intervindo de modo a garantir taxas de juro baixas,
em mercado primário e secundário, o que
passa por mecanismos de compra de dívida, como o BCE
já se disponibilizou a fazer.
Passos Coelho é responsável. Tem alternativas que nunca discutiu, como baixar impostos e aumentar preços de acesso à saúde ou ao ensino. Talvez seja errado, não se sabe, não foi estudado, mas é uma alternativa que se esperava de um Governo liberal. Mas sobretudo: Passos é responsável porque troca os pés, não lidera, está um cata-vento.
É preciso ser consequente. É
possível fazer política com decência. O Governo escolheu o alvo errado, a
guerra não se ganha contra o povo, nem pedindo ao povo que morra, ganha-se
pressionando as instituições internacionais, como disse este fim-de-semana Jorge Sampaio numa excelente entrevista. É preciso
cumprir o que nos pedem e fazer disso degrau para exigirmos, negociarmos, para
merecermos a racionalidade da tolerância. É preciso dar ajuda interna à ajuda externa. É preciso voltar a ter um plano em
que confiemos. Este falhou. Este vai falhar.
Pronto, não digam nada, guardem silêncio, há uma encenação para cumprir, por causa das opiniões públicas dos países do Norte, por causa dos gajos dos mercados. Guardemos os falhanços para nós e, aqui que ninguém nos ouve, fechemos os parêntesis e escrevamos uma única frase, audível e responsabilizadora).
Pronto, não digam nada, guardem silêncio, há uma encenação para cumprir, por causa das opiniões públicas dos países do Norte, por causa dos gajos dos mercados. Guardemos os falhanços para nós e, aqui que ninguém nos ouve, fechemos os parêntesis e escrevamos uma única frase, audível e responsabilizadora).
Os portugueses têm de pagar austeridade. O Governo tem o dever de garantir a sua racionalidade, equidade e propósito. A UE e o FMI têm de mudar de plano – eles não são só credores, são responsáveis. E nós não podemos deixar que eles se esqueçam disso. Fazê-los merecer o próximo Nobel da Paz.
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